As medalhas da vida que unem Patrícia Mamona e Jorge Fonseca
A diferença entre Patrícia Mamona e Jorge Fonseca? A cor e o peso da medalha olímpica. Em comum? Toda uma história de vida e sucesso desportivo. Os dois medalhados foram descobertos no desporto escolar por aqueles que ainda hoje são os seus treinadores.
Ambos sentiram a desvalorização na pele, ambos foram obrigados a fazer paragens na carreira e ambos tiveram covid-19. E se Jorge (28 anos) tem dois títulos mundiais e uma medalha olímpica, Patrícia (32 anos) tem dois europeus e uma medalha olímpica. São ambos do Sporting.
Foi no final de uma competição de corta-mato que um professor de Educação Física, José Uva, viu talento numa miúda de 12 anos que vivia no Cacém e corria para ter donuts de graça: Patrícia Mamona. Foi ele que a fez despertar para o atletismo apesar da resistência inicial dos pais que queriam que se concentrasse nos estudos. "É na escola que vamos descobrir novas Patrícias. Onde está o ouro tem de estar o garimpeiro. Esperar por diamantes delapidados é contribuir para a escassez de medalhas", afirmou o treinador ao DN, em março, depois de ela ser campeã da Europa pela segunda vez (2016 e 2021).
Segundo José Uva, uma atleta como a Patrícia "aparece uma vez na vida de um treinador" e o treinador tem de ter capacidade para dar continuidade às exigências. Foi o que ele fez e ao fim de 20 anos ainda é o seu técnico. E não foi esquecido na hora da medalha. "Neste momento só quero ver o meu treinador, acho que também deveria estar no pódio comigo, é a pessoa que me viu a correr na escolinha, que viu em mim algo de especial", reconheceu Mamona.
Foi também na escola que Pedro Soares descobriu Jorge Fonseca há cerca de 15 anos. O judoca era um miúdo rebelde de 13 anos, que faltava às aulas para jogar à bola ou ver as aulas de judo do ex-judoca. "Espreitava pela janela para aprender uns golpes para brincar com os meus amigos. Um dia o treinador, que era o Pedro Soares, perguntou-me se não queria experimentar", contou há dias o judoca do Sporting ao DN. Teve de pedir autorização à mãe, ela deixou e o resto é história: dois títulos mundiais (2019 e 2021) e uma medalha de bronze em Tóquio 2020.
A relação forte e cúmplice de ambos é um dos trunfos de Fonseca e isso viu-se no combate que valeu o bronze ao judoca. Um treinador não pode dar indicações com os combates a decorrer, mas Pedro fê-lo e foi expulso. O treinador sentiu que Jorge estava a precisar de um incentivo e arriscou, gritando: "Ainda há uma medalha para ganhar." E isso fez a diferença: "Teve de ser o treinador a motivar-me. Disse-me que tinha de ir buscar o bronze, fez-me acreditar que era possível."
As semelhanças entre eles não se ficam por aqui. Patrícia era uma atleta boa em várias disciplinas. Chegou a bater recordes nacionais em barreiras, salto em altura, salto em comprimento, triplo salto e heptatlo. Depois fixou-se no triplo influenciada pelos sucesso de Nelson Évora. Mas nem todos viram nela capacidade para isso. "Diziam-me: "O triplo salto não. És muito pequena, não tens perfil de triplista." E agora sou vice-campeã olímpica", desabafou depois de conquitar a prata em Tóquio 2020.
O mesmo sentimento tomou conta do judoca até há bem pouco tempo. "Puseram em dúvida o meu primeiro título. Deixar família e escola para trás para me dedicar ao judo e ver as pessoas a subestimar o meu valor é terrível. É a pior coisa que existe. Tive fases de revolta interior por causa disso. Eu passava e ouvia: "Foi sorte." Foi sorte?! Se um é sorte, dois é o quê?", questionou, podendo agora acrescentar: e ser medalha de bronze nos Jogos Olímpicos é o quê?
Ambos foram obrigados a fazer uma paragem na carreira quando estavam a começar a mostrar que podiam fazer carreira no desporto. O judoca foi pai aos 17 anos e as prioridades mudaram apesar do título de campeão europeu sub-23. Regressou, mas voltou a parar devido a um linfoma em 2015 e foi o filho que o motivou a voltar aos tatamis. No caso de Mamona, que queria ser veterinária e hoje estuda Engenharia Biomédica, foi a exigência dos treinos e a incompatibilidade com os estudos que a obrigaram a parar. Aos 17 anos candidatou-se a uma bolsa de estudos nos EUA e retomou a paixão pelo atletismo e pelo triplo salto.
E para terminar um rol pouco habitual de coincidências, tanto Jorge como Patrícia estiveram infetados com covid-19. O judoca testou positivo em junho de 2020 e a atleta do triplo salto em janeiro deste ano. Ambos passaram por uma bateria de exames médicos antes de voltar aos treinos e fizeram-no de forma gradual e aumentando a carga à medida do planeado e com supervisão médica.
No caso do medalha de bronze houve maior preocupação devido ao historial oncológico. Já ela teve dias em que nem se conseguia levantar da cama com dores musculares, mas recuperou a forma e pouco mais de um mês depois estava a ser campeã da Europa e passados seis meses vice-campeã olímpica.
E são ambos atletas do Sporting: ele desde 2009 e ela desde 2011.
isaura.almeida@dn.pt