Jorge Fonseca. O bronze Olímpico, a mágoa e sonho de ser polícia

Judoca colocou Portugal no medalheiro ao sexto dia. É a 25.ª medalha olímpica de sempre e a terceira do judo. Natural de São Tomé e Príncipe, foi na Damaia que entrou no judo com ajuda de Pedro Soares. Superou um linfoma, a covid-19 e muito mais.

Tudo em Jorge Fonseca reluz a ouro, mesmo que em Tóquio 2020 esteja camuflado de bronze. O discurso, a ambição, a atitude, a entrega, a insatisfação com algo que não seja o primeiro lugar, e até as lágrimas e a mágoa são do mais precioso que há no desporto português e jamais serão reduzidas a um pódio. Mesmo que seja um pódio e uma medalha histórica para Portugal pela raridade - 25 em 100 anos e já contando com a dele.

Ontem, no tatami do Nippon Budokan, onde em 2019 fez história ao conquistar um inédito título mundial para o judo português, o judoca voltou a brilhar e conquistou o terceiro bronze olímpico da modalidade, depois de Nuno Delgado (Sidney 2000) e Telma Monteiro (Rio 2016).

Não foi épico como ele queria. Tinha dito ao DN que ficaria desiludido se o lugar no pódio não fosse o mais alto. E assim foi. Ficou-se pelo bronze, mas queria tanto o ouro, que o repetiu vezes sem conta e sem medo dos comentários do bota-abaixo. E quando foi ao pódio receber a medalha ainda protagonizou um momento hilariante, ao simular que ia pegar na medalha de ouro. Uma brincadeira que revela o lado divertido do gigante do judo português, que não conseguiu conter as lágrimas.

"Foi saboroso, mas queria mais. Trabalhei para o ouro, trabalhei bastante, mas consegui o bronze. Agora é trabalhar para o próximo. Queria tanto esta medalha e não sabia o que fazer, estava desesperado. Vou trabalhar para ir buscar o dedo a Paris (2024)", acrescentou, assumindo que nas meias-finais sentiu cãibras, algo que lhe acontece quando está nervoso.

"Sou bicampeão do mundo, eu trabalho para o ouro, não para o bronze. Vou trabalhar para o ouro em Paris", repetiu, dizendo que a medalha "é de todos os portugueses", mas dedicando-a, com ironia, às marcas desportivas Adidas e Puma, que terão rejeitado patrociná-lo: "Que estatuto preciso para ser patrocinado por eles?"

"O dia não correu bem". Foi Jorge que o disse na zona mista, manifestando mais uma vez de que material é feito: "Eu nasci para o ouro, não nasci para o bronze. Estou feliz. Mas infelizmente, não realizei o meu grande objetivo de ser campeão olímpico [...]A cãibra [na mão] não me ajudou na meia-final, estraguei o combate. Foi um erro". E assumiu-o sem desculpas.

Waza-ari agridoce

Toma Nikiforov não estava preparado para o que aconteceu no primeiro combate do português. Isento na primeira ronda da categoria de -100 kg, Fonseca entrou confiante no tatami e resolveu o assunto em 17 segundos. O português foi seguro e eficaz no seu primeiro ataque e projetou o adversário para o ippon.

Nos quartos de final, o português reencontrou o russo Niiaz Iliasov, num combate de resistência e paciência. Chegaram empatados ao golden score, prolongamento após os quatro minutos iniciais, e ambos com um castigo, por falta de combatividade. Mas, no fim, Fonseca levou a melhor.

Na terceira ronda, o bicampeão mundial e segundo do ranking mundial foi derrotado por waza-ari pelo sul-coreano Cho Guham, a 15 segundos do fim, e relegado para a amarga discussão do bronze. Durante a luta, Jorge Fonseca sentiu alguns problemas na mão esquerda, que não o impediram de conquistar um lugar no pódio no combate seguinte.

O treinador Pedro Soares teve uma importância vital. O ex-judoca não pode dar indicações com os combates a decorrer, mas fê-lo mais de uma vez, sendo por isso expulso da cadeira. O treinador sentiu que Jorge estava a precisar de um incentivo e arriscou, gritando: "Ainda há uma medalha para ganhar."

E foi já do lado de fora que viu a conquista do seu pupilo, por waza-ari, frente a Shady Elnahas."Teve de ser o treinador a motivar-me. Disse-me que tinha de ir buscar o bronze, fez-me acreditar que era possível. Fui buscar o que era meu, o bronze, mas eu quero mais. O ouro em Paris", prometeu Jorge Fonseca. Em Tóquio 2020 o ouro foi do japonês Aaron Wolf, que vingou o português e venceu o sul-coreano Guham Cho (prata).

De São Tomé e Príncipe até Tóquio com passagem pela Damaia

Nascido em São Tomé e Príncipe (30 de outubro de 1992), Jorge Fonseca chegou a Portugal com 11 anos. Ainda jogou à bola com os outros miúdos na rua, "mas não tinha jeito nenhum" e começou a praticar judo numa escola na Damaia seduzido pelos combates de Pedro Soares, ainda hoje seu treinador no Sporting. Tinha 13 anos. Queria fazer judo, mas não tinha dinheiro para o kimono nem para nada. Isso não o impedia de espreitar os treinos pela janela, até que o ex-judoca o convidou a entrar e experimentar combater. Foi amor à primeira vista, mas só depois da mãe dar autorização.

"O gordinho", como lhe chamavam na escola, demorou pouco a impor-se no tatami e em 2013 deu mostras de poder fazer carreira no judo com um título europeu de sub-23. E quando a glória ameaçava chegar, a vida trocou-lhe as voltas. Aos 17 anos foi pai e as prioridades mudaram. Pouco depois o judoca descobriu que tinha um tumor na perna (linfoma) e só com a ajuda do sorriso do filho conseguiu ter forças para voltar ao judo.

Foi uma vitória pessoal, mas poucos sabiam disso quando se apresentou nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, meses depois de acabar a quimioterapia. Saiu do tatami brasileiro em lágrimas depois de eliminado na primeira ronda e terminou em 17.º lugar. Depois foi sempre a subir até ao topo. Em 2019 conquistou o seu primeiro título mundial, feito que repetiu há dois meses, num ano que também ficará marcado pela conquista de uma medalha olímpica no Japão, o país preferido do judoca e onde já esteve 15 vezes!

Polícia: Sonho falhado para já

Jorge é uma força da natureza e torna possível o impossível. Foi assim com a mudança de São Tomé e Príncipe para Portugal aos 11 anos, o linfoma que lhe ameaçou a carreira em 2015, a infeção por covid-19 sofrida junho de 2020 e a desvalorização profissional que sentiu na pele após ser campeão mundial em 2019. "Se um é sorte, dois é o quê?", atirou ao DN antes da viagem para Tóquio e já depois de se sagrar bicampeão mundial.

E nem o sonho (falhado para já) de ser polícia o vai travar. O judoca garante que não se arrependeu de dizer que queria ser polícia e diz que prefere não falar nisso. Mas do alto do pódio olímpico e de bandeira nacional nas costas voltou a referi-lo. Primeiro não entrou para a polícia por não ter o 12.ª ano (agora já tem), depois pela idade (limite é de 27 anos e ele já fez 28).

Será que a medalha olímpica vai mudar alguma coisa?

isaura.almeida@dn.pt

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