Wenger: "Estamos a testar uma tecnologia semiautomática do fora de jogo"

O chefe do Desenvolvimento Global do Futebol da FIFA explica ao DN porque defende um Campeonato do Mundo a cada dois anos, diz que a quinta substituição pode manter-se depois da pandemia e considera que separar os jogos de clubes dos das seleções é "modernizar o futebol".
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Mais conhecido por ter sido treinador do Arsenal, Arsène Wenger, de 71 anos, está por estes dias nas bocas do mundo pelas propostas revolucionárias em nome daquilo que diz ser a modernização do futebol. A FIFA deu-lhe a responsabilidade de mudar regras e introduzir alterações às leis de jogo. Ao DN, explica as propostas e revela o que ainda falta decidir: por exemplo, o número de convocados se os jogos de seleções forem concentrados numa só janela.

Como surgiu a ideia de fazer um Campeonato do Mundo de futebol a cada dois anos?
A ideia principal é melhorar a qualidade do futebol em termos globais, através de uma reforma do calendário de jogos internacionais a partir de 2024. Todos com quem falei parecem concordar que o atual sistema não é satisfatório, com as interrupções constantes na temporada dos clubes e uma multiplicação de jogos que nem sempre são importantes. É consensual que o calendário deve ser reformado e aprimorado. A reforma deve ser pautada pela simplicidade, clareza e pela vontade de realizar apenas competições realmente significativas, que tenham realmente interesse para jogadores, adeptos e permitem elevar o nível do futebol. Proponho menos jogos, mas também melhores jogos, jogos que realmente importem. Com este objetivo geral em mente, a primeira proposta é reagrupar as eliminatórias de seleções em apenas uma ou duas janelas internacionais, em outubro e possivelmente março. Isso significaria menos interrupções para os clubes, menos viagens para os jogadores, que assim permanecerão no clube durante os campeonatos nacionais. Menos eliminatórias durante o ano, abriria espaço para uma grande competição no final da temporada, seja um Mundial ou uma fase final de uma competição continental. E depois haveria um período de descanso obrigatório - a minha proposta é de 25 dias - antes de os jogadores começarem a nova época.

Portugal, a UEFA e outros países, manifestaram-se contra a ideia do Mundial de dois em dois anos. Estava à espera de tanta polémica?
Eu consigo entender a reação, mas muitas das pessoas que eram totalmente contra mudaram de ideias depois de ver a proposta completa. Algumas pessoas só reagem mal à ideia de um Campeonato do Mundo a cada dois anos porque não olham para o quadro completo. A reação é muito emocional porque sempre viveram com um Mundial a cada quatro anos e também porque algumas pessoas pensam que estamos a propor ainda mais jogos. O conceito de um Mundial a cada dois anos não pode ser visto como algo isolado. A minha ideia é reagrupar e reduzir as eliminatórias e diminuir os jogos particulares a um mínimo ou mesmo a zero, de forma a haver menos partidas, mas que se realizem jogos mais importantes.

Ouviu os jogadores na elaboração da proposta?
Começámos por consultar jogadores e treinadores de todo o mundo porque se trata de um projeto de futebol. E os interesses globais do futebol devem estar em primeiro lugar. Estabelecemos um Grupo Técnico Consultivo com os melhores jogadores e treinadores dos seis continentes. Até agora, mais de 100 jogadores e treinadores, atuais e antigos, foram consultados.

Que feedback teve?
O feedback geral foi muito positivo. Alguns deles tiveram preocupações e dúvidas, mas depois de verem o conceito completo, entendem que é muito benéfico para os jogadores.

Todos sabem dos milhões envolvidos num Campeonato do Mundo. Esta é uma forma de dizer que o futebol tem que evoluir como espetáculo?
Temos que pensar no futebol do amanhã e, como disse, ninguém está feliz com este status quo. O sistema atual, com um Mundial a cada quatro anos, foi estabelecido há quase 100 anos. Fazia sentido naquela época, especialmente por causa das viagens, mas os tempos mudaram e continuam a mudar. Agora vivemos numa sociedade supersónica e as novas gerações estão acostumadas a ter respostas rápidas e instantâneas para o que desejam. Por isso, procuro maneiras de melhorar o futebol. O objetivo é tornar o futebol melhor, mais claro, mais simples e mais significativo em todo o mundo. A separação clara entre o futebol de clubes e de seleções é a forma mais moderna de organizar o futebol do amanhã.

Destaquedestaque"Menos eliminatórias durante o ano, criaria espaço para uma grande competição no final da temporada, seja um Mundial ou uma fase final de uma prova continental. E depois haveria um período de descanso obrigatório (25 dias) dos jogadores antes do início da nova época", explica Arsène Wenger.

No cenário de jogos de seleções só em outubro, como fica a questão contratual? O clube deixa de pagar ao jogador porque ele está na seleção durante um mês?
A minha proposta é reagrupar as eliminatórias de qualificação em uma ou duas janelas internacionais, ao invés de cinco janelas atuais. Na realidade isso significaria menos dias ao serviço das seleções e uma temporada inteira com o clube, sem interrupção. Fui treinador durante muitos anos e teria assinado esta proposta, porque o mais perturbador foram as constantes interrupções para os jogos de seleções. Fizemos estudos e na minha proposta o jogador ficará mais dias à disposição do seu clube do que agora.

Jogos apenas em uma ou duas janelas não diminui as hipóteses de um jogador ser chamado? As convocatórias podem ser estendidas ou fazerem-se alterações às listas durante esse mês?
Esses são os detalhes que ainda precisam ser discutidos, mas uma janela internacional mais longa também significaria uma melhor oportunidade para os selecionadores nacionais trabalharem as suas equipas técnica e taticamente.

Mas o futebol não é só feito só de jogadores que vão à seleção. O que fazer com a maioria que não é convocada para as seleções?
O mesmo que acontece atualmente com os jogadores que não vão à seleção. É uma oportunidade de se treinarem e de se desenvolverem no seu clube.

O treinador do Bayern Munique diz que o futebol tem de deixar de se esconder atrás da tradição, tem de revolucionar-se e adotar uma regra do futebol americano, em que o quarterback tem um auricular para ouvir o treinador. Concorda com Julian Nagelsmann?
Acho que a tecnologia pode trazer muito ao futebol, como vimos com o VAR e a tecnologia de linha de golo. Estamos a testar uma tecnologia do fora de jogo semiautomática e acredito que poderá melhorar ainda mais o sistema. Sobre a proposta que mencionou, pessoalmente não estou convencido, pois o futebol é um desporto muito mais fluído do que o futebol americano e os jogadores precisam tomar as suas próprias decisões em campo.

A quinta substituição é para ficar?
Tem sido uma coisa positiva em tempos de covid-19, pois alivia a pressão sobre os jogadores e dá mais oportunidades para os treinadores equilibrarem a carga de trabalho da equipa. Do ponto de vista tático, também acho que foi positivo porque os treinadores agora têm mais possibilidades de reagir durante o jogo e podem manter toda a equipa envolvida. Terá de ser discutido no IFAB [International Board] se faz sentido manter a medida.

Porque aceitou o cargo de chefe de Desenvolvimento Global do Futebol da FIFA? Não teria mais prazer a gozar a sua reforma?
Esta posição na FIFA dá-me uma oportunidade fantástica de trabalhar pelo aprimoramento do futebol em todo o mundo. O futebol está a evoluir muito bem na Europa, mas não é o caso do resto do mundo. A reforma do calendário internacional pretende acabar com o crescente distanciamento entre as confederações. As eliminatórias do Mundial da FIFA, nos últimos 20 anos, estão centralizadas em equipas de uma ou duas regiões. Muitas confederações não têm acesso a partidas de alto nível, como tal não têm oportunidades de acabar com a lacuna entre elas e as equipas das grandes confederações. Com mais Mundiais teriam mais possibilidades de participar e isso seria um incentivo para investir no desenvolvimento dos jovens, que é o meu foco principal. Estamos a promover um programa educacional, feito sob medida para cada país, para dar oportunidades ao talento. Hoje isso não acontece. Os rapazes ou raparigas não têm as mesmas oportunidades de se desenvolverem, dependem do país onde nascem . O nosso objetivo é desenvolver o ecossistema do futebol e as competições em todos os lugares do mundo, para que todos os talentos tenham uma oportunidade.

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