Desporto
03 dezembro 2021 às 00h07

"O Rafa tem o meu estilo. E se não fosse a pandemia, o Pote valia uns 100 milhões"

Representou Sporting e Benfica e antevê no DN o grande dérbi de hoje. Antecipa os principais candidatos a decidir a partida, deixa elogios aos treinadores, mas não revela por quem vai torcer.

André Cruz Martins

Paulo Futre foi o precursor de uma série impressionante de grandes extremos "made in" Sporting. Passou nove anos de leão ao peito, mas ficou para sempre um amargo de boca por só ter representado o clube durante uma temporada como sénior, em 1983/84, rumando depois ao FC Porto, onde esteve três anos. Após cinco épocas e meia no Atlético Madrid, regressou a Portugal, com destino ao Benfica. Pouco mais de um mês depois, foi com um golo seu que os encarnados derrotaram o Sporting na Luz, em jogo do campeonato nacional. Futre será hoje um espectador atento ao dérbi e, ao DN, entre recordações do seu tempo de jogador, analisa as duas equipas, elege os candidatos a figuras e tece rasgados elogios a Jorge Jesus e Rúben Amorim.

Na sua opinião, alguma das equipas é favorita neste dérbi?
Nestes grandes dérbis e clássicos nunca há favoritos. Bem, a não ser naqueles casos em que uma equipa tem uns 30 pontos de avanço... Neste caso, os dois clubes estão separados apenas por um ponto. Vai ser um jogo tremendo!

O Benfica de Jorge Jesus ou o Sporting de Rúben Amorim? Qual o estilo de jogo que prefere?
Gosto muito das duas equipas. Por um lado, vejo um Sporting muito seguro, acho que é uma das melhores equipas da Europa a defender. O Sporting não se importa de esperar pelo adversário e depois faz contra-ataques muito rápidos e perigosos. Já o Benfica arrisca mais e joga mais no meio-campo do adversário. Vai ser um grande dérbi.

Quais os jogadores que na sua opinião têm mais capacidade para desequilibrar neste dérbi?
No Sporting, obviamente, o Pote [Pedro Gonçalves]. Ele é simplesmente incrível, de meia oportunidade consegue marcar um golo e não sendo um ponta de lança, é um autêntico homem golo. Aquele segundo golo ao Dortmund é inacreditável! Eu pensei que ele tinha rematado com o peito do pé, mas na repetição vi que rematou com a parte interior. No fundo foi um golo em jeito, mas com força. Fiquei de boca aberta com aquele movimento. É um jogador diferente de todos os outros, um craque. Se não fosse a pandemia ele neste momento valia uns 100 milhões de euros.

As ausências de Coates e João Palhinha enfraquecem o Sporting?
Claro, estamos a falar de dois dos três imprescindíveis no Sporting, juntamente com o Pote e certamente farão falta, ainda por cima num dérbi. O Coates então... Para mim é super, super imprescindível e será impossível o Sporting não sentir a sua falta. Quando as coisas pareciam estar a melhorar, parece o covid-19 está outra vez a atacar em força, o que é prejudicial para o futebol.

E no Benfica, quem é o principal candidato a desequilibrar?
Sempre o Rafa. Pode fazer uma assistência, sofrer uma grande penalidade, uma falta perto da área adversária ou ele próprio marcar. Quando está num dia sim é imparável. Nesse aspeto faz-me lembrar um pouco o meu estilo, quando eu estava num daqueles dias em grande nenhum defesa me parava. E tal como o Rafa, eu também era muito rápido e ia para cima dos adversários sem medo. Eu jogava muito bem com a parte exterior do pé e ele tem evoluído muito nesse aspeto. E tem também aquilo em que eu era mau: falha muito na definição das jogadas e na cara dos guarda-redes. Ao longo da minha carreira podia ter marcado mais uns 50 golos se não fosse tão mau a enfrentar os guarda-redes quando estava isolado. Por isso, o meu conselho para o Rafa é que fique todos os dias no final do treino a trabalhar uma hora a finalização de um contra um contra o guarda-redes. E no Benfica temos ainda o Seferovic a poder decidir. Começa todas as épocas no banco, depois diz-se sempre que vai ser vendido ou emprestado, mas acaba sempre por ganhar a titularidade e por ser ele e mais dez.

Vamos ter um duelo muito interessante entre o jovem Rúben Amorim e o experiente, Jorge Jesus. Como antevê essa luta?
Vai ser o maestro contra o aluno. O Rúben Amorim foi treinado pelo Jorge Jesus durante muitos anos e conhece-o de frente para trás e de trás para a frente. São ambos grandes treinadores. O Jorge Jesus é o meu herói desportivo, devido ao grande trabalho que fez no Brasil, ao serviço do Flamengo. É meu amigo e adoro falar de futebol com ele e ouvir como explica todas as situações ao detalhe. Adorava ter sido treinado por ele! Já o Rúben Amorim, falei poucas vezes com ele, mas basta ouvir as suas conferências para perceber que é um génio. O que mais destaco no Sporting é a forma como se levanta imediatamente depois das grandes derrotas. Na época passada, isso aconteceu depois da eliminação com os austríacos [LASK Linz, no play-off de acesso à Liga Europa) e depois da derrota com o Marítimo na Taça. Esta temporada, perderam 5-1 em casa com o Ajax, com todo o mundo a ver, aquilo foi uma "martelada" na cabeça de todos os jogadores! Mas levantaram-se logo de seguida como se nada fosse, conseguindo passar aos oitavos de final da Liga dos Campeões e estão em primeiro lugar no campeonato. E isto só é possível de acontecer devido a um grande trabalho do treinador, que tem de ser muito forte no discurso com o plantel para que a equipa consiga reagir de imediato.

Qual o dérbi que recorda com mais saudade?
Só joguei uma época como sénior no Sporting e meia época no Benfica, por isso só tive a oportunidade de disputar dois dérbis. E pelo Sporting nem sequer fui titular! Pelo Benfica, claro, é impossível esquecer aquele golo de fora da área que marquei ao Ivkovic e que decidiu o jogo. Não fomos campeões, mas foi uma vitória importante. Nessa noite eu não joguei contra o Sporting, joguei contra o Sousa Cintra [presidente do clube leonino na altura].

Explique lá o que aconteceu para que uns meses antes desse jogo não tenha regressado ao Sporting, acabando por eleger o Benfica.
Em primeiro lugar, quero dizer que já fiz as pazes com o Sousa Cintra, mas durante muitos anos dizia a brincar que ainda estava à espera dele no aeroporto. A verdade é que alguém que lhe tinha prometido o dinheiro falhou e ele à última hora não apareceu. Sei que não foi culpa dele, pois é uma pessoa honesta e gostava muito de mim. Depois, claro, fomos um para cima do outro, ele a defender os interesses do Sporting e eu os meus. O Benfica apareceu com o dinheiro e fui para lá.

É público que é sócio do Sporting, o seu clube de infância. Vai torcer por uma vitória leonina neste dérbi?
Não posso dizer isso publicamente, nunca vou cuspir no prato onde comi. Fui execionalmente bem tratado pelo Benfica no período em que lá joguei. Aliás, o mesmo aconteceu nos recentes jogos entre o Atlético Madrid e o AC Milan. Sou "colchonero" mas nunca poderia desejar uma derrota do AC Milan, um clube que também representei e que me tratou como Deus manda. Voltando ao Benfica-Sporting, claro que em casa vou ver o jogo à minha maneira e aí posso gritar, pular... É por isso que não gosto nada de ver estes grandes jogos no estádio, onde tenho de estar mais contido. Em casa posso fazer o que entender.

dnot@dn.pt