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Desporto
24 maio 2023 às 05h00

A centro-campista australiana que aposta no futebol feminino

De visita a Portugal para promover o Mundial de Futebol Feminino que se realiza este verão no seu país, a antiga futebolista australiana Alicia Ferguson tem uma visão otimista da evolução da modalidade praticada por mulheres. Que pode passar por menos estrelato e mais foco desportivo

Acredita que, entre mulheres, o futebol não tem de seguir o caminho trilhado pelos homens para se validar. Alicia Ferguson, 41 anos, antiga capitã da seleção feminina de futebol australiana (também conhecida por "Matildas") aspira à igualdade de género entre atletas da modalidade, mas não vê que esta passe pela necessidade de despertar paixões frequentemente contaminadas pela violência ou mesmo por vencimentos que chegam a atingir números chocantes. "O que faz um indivíduo com tanto dinheiro? Fica com uma visão completamente distorcida da realidade, de si mesmo e do seu lugar no mundo", desabafa

Alicia, nascida em Brisbane, em 1981, está em Portugal para promover o Mundial de Futebol Feminino, que se realiza na Austrália a Nova Zelândia de 20 de julho e 20 de agosto (em que participa a nossa seleção) e ver o que está a ser feito entre nós, com visitas às academias do Benfica (Seixal) e Alcochete (Sporting). Uma atividade que desempenha com gosto, já que, tendo-se retirado dos campos em 2007, continua ligada ao futebol como comentadora televisiva, primeiro na ABC e desde há vários anos na ESPN. Em 2022 participou ativamente numa série da Disney + dedicada à história da seleção australiana de futebol feminino.

A mesma seleção em que ela se estreou aos 15 anos, sem que isso tenha representado um choque ou um problema para a família: "Na Austrália há desde há muito tempo um grande entusiasmo pelo Desporto, quer feminino, quer masculino. Mesmo quando eu era miúda, era normal que uma rapariga jogasse futebol, críquete ou praticasse outra modalidade qualquer. Ainda criança jogava com os meus irmãos, no pátio de casa, e assim continuei durante a adolescência: Jogava com rapazes e jogava com raparigas, queria era jogar tanto quanto podia."

A este gosto nacional pela prática desportiva somava-se a paixão futebolística do lado paterno da sua família, originário da Escócia, que variava entre o apoio ao Celtic e ao Glasgow Rangers, embora ela preferisse o londrino Arsenal, de Patrick Vieira, um dos seus ídolos de infância: "Creio que a minha família tinha esta particularidade de gostar muito de futebol, que na Austrália não goza da popularidade que tem na Europa ou na América do Sul", lembra.

Dos clubes locais, Alicia chegou, como vimos, à seleção nacional e tornar-se-ia mesmo capitã das "Matildas": "Tornar-me jogadora da seleção foi uma experiência muito marcante. Tinha 15 anos e a primeira alegria foi a de poder compensar o esforço e o investimento que os meus pais tinham feito em mim, até porque já não precisavam de pagar os seus bilhetes para assistir ao jogo. Mas o momento em que ouvi tocar o hino nacional foi arrepiante, fez-me sentir parte de algo maior do que eu." Em 2000, esta sensação de pertença redobraria de intensidade, quando, integrada na comitiva australiana, desfilou na abertura dos Jogos Olímpicos de Sidney: "É algo que nunca poderei esquecer. A memória de milhares de pessoas a gritar e os flashes das máquinas fotográficas a brilhar por todo o estádio ainda hoje me dá arrepios. Foi uma experiência maravilhosa."

A retirada, não lhe trouxe amargura: "Percebi que estava a ficar mais lenta e quis retirar-me a tempo, que é uma atitude que os craques masculinos nem sempre sabem tomar." É, pois, com generosidade e entusiasmo que a antiga capitã vê a evolução das futebolistas em vários países: "Não há necessidade de comparar homens e mulheres. Hoje, o futebol feminino não tem a visibilidade do masculino mas já há muitas jogadoras profissionais com um elevadíssimo nível técnico e tático. Por outro lado, há quem comece a preferir os jogos de mulheres porque é possível desfrutar de um bom jogo num ambiente mais tranquilo e menos agressivo do que o que atualmente envolve a modalidade na maior parte dos países europeus. Eu diria que há demasiado dinheiro envolvido para que as coisas se processem de forma saudável e clara." E acrescenta: "Há jogadoras que começam a ganhar bem e a ter bons contratos com sponsors e marcas ligadas ao Desporto. Mas são pessoas mais realistas e com egos bem mais controlados do que os craques do sexo masculino. E isso é bom porque faz com que se foquem nas coisas que realmente importam."

Hoje a viver em Londres, Alicia confessa ter saudades da sua terra natal. Entre as razões por que apoia este Mundial de Futebol Feminino está uma muito pessoal: "Passo tanto tempo a viajar que é uma boa oportunidade de regressar à terra e tentar recuperar o tempo perdido, compensando a família por todos os aniversários e casamentos em que não consegui estar presente."