Vai apresentar esta sexta-feira, dia 3, em Coimbra o livro Momentous Journey. The Complete Manuscript of the “Book of Duarte Barbosa” 1565, da autoria do xeque Sultan bin Muhammad Al-Qasimi. Sei que já esteve no emirado do Sharjah e que foi o promotor do doutoramento honoris causa do xeque. Como surgiu esta relação entre o governante de um dos sete Emirados Árabes Unidos e Portugal? Em 2017, quando eu era diretor da Faculdade de Letras, fui surpreendido pela visita do dr. Sérgio Moreno, um livreiro de Lisboa. Foi ele que alertou para a preciosa coleção de manuscritos e livros raros sobre a história da presença portuguesa no Índico que sua alteza o xeque de Sharjah, com paixão, construíra. Sublinhou ainda a erudição e o enorme afeto do xeque por Portugal e pela história do seu país. Desse encontro, após ponderada reflexão, germinou a ideia de atribuir a Muhammad Al Qasimi o grau de doutor honoris causa. Apresentei a proposta ao reitor de então, o doutor João Gabriel Silva, que entusiasticamente a apoiou. O xeque recebeu o honoris causa em 2018, e o seu amor aos livros deixou-o fascinado pela Biblioteca Joanina. De então para cá, com o empenho do reitor Amílcar Falcão e do vice-reitor Delfim Leão, foram-se estreitando laços e projetos de cooperação, que incluiram a organização de uma exposição sobre a presença portuguesa no Golfo, numa das maiores feiras do livro do mundo, em Sharjah, a qual teve a colaboração científica do Centro de História da Sociedade e da Cultura. A Universidade de Coimbra tem uma dívida de gratidão para com o dr. Sérgio Moreno, ao reconhecer que não havia outra instituição em Portugal para além desta universidade que melhor pudesse aprofundar a relação cultural do xeque com o nosso país.É estudada pelos académicos árabes a presença portuguesa nessa região do mundo, sobretudo no século XVI, quando se conquistaram praças como Ormuz, Mascate ou o Bahrein, ou o xeque de Sharjah é um caso especial? Sua alteza o xeque é uma exceção rara. Ele é doutorado em História por uma universidade inglesa, possui uma ampla cultura e erudição, facetas que lhe permitem conhecer melhor o mundo. A sua cosmovisão cosmopolita, baseada na sabedoria, que é o reverso da ignorância, é ainda um alicerce indispensável para a paz. No Golfo, apesar de, por exemplo, em Omã, ainda subsistir muito património material edificado pelos portugueses desde o século XVI, não abundam estudiosos deste período interessados na presença portuguesa. Até 1622, os portugueses tiveram na ilha de Ormuz, no Irão, um ponto privilegiado de relações económicas e de defesa das navegações no Índico, e nas costas da Arábia, uma zona onde o comércio de pérolas e de cavalos se destacava. Mas essas relações também foram pautadas por atos de extrema violência que não devem ser esquecidos. O apoio financeiro concedido por Sharjah para a digitalização da Biblioteca Joanina teve como condição a prioridade às obras ligadas a expansão portuguesa no Golfo e Península Arábica. Estamos a falar de muitas obras? A que ritmo avança essa digitalização? O acervo da Joanina é considerável. Ainda que esta não seja uma biblioteca especializada nesse campo. Ela sempre foi uma biblioteca universitária, focada em obras de Teologia, Direito e Medicina. O processo de digitalização do acervo suscitou complexas questões técnicas, além dos custos materiais envolvidos. Foi desenhado um cuidado programa e, no final de dois intensos anos de trabalho, há condições para, com a presença do xeque, se disponibilizarem os primeiros resultados. O projeto, teve um generosíssimo apoio de sua alteza, o profundo empenhamento da reitoria da Universidade, e beneficiou do decisivo apoio do atual diretor da Biblioteca, o doutor Manuel Portela. A sua abertura ao público promoverá ainda mais no plano internacional a Universidade de Coimbra como um símbolo da cultura portuguesa.Também vai ser apresentado o Centro de Estudos Árabes, coordenado pelo professor Abdeljalil Larbi, académico tunisino que traduziu Os Lusíadas. É uma aposta importante para a Universidade de Coimbra esta relação com a língua e cultura árabes? Este é um dado crucial do aprofundamento das relações com Sharjah. Resulta do incansável labor e visão do atual diretor da Faculdade de Letras, doutor Albano Figueiredo, e ficará como marco cimeiro da sua direção. Com a sua inauguração, a Universidade de Coimbra volta a ensinar língua e cultura árabes, atualmente quase inexistentes nas universidades portuguesas, e tão decisivas foram na construção de Portugal e do nosso idioma. Sem o cálculo matemático divulgado na Península Ibérica por via árabe ao longo da Idade Média, os portugueses dificilmente teriam tido o papel pioneiro que alcançaram na Europa no plano das navegações marítimas. O Centro de Estudos Árabes abrirá novos horizontes aos estudantes da Universidade e propiciará a redescoberta de saberes que muitos portugueses já tiveram quando, desde inícios do século XVI, começaram a navegar pelo Índico e chegaram à Índia, guiados por um navegador Guzerate, falante de árabe que, a partir de Melinde, orientou Vasco da Gama.