Eis uma pergunta clássica da cinefilia: quem ganhou o primeiro Óscar de melhor filme? Aconteceu a 16 de março de 1929: o vencedor foi Wings (Asas), um melodrama épico sobre dois pilotos, apaixonados pela mesma mulher, envolvidos nos combates da Primeira Guerra Mundial. Mas, afinal, quem realizou Wings? Convenhamos que, por vezes, os próprios cinéfilos vacilam... Pois bem, foi William A. Wellman (1896-1975) — a partir de hoje, dia 4 de novembro, a Cinemateca Portuguesa homenageia-o com um grande ciclo, a prolongar-se na sala da rua Barata Salgueiro até janeiro de 2026.Wings não é o título fundador da filmografia do realizador, não sendo, aliás, o filme de abertura desta retrospetiva — está agendado para o dia 22 (17h30). Nos anos finais do período mudo, entre 1923 e 1928, Wellman dirigiu mais de uma dezena de filmes. Wings (1927) pode servir de símbolo da pluralidade do seu pioneirismo, já que começou por existir como objecto mudo (recorde-se que 1927 é também o ano de O Cantor de Jazz, o “primeiro filme sonoro”), tendo sido relançado em 1929 com efeitos sonoros e uma banda musical da Movietone — na Cinemateca terá acompanhamento ao piano por Daniel Schvetz.Ao longo dos primeiros dias surgirão várias referências emblemáticas da obra de Wellman, a começar hoje (19h00), dia 4, com uma comédia delirante, Nada É Sagrado, produção de 1937 com uma das grandes stars da época: Carole Lombard. Para lá da visão cáustica, atualíssima, do mundo social da “fama”, trata-se também de um exemplo do empenho com que David O. Selznick ia promovendo o Technicolor nas suas produções (ele que, dois anos mais tarde, lançaria E Tudo o Vento Levou). . Nesta primeira fase serão também exibidos, entre outros: Roxie Hart/É Bonita, Apresenta-se Bem! (1942), no dia 5 (15h30), com Ginger Rogers, prolongando a visão crítica do jornalismo sensacionalista de Nada É Sagrado; O Inimigo Público (1931), no mesmo dia (19h30), clássico absoluto do filme de gangsters, com James Cagney e Jean Harlow; e A Star Is Born/Nasceu uma Estrela (1937), no dia 8 (17h30), com Janet Gaynor e Fredric March, outro clássico, neste caso sobre os bastidores de Hollywood, que já gerou três versões “alternativas”, a mais recente em 2018, dirigida e interpretada por Bradley Cooper, ao lado de Lady Gaga (quase todos os filmes serão exibidos em duas sessões).Estes exemplos bastam para colocar Wellman na galeria dos grandes artesãos do classicismo de Hollywood, a par, por exemplo, de Allan Dwan, Joseph H. Lewis ou Michael Curtiz. Tal como eles, Wellman não é, habitualmente, citado quando se referem os “autores” daquele período (talvez com a exceção de Curtiz, embora quase sempre apenas através do clássico Casablanca). Dito de outro modo: a sua dimensão “artesanal” tem menos a ver com os meios de produção e mais, muito mais, com uma agilidade criativa que lhes permitia mudar de género sem alienar o sentido do espetáculo nem menosprezar o contributo decisivo dos atores — Wellman dirigiu também, por exemplo, Barbara Stanwyck, Clark Gable, John Wayne, Lauren Bacall ou Edward G. Robinson.Cineasta & espetadorNo seu Who the Devil Made It (ed. Knopf, Nova Iorque, 1997), célebre livro de entrevistas (que, em qualquer caso, não inclui Wellman), Peter Bogdanovich avança com uma caracterização exemplar desses cineastas que, em última instância, consolidaram uma indústria e definiram um sofisticado sistema de linguagem e narrativas. Segundo Bogdanovich, ao dirigirem uma rodagem, cada um deles sabia assumir-se como o “primeiro espetador” do filme — é esse o verdadeiro artesanato (hoje em dia tão ignorado em muitos contextos) que está em causa.Wellman manteve-se em atividade ao longo dos anos 50, período em que, face à concorrência dos pequenos ecrãs caseiros, todas as estruturas clássicas de Hollywood iniciavam um processo dramático de reconversão. Em 1954, por exemplo, dirigiu Track of the Cat/O Rasto da Pantera, um western de complexa teia psicológica que foi também um dos primeiros filmes em CinemaScope (a estreia do novo formato acontecera um ano antes, com A Túnica). Em 1958, assinaria a sua derradeira realização — Lafayette Escadrille/Contigo nos Meus Braços (dia 22, 21h30) —, uma das muitas variações sobre o “filme de aviação”, género que ele próprio fundara com Wings; protagonizado por Tab Hunter, nele participava um secundário desconhecido, de seu nome Clint Eastwood..Morreu Maria Riva, a filha de Marlene Dietrich.'O Riso e a Faca'. À procura da Europa perdida