Apetece começar pelo facto irónico: Wednesday não é uma série “de” Tim Burton. Quem consultar a ficha técnica, ou simplesmente estiver atento ao genérico de abertura, poderá confirmar que Alfred Gough e Miles Millar surgem como os criadores deste sucesso da Netflix baseado nas personagens de A Família Addams. Nesse caso, porque é que o nome de Burton não nos sai da cabeça quando observamos o charme gótico das aventuras de Jenna Ortega? Bem, não só porque o realizador que faz 67 anos na próxima segunda-feira é produtor executivo e realiza metade dos episódios, mas sobretudo porque a sua visão “estilística” impera num universo que é indissociável do seu.Depois de uma primeira temporada que, em 2022, trazia de volta o fascínio pop das personagens do cartoonista Charles Addams (já abordadas numa série dos anos 1960 e em filmes na década de 90, entre outras derivações), a alteração mais notável neste novo capítulo de Wednesday é a intensificação do papel dos outros membros da família. Esses que antes tinham ficado ligeiramente na sombra, quase inutilizados, para dar verdadeiro protagonismo à personagem titular, uma adolescente sem sorriso, de guarda-roupa preto e branco e pensamentos mórbidos, cuja imagem tem um não-sei-quê de viciante.Assim, pode dizer-se que uma dose extra de Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán, o par romântico formado pelos progenitores macabros de Wednesday, não trouxe prejuízo à narrativa da estudante pária de Nevermore, local onde sucedem coisas muito estranhas. Tão estranhas como a própria idiossincrasia da família Addams... Deliciosa, por sinal.Enquanto não chegam os episódios da segunda parte desta nova temporada de Wednesday – com estreia marcada para 2 de setembro –, percorremos uma mão-cheia de outros prazeres burtonianos em véspera de aniversário de uma das mentes mais originais do cinema americano. . BEETLEJUICE – OS FANTASMAS DIVERTEM-SE (1988)Onde ver: Netflix e HBO MaxSe procurássemos na filmografia de Tim Burton uma personagem objetivamente semelhante a Wednesday, ela estaria em Beetlejuice, a grande e vibrante comédia dos primórdios do seu cinema. Aí, Winona Ryder veste a pele da rapariga gótica de uma família excêntrica que vai morar para uma casa ainda frequentada pelos fantasmas dos anteriores proprietários – ela é, de resto, a única pessoa sensível a esse fenómeno, prestes a transformar-se numa busca desesperada por arrepios eficazes, que inclui um hilariante número musical ao som de Banana Boat Song...Não por acaso, na sequela Beetlejuice Beetlejuice (2024) Jenna Ortega interpreta a filha adolescente de Winona Ryder. .EDUARDO MÃOS DE TESOURA (1990)Onde ver: Disney+Porventura o clássico mais influente de Burton, Eduardo Mãos de Tesoura corresponde a um aperfeiçoamento dos temas visuais do cineasta: a estética e lógica frankensteiniana, um toque de fantasia, o acariciar da diferença (ou de qualquer forma de estranheza) e a multidão exaltada que não aceita essa diferença. Foi a primeira vez que trabalhou com Johnny Depp, rosto emblemático dos seus filmes, e nele refletiu a beleza imensa de um conto de Natal sombrio. O cabelo despenteado da personagem principal teve como inspiração o vocalista dos The Cure, Robert Smith. . FRANKENWEENIE (1984)Onde ver: Disney+A maioria dos espetadores conhece a animação homónima de 2012. Mas é nesta curta-metragem pessoalíssima de Burton que se encontra a génese de todo um universo criativo. É a história de um menino que não aceita a morte do seu adorado cão, exumando-o e “ressuscitando-o” através das maravilhas da eletricidade... até que a vizinhança, perante a descoberta, se revolte contra o alegado monstro. É puro Frankenstein, lá está (o realizador homenageia mesmo o filme de James Whale), e a prova de que a imaginação de Tim sempre se prestou a túmulos revolvidos e pedaços de corpos com vida – The Thing, a mão atarefada de Wednesday, podia ter sido invenção sua, se não fosse de Charles Addams. .A NOIVA CADÁVER (2005)Onde ver: Netflix e HBO MaxAinda no domínio dos desenterros, A Noiva Cadáver é um dos melhores exemplares da animação “estilo Tim Burton”; neste caso, partilhando os créditos de realização com Mike Johnson. Como o título sugere, trata-se do encontro entre um noivo indeciso e uma noiva defunta que resulta numa viagem ao mundo dos mortos, enquanto se narra a sua bela história de amor, entre sombras e esqueletos. Uma pérola da arte stop motion. .SOMBRAS DA ESCURIDÃO (2012)Onde ver: HBO MaxOutra excelente personagem de Johnny Depp no planeta Burton, o Barnabas Collins de Sombras da Escuridão apresenta-se como um elegante vampiro que regressa à sua nobre residência quatro séculos depois de ter sido enterrado vivo, sob a maldição de uma bruxa. Ao acordar nos animados anos 70, a criatura ávida de sangue depara-se com uma geração moderna da sua família aristocrática, à qual tenta adaptar-se, enquanto trava uma velha batalha e descobre a reencarnação da sua amada.Não sendo propriamente a família Addams, estes Collins também tiveram a sua série gótica de culto nos anos 1960: Dark Shadows..Drácula continua a estar na moda