Agora que está a terminar a temporada dos prémios (com a cerimónia dos Óscares marcada para o próximo domingo), vale a pena lembrar uma lei cruel do seu funcionamento: com mais ou menos nomeações e prémios, há filmes que conseguem uma visibilidade verdadeiramente internacional, enquanto outros, embora começando por surgir como protagonistas dessa temporada, vêem a sua chama extinguir-se em pouco tempo. É o caso do muito especial Visita de Estudo, revelado no Festival de Locarno de 2023, tendo ganho evidência suplementar quando foi escolhido para representar a Bósnia nas candidaturas a uma nomeação para o Óscar de melhor filme internacional - não foi nomeado e acabou por não encontrar a atenção que merecia.Não podemos deixar de observar que a sua estreia “tardia” reflecte alguns desequilíbrios endémicos do mercado português. O que, entenda-se, não justifica que menosprezemos a sua chegada às salas, aliás confirmando que, da parte dos chamados distribuidores independentes - neste caso, a Zero em Comportamento -, continua a haver uma atenção paciente e pedagógica a muitos títulos que, como diz o cliché jornalístico, não entraram no “mainstream”.Visita de Estudo marca a estreia de Una Gunjak na realização de longas-metragens de ficção. Nascida em Sarajevo, em 1986, Gunjak faz o retrato de Iman, uma estudante da sua cidade, precisamente: Iman tem 15 anos e vai descobrir-se envolvida num imbróglio factual e moral que abala todas as estruturas da sua escola - e também os pais dos respectivos alunos.Por vezes, o filme tem sido tratado como um panfleto feminista em torno de Iman e do encontro sexual que teve com um dos seus colegas... Em boa verdade, creio que esse tique jornalístico de, à força, catalogar os filmes em termos “militantes” acaba por menosprezar a sua complexidade dramática, mascarando as peripécias das histórias que neles se contam. Sem querer revelar mais do que é razoável, permito-me transcrever a sinopse divulgada pela distribuidora do filme: “Em Sarajevo, uma adolescente na sua procura por validação afirma que fez sexo, pela primeira vez, durante um jogo de 'verdade ou consequência' entre alunos do ensino básico. Presa na sua própria mentira, inventa uma gravidez e acaba por se tornar no centro de uma controvérsia que foge do controlo.”Dito de outro modo: creio que importa valorizar os filmes, não pelos seus “temas”, mas pelo que de realmente cinematográfico neles acontece. Ora, Visita de Estudo é, antes de tudo o mais, uma admirável prova de força da intérprete de Iman, a muito talentosa Asja Zara Lagumdžija, seguida de forma obsessiva pela câmara de Gunjak numa odisseia paradoxal: as contradições da sua história acabam por expor as tensões mais íntimas da própria escola.Austeridade realistaA vida de Iman transforma-se numa espécie de interminável anti-clímax, tanto mais perturbante quanto Gunjak não abdica de manter o seu filme num registo austero de realismo à flor da pele - o gesto mais discreto, um olhar firme ou um olhar desviado, tudo pode parecer banal e descartável, mas é sempre vital e irredutível.Será que, exposta a saga de Iman, os pais dos alunos vão autorizar a “visita de estudo” que o título refere? Há mesmo os que temem que aconteça algo semelhante ao que se verificou depois de uma outra excursão a Banja Luka, da qual várias alunas regressaram grávidas... Mais do que um complemento dramático, esta é uma evocação implícita dos traumas da guerra da Bósnia e dos massacres que aconteceram em Banja Luka.Não que isso faça de Visita de Estudo um filme de “tese”. Acontece que, de forma discreta, sem sublinhados grosseiros, Gunjak consegue dar a ver (e sentir) a complexidade das próprias dinâmicas públicas e privadas. Entre o carácter ligeiro, porventura anedótico, do quotidiano e os fantasmas da história colectiva não há nenhuma fronteira fechada - tudo dialoga com tudo..'O Império'. Ficção científica em ambiente rural.'Memórias de um Caracol'. Um filme de animação a pensar nos adultos