A exposição Mergulho. As paisagens de Vanessa Barragão é o ponto alto de 2025 para a artista têxtil, num ano em que desacelerou por ter sido mãe. Nesta mostra no âmbito da 15ª edição da iniciativa A Arte chegou ao Colombo, patente de 27 de junho a 31 de agosto naquele centro comercial, em Lisboa, a artista, que tem uma das suas obras, Coral Vivo, nas Nações Unidas, em Nova Iorque (oferecida por Portugal, era então primeiro-ministro António Costa), chegará a um público mais vasto.Vanessa Barragão trabalha com resíduos da indústria têxtil utilizando técnicas tradicionais como crochê, feltragem e tecelagem para fazer tapeçarias. As suas peças mais recentes tornaram-se tridimensionais. O seu trabalho, quer através dos desperdícios têxteis que utiliza, quer pela temática dos oceanos, sensibiliza para a sustentabilidade ambiental.O seu trabalho foca-se muito nos corais e na sua destruição, mas não se considera ativista ambiental. Limita-lhe a liberdade de expressão como artista?Sim, porque eu crio não somente para alertar sobre o que é que está a acontecer. Obviamente que isso é uma das principais mensagens, mas também quero falar sobre família, sobre esta paixão pelas artes antigas e por trazê-las para o contemporâneo. É muito contactada por organizações ligadas à proteção dos oceanos? Como é que responde? Sempre que sou contactada por essas instituições, eu procuro ver em que sentido podemos estabelecer parcerias para ajudá-las da melhor forma. Aqui no Algarve também temos um centro de investigação com o qual começámos há relativamente pouco tempo a trabalhar em parceria. Porque tem a ver com o meu trabalho. E eu quero sempre ajudar essas instituições e organizações. Fui a uma dessas organizações em Miami. Eu fiz questão de ir lá e ver e partilhar o trabalho que eles fazem. Porque acho que é importante ajudar-nos uns aos outros em prol de algo em que eu também acredito e que defendo, que são os corais e o que está a acontecer com o fundo do mar. E com a natureza no geral. O homem a destruir. Nós somos destrutivos. E o que foi fazer a Miami?Fui plantar corais com uma equipa de cientistas ali na zona de Key West. Foi uma experiência incrível poder participar de uma coisa desse género. Nunca me passou pela cabeça poder fazer parte e perceber o processo e o que está a acontecer, com cientistas que estudam isto, é uma experiência incrível.E como é que se plantam corais no oceano? Eles fazem criação de corais numa zona que é dentro do mar. Criam lá estacas de árvores, o que eles chamam de árvores, e deixam os corais lá a crescer. Eles depois cortam pedacinhos de coral, plantam numa bolinha de cimento e deixam ali a crescer, durante meses. E depois vamos lá, apanhamos esses corais, trazemos para o barco e vamos plantá-los na zona do recife. Mesmo com martelos debaixo de água, é engraçado. E aquilo acaba por se alastrar pelo resto da rocha. . Para onde é que caminha o seu trabalho? Continuará centrado nas paisagens subaquáticas?Na natureza, no geral. Mas sim, o fundo do mar é sempre a base principal. Essa vai ser sempre a grande inspiração. Para já vou continuar com esta temática. Acho que vou abordar no futuro esta parte de dar à luz e dar vida. O meu trabalho fala muito sobre a vida. O ponto principal é a vida na natureza, mas nós também fazemos parte da natureza. E o que é isto de dar à luz? O que é isto de dar início a algo novo? Que magia é que isso tem? Esse talvez seja o próximo trabalho que eu quero fazer.Isso tem a ver com a sua experiência pessoal, de ter sido mãe há pouco tempo? Sim. Fui mãe há um mês. Em que é que as suas obras mais recentes se diferenciam dos primeiros trabalhos, em termos de materiais e técnicas?Mais em termos de técnica. Os trabalhos agora, ultimamente, e os que vão ver no Colombo, já são o meu trabalho mais recente. Não vamos ter a possibilidade de ver aqueles primeiros, primeiros, nesta exposição, uma vez que agora são peças todas elas tridimensionais. Esta parte da tridimensionalidade é algo novo. Trabalhamos numa tela, mas sobre uma estrutura metálica que fazemos nós próprios no ateliê. Isto foi a forma que eu encontrei de tentar dar vida às peças de parede. Não é simplesmente uma peça de parede com texturas. Ela já começa a ganhar uma vida própria. Ela sai da parede. Ela tem vida. São mais esculturas?Sim, é um trabalho têxtil, mas mais estrutural. Acaba por ser a base da tapeçaria sempre, porque eu utilizo sempre aquela tela, mas já é mais visto como uma escultura. Continua a ser uma peça de parede, mas já não é uma tapeçaria só.No Colombo vai estar a trabalhar em algumas sessões. O que é que as pessoas vão poder ver?Vão poder ver três salas. Criámos mesmo um espaço-museu para acolher esta exposição. Vamos ter uma sala-ateliê onde as pessoas podem ver como é que eu trabalho. Durante duas sessões, em datas planeadas, eu estarei a trabalhar ao vivo, a fazer uma peça ao vivo. Mas depois o espaço-ateliê fica sempre montado e as pessoas podem visitar e ver os materiais com que eu trabalho, as ferramentas que eu uso. Vamos ter também uma sala White Cube, que é uma sala mais tipo exposição, com peças postas na parede, diferentes obras. E uma sala imersiva. Aí é onde a pessoa pode entrar e sentir que realmente está a fazer um mergulho. Vai ter projeções, vai ter música. E vai ter muitas peças suspensas e algumas peças de chão. Essa é a sala principal da exposição, é o ponto forte. As pessoas sentirem que estão no fundo do mar. Porque é raro, nem todas as pessoas já experimentaram fazer mergulho. Acho que é das coisas mais incríveis que existem. Podemos estar no fundo do mar, com uma garrafa de oxigénio e podemos estar ali como se fôssemos um peixe e ver aquelas cores, ver aquelas texturas. Parece que estamos numa floresta. E é essa experiência que eu quero trazer ao Colombo. Para aquelas pessoas que nunca exploraram o ecossistema. Dar-lhes um cheirinho do que é que pode ser. E talvez incentivá-las a ir um dia fazerem mergulho. . Como é que passou do design para a arte? Eu considero que o meu trabalho não é só arte, nem é só design, nem é só artesanato. Acho que é uma mistura dos três, porque a minha base é do design. Eu estudei design e os processos de design estão muito presentes no meu ateliê. Considero que o meu trabalho é uma mistura destas três coisas, porque também não podemos dizer que é artesanato. Artesanato acho que tira valor ao próprio trabalho. Portanto, eu digo sempre que é uma mistura dos três. E é um trabalho artístico. Eu vejo isto como peças de arte, por serem peças únicas. E a parte do design está presente porque crio coleções de peças. Mas cada peça mostra algo único e especial. Esta essência que está muito presente no trabalho manual. Isso é o que as torna especiais. Têm valor acrescentado.Os materiais que usa continuam a ser os têxteis que a indústria não quer?Sim, é tudo desperdício. Tudo desperdício, sempre. Essa é também a minha missão. E é aquilo que eu também quero mostrar às pessoas. Que é possível criarmos com o lixo dos outros, desenvolvermos coisas novas. Portanto, a criatividade deve ser aplicada dessa forma.Isso está presente desde o início do seu trabalho, ou veio depois? Sim, está presente desde o início. Eu comecei este projeto quando estava ainda na universidade, em Design de Moda, e quis começar a desenvolver uma coleção de fios de lã. E foi aí que eu comecei a procurar, como é que eu vou conseguir lã? Então, comecei a ir a pequenos produtores de ovelhas. A pequenas quintas, onde a lã não era um produto que era utilizado para o comércio. Eles simplesmente tosquiavam as ovelhas e queimavam a lã. As ovelhas eram utilizadas para o leite ou para a carne. Então, comecei a utilizar esse tipo de material que era um desperdício para as próprias quintas. A partir daí comecei a criar o meu projeto das tapeçarias. E depois fui para uma fábrica. E nessa fábrica percebi a quantidade de desperdício que existia. Agora as fábricas já não têm estes desperdícios porque vendem, mas pagavam ao lixo para fazer lixo. Isto não fazia sentido nenhum. . O que é que destacaria da sua carreira até agora?Ter peças postas em determinados sítios talvez tenha sido um dos pontos principais. A peça que tenho na ONU, que Portugal comprou no ano passado, isso foi um marco super importante. Porque a peça vai ficar lá para sempre. É muito importante para a minha carreira de artista, ter uma peça num espaço desses. A peça que fiz para Heathrow, o aeroporto, em Londres. Foi um marco importante quando ainda era um bocado pequenina enquanto artista, ter uma peça num espaço onde passam tantas pessoas. A minha primeira exposição a solo, Submerso Imerso, que já tenho levado a vários sítios e sempre que levo é super bem vista pelas pessoas. Ver o que as pessoas dizem sobre ela no caderno enche-me o coração. Agora também tenho uma peça em Osaka, no pavilhão de Portugal, também é importante. Esta maior visibilidade tem-se repercutido na procura pelas suas obras?Não, acho que agora esta exposição no Colombo vai ser muito mais isso do que propriamente ter um trabalho na ONU. A diferença é que ter um trabalho nas Nações Unidas dá um prestígio diferente a um artista. E é o nosso país a acreditar na nossa arte. Acho que A Arte chegou ao Colombo vai ser um trabalho de marketing muito maior a nível de divulgação. A quantidade de pessoas que vai ver... É uma porta nacional aberta para as pessoas terem conhecimento do que é o meu trabalho.Ainda mete as mãos na massa, ou pensa apenas no conceito e a equipa executa?Isso é o que eu mais gosto de fazer, é fazer as minhas peças. E quando sou eu a fazer as minhas peças, não sigo um desenho. Aí eu deixo completamente em aberto e vou criando. São as peças que vão para galerias. Sou representada por três galerias neste momento. Em Portugal tenho a This is not a white cube, em Lisboa, tenho uma galeria na China, que é a Cobra Gallery, que trabalha a parte asiática, são eles os meus representantes. E tenho outra galeria, que é a Casa Cuadrada, que atua mais na América Latina, América também, e América do Sul.E onde é que sente que há mais interesse pelo seu trabalho artístico?Na China. Os chineses apreciam bastante tudo o que é feito à mão. Os asiáticos, no geral. Os japoneses também. Mas o meu principal público são os americanos. E aqui em Portugal acho que as pessoas também têm bastante interesse, só que as peças já vão para um valor que nem todos têm a capacidade de comprar. É por isso que eu acho que não vendemos tanto em Portugal. .Leonel Moura: “Os museus portugueses não querem a minha arte. Felizmente, existe o mundo”."Senti afinidade com Paula Rego na aproximação ao universo da arte como campo de batalha"