Uns Sopranos desinspirados
Num mundo em que as prequelas são soluções para continuarmos com personagens lendárias do cinema e das séries, eis que surge este The Many Saints of Newark, uma introdução nos anos 1960 à família e ao universo de Tony Soprano. O filme de Alan Taylor não atraiçoa o espírito da mítica série da HBO e nem o podia - Taylor foi um dos realizadores de muitos episódios e o guião tem assinatura de David Chase, o criador desta história de mafiosos, mas também nunca consegue o efeito de espanto que Os Sopranos criava. Agora, a sensação que se fica é que está no lugar, tudo certinho mas já não há o rasgo nem a surpresa de uma narrativa que mudava o conceito de ficção na história da ficção televisiva americana.
Mais do que ser um conto sobre a maneira como o jovem Anthony Soprano se torna num dos chefes poderosos da máfia de Newark, o centro destas origens estão em Dickie Moltisanti, interpretado por Alessandro Nivola, precisamente o tio poderoso do pequeno e anafado Tony. Um chefe da máfia atormentado pelas tragédias pessoais: a maneira como mata o pai violentamente e como se torna amante da sua madrasta italiana. Dos anos 60 para os 70, Dickie, juntamente com os Sopranos, consegue ganhar uma ascendência maior na cena criminosa de Jersey, atingindo níveis de extorsão cada vez mais vantajosos e mantendo um controlo à base da violência mais sanguinária, mesmo quando se faz passar por filantropo, chegando até a evidenciar-se como treinador de baseball para miúdos invisuais. Cada vez mais, Dickie torna-se figura paternal para o sobrinho Tony, aqui ainda adolescente e puro, ainda que denote uma curiosidade pelas atividades do tio.
Uma das curiosidades à partida era ver como Michael Gandolfini, filho do falecido James, poderia conseguir dar vida ao jovem Tony Soprano. Apesar das arrepiantes parecenças, há um problema evidente: Tony não é uma personagem, apenas um cabide secundário, uma mera curiosidade a que Chase deliberadamente não quer dar ênfase. A grande preocupação é haver uma ambição na correlação das mudanças da América em convulsão com a modernização do crime organizado pelas famílias nova-iorquinas. Uma ambição sem um olhar propriamente de cinema, apenas ilustração atrás de ilustração numa narrativa cujas explosões dramáticas encalham num esquematismo muito já visto e sem qualquer ponta de cinismo. Ao contrário da série, os atores que interpretam os extravagantes mafiosos parecem cheios de tiques e clichés do swag italo-americano. Escapam Ray Liotta num vistoso papel duplo e um Alessandro Nivola sempre sóbrio.
Em última instância, The Many Saints of Newark parece um thriller igual a tantos outros. No final, temos a música da série e só pensamos que tudo isto poderia ter sido evitado ou, mal menor, um episódio menor da mais amada ficção televisiva americana de sempre... E a questão nem é saber se aguenta ou não a comparação, é perceber que o fio de sugestão da educação criminal de um filho de mafiosos era uma ideia apetecível e que o filme não tem mãos para a pegar...
dnot@dn.pt