Uma viagem trágica através do continente africano
Uma semana depois da estreia de Casa Grande (2014), primeira longa-metragem de Fillipe Barbosa, chega a segunda: Gabriel e a Montanha (2017). E o menos que se pode dizer é que, ainda que com resultados algo desequilibrados, o cineasta brasileiro (nascido no Rio de Janeiro, em 1980) revela um invulgar sentido de risco.
De facto, os dois filmes não podiam ser mais diferentes. Não apenas no ambiente das respetivas histórias, mas sobretudo nas opções narrativas. Casa Grande é uma variação sobre um modelo clássico de melodrama, centrado numa família rica do Rio de Janeiro cuja existência se vai desmoronando. Por sua vez, Gabriel e a Montanha possui a ambição de uma epopeia geográfica, mas também intimista, capaz de ecoar a aventura de Gabriel Bachman (João Pedro Zappa), uma personagem verídica - depois de uma longa viagem através do continente africano, foi encontrado morto no Monte Mulanje, no Malawi, próximo da fronteira com Moçambique.
Não se pense que a revelação do desenlace da epopeia de Gabriel retira ao filme a surpresa do seu final. Desde o início do projecto, Fillipe Barbosa sempre deu conta da sua principal motivação: era grande amigo de Gabriel, funcionando o seu filme como um requiem para tentar compreender o que aconteceu a esse jovem de 28 anos, à beira de iniciar um doutoramento na Universidade da Califórnia, para se lançar numa demanda bizarra que terminaria, tragicamente, no seu falecimento por hipotermia. Mais ainda: tais informações acompanharam a divulgação do filme, além de que a descoberta do seu corpo, depois de ter estado desaparecido durante 19 dias, surge revelada na cena de abertura de Gabriel e a Montanha.
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Infelizmente, o filme sofre da sua própria dispersão dramática. Arranca como uma memória quase documental de uma viagem de descoberta através de quatro países: Quénia, Tanzânia, Zâmbia e Malawi. Depois, em determinados momentos, abre-se a uma reflexão política e filosófica sobre o sentido da viagem, sobretudo no período intermédio em que Cristina (Caroline Abras), namorada de Gabriel, o acompanha. Enfim, na parte final, o confronto do protagonista com a dureza da paisagem tenta solicitar a cumplicidade afetiva do espectador, até aí francamente algo menosprezada.
Resta um objeto de cinema insólito e ambicioso (até pela duração superior a duas horas), embora incapaz de encontrar um tom que lhe confira alguma unidade. Claro que não podemos deixar de sentir as marcas de uma cultura introspetiva ligada a uma certa sensibilidade "on the road". O certo é que, apesar de dois ou três momentos emocionalmente contagiantes, o filme, quase sempre, vai cedendo à ligeireza do pitoresco.
* * Com interesse