Uma maldição no sonho americano
Um cineasta do prestígio do cinema independente americano ao terceiro filme consegue filmar o projeto que tinha na cabeça durante toda a sua juventude. Sean Durkin sempre acreditou que a saga dos lutadores profissionais Von Erich daria um épico sobre a perda. The Iron Claw não é o filme de wrestling da ordem mas também nunca será uma obra minimamente estimulante ou bem resolvida dramaticamente.
A história começa quando Kevin, o mais novo da família Von Erich destaca-se na competição da Luta Livre americana, tornando-se uma sensação imediata, mas uma série de contrariedades afastam-no da ribalta. Segue-se a ascensão dos seus irmãos num clã que nunca deixou de estar unido.
Ao contrário de O Ninho, desta vez o olhar distanciado sobre os becos sem saída das personagens parecem confusos e pouco trabalhados. Por muito que se intua que está a filmar uma noção da América dos derrotados através do circo do mundo dos wrestlers, não existe uma tonalidade definida que nos faça estar perto destes irmãos amaldiçoados. O próprio núcleo trágico narrativo é atraiçoado por uma falta de genica que em nada ajuda a espalhar qualquer impacto. Uma espécie de tragédia americana distante, protegida por um clima retro-cool, quase sem vida, sufocado pela composição da estilização excessiva. Muita pose, pouca parra...
Sobra um trabalho sobre a melancolia, só aí se vislumbra o que o filme poderia ser. Uma melancolia que parte dessa construção de uma praga convocada pelo próprio destino de uma família atormentada pela fatalidade. A morte e o azar que se convoca parecem advir de uma fatura deixada por um orgulho masculino. Ou o patriarcado como fonte inevitável de toda uma herança de derrota. Trata-se de Durkin a discursar sobre os legados da masculinidade tóxica, daquela que se passa de pais para filhos e na qual o círculo perpetua-se através de irmãos e da vaidade da força bruta. Os músculos oleados destes irmãos são um pedaço de memorabilia americana, autêntico património do anos 1980. Que o faça com valores iconográficos cheios de reverência já parece um problema em si mesmo. Adira-se ou não, é uma opção de cineasta, mas o que espanta é a falta de nervo como se predispõe o valor do mito. Sejamos francos, a cadeia de fracasso desta família americana está sempre dentro dos dispositivos das histórias verdadeiras demasiado incríveis para acreditarmos.
The Iron Claw não deixa de ter um dos mais curiosos elencos dos últimos tempos. Salta, claro, à vista a transformação física de Zac Efron, aqui a anos-luz do registo de High School Musical. A antiga estrela da Disney mudou por completo o corpo e ganhou um olhar triste que perfura mas que, ainda assim, não anula as suas limitações dramáticas. Depois, há ainda Harris Dickinson, ator inglês também com transformação espantosa e a confirmar tudo de bom que tinha mostrado em O Triângulo da Tristeza, de Ruben Ostlund, e Jeremy Allen White, o protagonista de The Bear, perfeito dentro de uma brutalidade tosca. Um star-power que antes da sua estreia na América era esperado poder fazer “estragos” na temporada dos prémios. Aliás, este é um dos mais evidentes perdedores das nomeações, nem à fase das nomeações chegou.
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