É até 1959 e aos tempos sombrios da ditadura que viajamos com a peça Um país que é a noite, que estreia na próxima quinta-feira, dia 6 de fevereiro, na Sala Estúdio do Teatro da Trindade INATEL.A nova peça surge de uma colaboração entre Tatiana Salem Levy, Flávia Lins e Silva e Martim Pedroso. Esta junta a realidade com a ficção, contando a história do encontro entre os escritores portugueses Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner, no momento em que são interrompidos por dois agentes da PIDE. Depois deste encontro, o poeta vai para o Brasil e os dois não mais se voltaram a ver, passando a trocar cartas. .Martim Pedroso explicou em conversa com o DN que o exílio de Jorge de Sena foi o que o levou a trabalhar nesta peça. “Jorge de Sena autoexilou-se por questões políticas e porque estava a ser procurado pela PIDE. A parte dos agentes da PIDE interromperem o encontro é ficção e depois nós acrescentámos as cartas. O pretexto é criar um manifesto sobre a liberdade, mas que nos conte como é que a liberdade era pensada pelos poetas”. O ator Rui Melo, que faz o papel de Jorge de Sena, mencionou que as duas personagens não são reproduções, mas sim, uma interpretação. “Aqui o ator pode criar uma espécie de distanciamento que pode ajudar a que a mensagem passe melhor”, diz em conversa com o DN.Como preparação para o papel, Rui Melo leu o livro Correspondência 1959-1978: Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena. “Acho que descobri aqui coisas da personalidade do Jorge que não estão na obra. Por exemplo, o Jorge de Sena tinha uma mágoa que não escondia à Sofia pelo pouco reconhecimento que o país lhe dava”, acrescentou.Para o ator, a maior dificuldade deste papel foi passar as cartas para diálogo. “Acho que, apesar de tudo, conseguimos torná-las numa conversa, como se estivessem a conversar numa sala”. Já Maria João Falcão, que interpreta Sophia de Mello Breyner, preparou-se para o papel também através das cartas e de documentários sobre a escritora. “Queria saber como é que ela era. Acho-a muito feminina com os seus cinco filhos e, depois, tentava escrever com uns horários loucos, porque fazia traduções e trabalhava à noite. Fui juntando as peças do puzzle”, afirmou em conversa ao DN, acrescentando que reparou em como as cartas são tão belas como a sua poesia. “Quase que ela poderá ter editado as cartas. No outro dia falei com o Martim porque vimos uma entrevista dela e ela falava assim também. Até que ponto é que ela, por saber que está a ser lida por outra, edita as cartas e escolhe as palavras certas ou é-lhe tão natural a poesia que uma carta a um amigo parece um poema?”Sobre a mensagem da peça, a atriz afirma que o espetáculo pode ter diferentes interpretações. “Não acho que tenha uma mensagem específica porque tem imensas leituras possíveis. No entanto, é preciso relembrar e não apagar a história”.Para a atriz, o maior desafio deste papel foi transformar as cartas em palavras. “Uma carta não é um texto para ser dito, é um texto para ser lido”. Martim Pedroso, por seu lado, deparou-se com a dificuldade em encontrar imagens de referência dos agentes da PIDE, durante a sua pesquisa para o espetáculo. “É muito difícil e acho isso estranhíssimo. Isso é um exemplo de que, de facto, existe um branqueamento da história no que respeita às atrocidades e às coisas que se fizeram”. Ao longo da peça, são projetados vídeos do dia-a-dia da população durante o Estado Novo e também da construção de monumentos, incluindo a ponte 25 de Abril, na altura da construção ponte Salazar. No entanto, Martim Pedroso refere que o vídeo final é o mais importante, ligando o espetáculo aos dias de hoje com imagens dos fuzilamentos de Goya, da ditadura militar no Brasil, do Holocausto até à imagem viral do Martim Moniz com as pessoas encostadas à parede. Com estas imagens, a peça pretende deixar a mensagem: “Este país não pode voltar a ser noite”. “Estas personagens já disseram coisas que continuam a ser extremamente importantes voltar a ser ditas, de se voltar a repetir, e o teatro tem esse poder. Nós repetimos as palavras dos mortos, porque são palavras que têm de continuar a ser repetidas para conseguirmos viver”, sublinhou o encenador, O preço dos bilhetes é de 14 euros. mariana.goncalves@dn.pt