Os rostos marcados pela ruralidade ou tapados pelas máscaras anti-covid, ou ainda as memórias já icónicas do 25 de Abril de 1974 são alguns dos pontos que sobressaem nas fotos a preto e branco de Alfredo Cunha (1953) em exibição em La Seyne-sur-Mer, no sul de França, uma estância balnear da Côte d"Azur, a poucos minutos de barco da cidade de Toulon. Mas este não é o único português que se dá a conhecer aos franceses. Até 18 de setembro quem visitar o Centro de Arte Villa Tamaris [ver caixa] tem a oportunidade de ver também fotos do cineasta Manoel de Oliveira (1908-2015) - que, pela primeira vez, saíram de Portugal, numa parceria com o Museu de Serralves, para a exposição Un Été au Portugal (Um Verão em Portugal). É talvez o nome que mais chama a atenção dos visitantes. Mas há mais: outros oito artistas franceses e portugueses numa exposição organizada no âmbito da Temporada Cruzada França-Portugal 2022 (com vários eventos a decorrerem até 31 de outubro em ambos os países), em conjunto com a Associação Objectif-sur-Seyne, Toulon Provence Mediterranée, e o Instituto Francês, numa exposição comissariada por Micheline Pelletier e pelo português Rui Freire. O trabalho de Alfredo Cunha, que em 1996 foi nomeado comandante da Ordem do Infante D. Henrique, e que já conta com cinco décadas, em plena Cote d"Azur é apresentado em três temas distintos: Uma noite no Mar; Celebrações Religiosas em Portugal e A Pandemia. Outro dos destaques da mostra são as já referidas fotos de Manoel de Oliveira (1908-2015), uma faceta menos conhecida do cineasta, que foi revelada aos portugueses só em 2021 aquando de uma exposição no seu museu, no Porto. Nestas fotos, cerca de uma centena, feitas dos anos 1930 a 1950, encontra-se "um diálogo com o pictorialismo, o construtivismo e as experiências do movimento Bauhaus", segundo a apresentação oficial da exposição..CitaçãocitacaoPela primeira vez fora de Portugal, o lado fotográfico de Manoel de Oliveira é dado a conhecer a todos os que visitarem a Villa Tamaris, no sul de França.. De acordo com António Preto, diretor da Casa do Cinema Manoel de Oliveira, "estas imagens não só demonstram a curiosidade de Manoel de Oliveira pelos fenómenos óticos, mas também contextualizam a composição rigorosa que caracteriza os seus filmes e abrem novas expectativas sobre a evolução da obra cinematográfica".. Também expostos em Tamaris estão os trabalhos de uma das figuras incontornáveis da arte portuguesa dos últimos anos: Helena Almeida (1934-2018), que apesar das várias mostras internacionais - entre elas duas Bienais de Veneza (em 1982 e 2005) e exposições na Tate Modern de Londres e no MoMA de Nova Iorque - é pouco conhecida em França. A seleção de obras expostas em França (fotos e desenho) foram cedidas pelo Museu Coleção Berardo. Foram ainda escolhidos os trabalhos da artista Bela Silva, nascida em Lisboa em 1966, e que atualmente divide o seu tempo entre a capital portuguesa e Bruxelas. E no vídeo, está representada a artista Manuela Marques (1959) que vive e trabalha em Paris e que levou à Villa Tamaris o seu trabalho La force de Coriolis, num trabalho de vídeo e som de 6 minutos e 21 segundos, em loop, sobre o fenómeno físico da influência da rotação da Terra nos polos do planeta e nos ventos.. No âmbito desta exposição e do cruzamento cultural entre França e Portugal, que tem vindo a decorrer há vários meses, em diversos campos artísticos, dois artistas daquele país vieram passar algumas semanas em Lisboa a trabalhar sobre temas locais. Léna Durr (1988), que vive e trabalha em Toulon, esteve em março de 2022 por Lisboa, altura em que se concentrou em fotografar a Mouraria, numa "interpretação íntima e pessoal da história desse bairro". O seu trabalho, exposto em Tamaris, fala sobre os habitantes e trabalhadores do bairro, do multiculturalismo e de uma aparição da Virgem Maria.. Zagros Mehrkian, nascido em Teerão, no Irão, mas a viver em França desde 2012, esteve também em Lisboa um mês a desenvolver o seu trabalho fotográfico agora em exibição na Villa Tamaris. "Para mim há dois tipos de artistas: ou espelho ou janela". E foi a partir desta questão que Mehrkian fotografou as ruas de Lisboa e os seus habitantes e a desestruturação dessas imagens. Por sua vez, de Portugal foram três os fotógrafos a fazer uma residência artística na Villa Tamaris, em Seyne-sur-Mer. Catarina Osório de Castro (1982) passou um mês, em novembro de 2021, a fotografar os seus temas preferidos: o mar e a sua ação com o ambiente. À conversa com o DN, a fotógrafa formada no Ar.Co sublinhou o seu "interesse em fotografar a relação do homem com o mar e as rochas", pela sua conotação espiritual."É a continuação do trabalho que tenho vindo a fazer em Portugal, na procura de algo escultórico nas rochas". Sobre o seu trabalho para a exposição em França conta que encontrou coisas muito diferentes de Portugal. "Esta experiência fez-me crescer muito a nível pessoal. Andei muito em silêncio e comigo a explorar a natureza daqui e é isso que quis transmitir nas minhas fotografias. É muito importante poder mostrar o meu trabalho fora de Portugal e a mensagem que quero transmitir não é só artística, como espiritual. O maior presente que tive ao fotografar aqui foi esta relação de descoberta com a Natureza, mais transcendente do que aquilo que vemos." Tito Mouraz (1977) foi outro dos portugueses que fez residência no sul de França, no seu caso durante duas semanas. A paisagem e os territórios, sobretudo as orlas costeiras, foram os temas explorados, uma continuidade do trabalho que tem desenvolvido. "Optei, em conjunto com a curadora desta exposição, expor esta série de fotos que se chama Mergulho, projeto que tenho vindo a realizar nos Açores, um território que tem sido fonte de inspiração há seis anos, em várias residências. É uma viagem por camadas, uma ficção sobre os Açores e, como é um processo feito em Polaroid, muitas das imagens têm outras imagens que faço com transferências químicas das quais não tenho controlo total, mas o que lhe confere momentos irrepetíveis, mas que se aproximam, talvez, de outras disciplinas com a pintura, que não domino de todo ". Este trabalho já foi mostrado numa galeria do Porto e é a primeira vez que é exposto fora de Portugal. Por sua vez, David Infante que nasceu em França em 1982, e que agora vive em Évora, onde ensina Fotografia é o terceiro fotografo português participante. O seu trabalho exposto denominado If All Time is Eternally Present, é um projeto que o artista tem desenvolvido nos últimos dois anos. Em conversa com o DN explicou que quis abordar a problemática de vivermos numa época de imagens. "O meu processo de trabalho, ou pelo menos uma das suas vertentes, passa muito pela forma como fotografamos hoje em dia, em que se registam imagens em todo o lado e quase que se esquecem de viver o momento para fotografar. E a partir das experiências que vou tendo, vou fazendo apontamentos do dia a dia ou de viagens e depois, em estúdio, faço uma desconstrução dessas imagens na câmara escura. A fotografia está muito ligada à ideia da realidade, mas o digital veio desmascarar que essa verdade pode ser adulterada por programas de edição. Contudo, desde o início da fotografia que esse problema existe: ao lado do documental, sempre existiu o lado ficcional. E são esses dois lados que apresento aqui."."Uma história extraordinária". É assim que a fotojornalista e comissária da Exposição Un Été au Portugal, Micheline Pelletier, começa a contar a história da Villa Tamaris, o edifício que alberga o Centro de Arte que recebe as fotos dos artistas portugueses. A Villa foi mandada construir pelo comandante francês Blaise Jean Marius Michel (1819-1907), mais conhecido por Michel Pacha, título conferido pelo então sultão Otomano, isto é, o de Paxá, pelo seu trabalho desenvolvido nos faróis da agora Turquia em representação da Marinha Mercante gaulesa. Quando regressou ao local onde nasceu, em 1880, com uma fortuna considerável, Pacha concebeu um plano de estabelecer em Tamaris uma estância balnear - na altura nos primórdios da afirmação da Côte d"Azur. Mandou construir, à beira-mar, cinquenta vivendas rodeadas de parques com espécies exóticas do Bósforo, para servir este novo complexo, e estabeleceu um serviço marítimo que assegurava ligações regulares entre a estância balnear e Toulon. Entre as várias construções, no alto de uma colina mandou construir a Villa Tamaris ou "a casa grande", como a tradição oral a chama, que faz parte do ambicioso projeto de Michael Pacha. Micheline Pelletier conta ao DN que Pacha mandou construir esta villa para a sua primeira mulher, Marie-Louise Séris, e interrompeu a obra em 1893, após a sua morte. O edifício foi reabilitado em 1991. A partir de 1995, a cidade de Toulon decide que a Villa Tamaris passa a Centro de Arte com enfoque em artes visuais, como a fotografia, o vídeo ou a pintura internacional. "Há 19 anos que fazemos grandes exposições de fotografia com artistas internacionais e em vários estilos. O nosso público é muito heterogéneo", conclui Micheline Pelletier..filipe.gil@dn.pt