Obras de Lourdes Castro em diálogo com Marcel Duchamp.
Obras de Lourdes Castro em diálogo com Marcel Duchamp.Gerardo Santos

Um novo olhar sobre a participação portuguesa nas artes do século XX

Exposição permanente do Museu de Arte Contemporânea do CCB foi renovada. "Uma deriva atlântica. As Artes do século XX" abre amanhã portas ao grande público, em Belém. São 270 obras de 170 artistas.
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Baralhar e dar de novo, mas com um novo olhar e perturbando “ideias-feitas” da história da arte e do papel dos artistas portugueses nela. O Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém (MAC/CCB) inaugura hoje uma nova exposição - Uma deriva atlântica. As Artes do século XX. São 270 obras de 170 artistas, a maioria da Coleção Berardo, mas não só. A nova mostra inclui trabalhos de outras coleções que o MAC/CCB tem em depósito, nomeadamente a Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE), a Coleção Ellipse/Holma e a Coleção Teixeira de Freitas. Além disso, conta com obras emprestadas do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (CAM), da Coleção da Caixa Geral de Depósitos, e da Coleção FLAD - Fundação Luso-Americana, entre outras.

Esta remontagem vem substituir a anterior exposição permanente, Objeto, Corpo e Espaço. A revisão dos géneros artísticos a partir da década de 1960, inaugurada a 27 de outubro de 2023, coincidindo com a abertura oficial do MAC/CCB nessa data. E acolhe, mais ou menos a meio do percurso dos seus 11 núcleos, a exposição 31 Mulheres. Uma exposição de Peggy Guggenheim, que pode ser visitada até 29 de junho.

Gerardo Santos

Nesta “leitura renovada da coleção bandeira do MAC/CCB”, usando as palavras do novo presidente da instituição cultural, Nuno Vassallo e Silva, que introduziu ontem a visita de imprensa à exposição, questionam-se “as ideias de isolamento e atraso da arte portuguesa, bem contrariadas por Nuria Enguita, a diretora artística do MAC/CCB, comissária da exposição”.

A Nuria Enguita juntaram-se Marta Mestre, curadora do MAC/CCB e Mariana Pinto dos Santos, esta última do Instituto de História de Arte, a quem coube a assessoria científica da exposição. E, de facto, explica a diretora artística do MAC/CCB ao DN, nesta exposição “há uma tentativa de aproximar as artes do século XX à presença portuguesa, aos artistas portugueses que formaram parte também de toda essa deriva”.

“Escolhemos perturbar ideias-feitas da história da arte, e colocar a arte portuguesa no contexto internacional, interrogando ao mesmo tempo cronologias ou rótulos estanques e permitindo interferências entre movimentos artísticos, geografias e artistas. É, por isso, uma abordagem critica e com alguma ironia”, sublinha Marta Mestre.

Gerardo Santos

Ao longo da exposição veem-se ligações improváveis entre artistas. Por exemplo, no terceiro núcleo do espaço expositivo, com o título “Sombras Readymade”, mostram-se obras do francês precursos do dadaísmo, Marcel Duchamp (Boîte-en-valise, 1938), com trabalhos da artista portuguesa Lourdes Castro, revelando como ambos os artistas se interessaram pelas sombras e pela reprodução técnica, mas com expressões muito diferentes, resultando num diálogo inesperado que há de ser repetido ao longo da mostra. É o caso, na parte dedicada ao surrealismo, dos pontos de contacto estabelecidos entre a obra Natal do Talho I de Fernando Lemos (1949) e o telefone-lagosta de Salvador Dali (Telefone afrodisíaco branco, 1935-1938).

Mas qual é o papel do Atlântico nesta deriva pela arte do século XX, mais precisamente entre 1909, data da pintura mais antiga em exposição (Tête de femme de Pablo Picasso) e 1977, data do evento Alternativa Zero, organizado por Ernesto de Sousa, em Lisboa, após a revolução do 25 de abril?

“O Atlântico surge como espaço físico, mas também afetivo, espaço simbólico, um espaço que tem sido lugar de idas e vindas, de grandes conflitos que marcam o mundo. Um mundo complexo com repercussões até à atualidade”, explica Nuria Enguita. “No século XX, sobretudo em meados dos anos 40, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, o Atlântico torna-se um lugar de travessias e de exílios”, explica. O eixo artístico desloca-se de Paris para Nova Iorque, com Lisboa a servir muitas vezes como porta de saída para a travessia atlântica. Vários artistas representados na exposição passaram pela capital portuguesa nas décadas de 1940 e 1950 a caminho de Nova Iorque para fugir da guerra. É o caso de André Breton, Max Ernst, Man Ray e Marcel Duchamp. Também algumas das mulheres artistas da exposição temporária 31 Mulheres. Uma exposição de Peggy Guggenheim - incluindo a própria Peggy Guggenheim, a colecionadora que, em 1943 organizou, em Nova Iorque, uma das primeiras exposições só com artistas femininas -, passaram pela capital portuguesa.

Gerardo Santos

A exposição temporária que pode ser vista no MAC/CCB até ao verão resultou da ação de Jenna Segal - produtora de cinema, televisão e teatro, vencedora dos prémios Emmy e Tony e investidora -, que na altura da pandemia decidiu tentar reconstruir essa exposição de 1943, indo à procura e colecionando obras das artistas que participaram na exposição original. Frida Kahlo é uma das artistas representadas, assim como a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva.

Mas a deriva atlântica não é só para a América do Norte. “Há um cruzamento para os Estados Unidos, mas também para o lado sul, para a América latina, para África, e Portugal está no centro”, diz Marta Mestre.

Esse diálogo com a América do Sul e África também é revelado na exposição. Por exemplo, quando se faz a aproximação das “máscaras” de Amadeo Souza-Cardoso com as fotografias “primitivistas” de Brâncusi. São sete as obras do pintor português que podem ser vistas nesta exposição.

Gerardo Santos
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