Um check-up impecável das curtas nacionais
Vamos acreditar que não é por maldade que este projeto de agrupar três curtas-metragens português tem o mesmo título do filme de 2003 de José Filipe Costa e João Ribeiro, que retratava de dois imigrantes ilegais ucranianos em Portugal. Aliás, o título desta sessão tenta ter uma unidade que acaba por não conseguir fazer sentido pleno entre as três obras. Mas não é por aí que não se torna obrigatório dar atenção total a este momento do cinema português.
Os filmes são 2720, de Basil da Cunha; Corpos Cintilantes, de Inês Teixeira e Natureza Humana, de Mónica Lima, três curtas-metragens do melhor que se tem visto neste formato, todas diferentes entre si, prova factual de uma diversidade de olhares e métodos. São olhares que respeitam uma vibração humana na qual o contexto do lugar do mundo é sempre um fator determinante.
Em 2720, Basil continua a documentar o seu bairro, a Reboleira das construções clandestinas, aqui a acordar de uma noite de violenta rusga policial. Num só movimento acompanhamos Camila, menina que deambula pelas ruas estreitas à procura do irmão que não encontra. Trata-se de uma manhã onde se sente o cheiro do medo e as vivências de uma comunidade que está ligada. Paralelamente, acompanha-se também Jysone, um jovem que acabou de sair da prisão e está a preparar-se para se apresentar ao seu novo trabalho. Nos becos do bairro procura uma boleia, sabendo que não pode chegar atrasado. Jysone e Camila acabam por vir a estar ligados de uma maneira impensável.
2720, que é também o código postal desta área dos subúrbios da Grande Lisboa, muito mais do que uma proeza técnica: os planos-sequência, é outra prova de um cineasta que criou um mundo numa comunidade africana. Coisa de laços inquebráveis, bastante como Pedro Costa já o tinha feito nas Fontainhas. São imagens fortíssimas e a aliança com o diretor de fotografia Vasco Viana permite a Basil uma escala de superação visual notável.
Depois, vamos até a um conto de despertar romântico em Corpos Cintilantes, obra da estreante Inês Teixeira presente em 2023 na Semana da Crítica de Cannes. Direção segura e um bom gosto narrativo que faz fluir muito bem uma história de uma rapariga do secundário que aceita o convite de um colega para um fim de semana em Leiria. Um fim de semana de despertares e de emoções românticas. Coisa com uma doçura feminina que toca realmente. Filme de prazeres secretos.
Quanto a Natureza Humana, de Mónica Lima, vencedor da última edição do Curtas Vila do Conde é um conto do Covid: um casal a repensar a vida após tentativas de engravidar num apartamento cujo quintal parece ser um espelho de angústias e pequenos milagres.
Subtil e com pequenos grandes achados estéticos, é também um filme de atores. E que atores! Crista Alfaiate com uma empatia de câmara estonteante e um João Vicente a transbordar justeza. Daquelas curtas que poderia ser longa: faz impressão acabar cedo.
São mesmo três filmes que são um bálsamo para combater a miserável leva de longas portugueses que estão aí em cartaz.