Um filme "ecológico" que representa um desperdício de atores.
Um filme "ecológico" que representa um desperdício de atores.

'Um Ano Difícil', um filme fácil

Novo conto temático dos realizadores do estrondoso sucesso 'Amigos Improváveis', 'Um Ano Difícil' centra-se em dois homens endividados que se juntam a um grupo de ativistas climáticos. Um filme de bons sentimentos e nada mais.
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Não se pode dizer que a dupla de realizadores Éric Toledano e Olivier Nakache não seja coerente e sincera naquilo que faz. Até à data, o seu cinema de argumentos humanos tem configurado uma sucessão de temas com potencial popular, de que Amigos Improváveis (2011) será o exemplo maior - foi o filme que revelou definitivamente Omar Sy e é aquele que traduz um livro de estilo, através de uma história de amizade que muda a vida dos dois protagonistas, um aristocrata tetraplégico e o seu cuidador oriundo de um bairro problemático... Depois deste êxito gigantesco (que teve direito a um remake americano), Toledano e Nakache já tocaram uma variedade de temas socialmente relevantes, desde o autismo à imigração, e são os primeiros a reconhecer o método segundo o qual os filmes nascem de uma combinação de bons atores com uma temática que lhes interessa.

Oitava longa-metragem da dupla, Um Ano Difícil  vem, pois, confirmar essa regra produtiva, desta vez juntando nomes como Mathieu Amalric, as jovens talentosas Noémie Merlant e Luàna Bajrami (ambas de Retrato da Rapariga em Chamas), Pio Marmaï e Jonathan Cohen (que foram brilhantes na recente comédia Daaaaaalí!).

E o que é que se extrai deste quadro de valor? Um filme de receita pronta, com um manual de bons sentimentos demasiado exposto e uma forma algo desajeitada de usar a banda sonora - há uma cena com The End, dos Doors, em fundo que não está longe de um atentado artístico...



Digamos, para fazer alguma justiça ao objeto, que Um Ano Difícil até tem um início inteligente: uma montagem de excertos com os vários presidentes franceses, ao longo do tempo, a anunciarem a dado ponto que o ano X foi, ou virá a ser, “difícil”. Daí passa-se, com uma nota de gravidade calculada, para o novo tema que atraiu Toledano e Nakache, a saber, a crise climática e - associada a ela - a sociedade hiperconsumista, mostrando um grupo de ativistas que tenta travar a multidão à frente de uma loja em plena Black Friday. Precisamente, a ocasião em que os protagonistas desse lado confrontam um dos protagonistas do lado dos consumidores compulsivos, a certa altura, como seria de esperar, destinado a render-se à urgência (justificada) dos jovens ativistas.

Entre gente endividada, a viver como sem-abrigo, e militantes de uma causa séria (estes segundos, às vezes roçam a caricatura da ecoansiedade), os realizadores tentaram simplesmente renovar aquela velha ideia da atração dos opostos, para tornar o mundo legível a partir de uma dinâmica, ou mecanismo, de comédia dramática reconfortante, em que a noção de complexidade é só aparente.

Enfim, um argumento muito pobre. Mas o que custa mesmo é o desperdício de atores, que dão o seu melhor na gestão de um singelo humanismo pronto a consumir.

Para usar uma expressão que se ouve repetidamente no filme como mantra contra o consumismo: “Preciso mesmo disto?” A resposta está dada.

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