The Girl in the Backseat. Filme luso-americano estreia em Hollywood com histórias reais sobre tráfico humano

Baseado em factos verídicos, o filme, coproduzido e protagonizado pela portuguesa Kika Magalhães, foi um dos destaques da 26.ª edição do festival de cinema Dances With Films.
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Era apenas mais uma noite em Los Angeles." As mil luzes da cidade dos sonhos introduzem o espectador ao início de uma história aterradora de tráfico humano, inspirada por factos verídicos. É a base do novo filme luso-americano The Girl in the Backseat, coproduzido e protagonizado pela atriz portuguesa Kika Magalhães, que estreou este fim de semana no festival de cinema independente Dances With Films, em Hollywood. O filme é falado em inglês, com uma personagem central portuguesa e bastantes cenas em português.

"Há muitas mensagens importantes no filme", disse Kika Magalhães ao DN durante a première do filme. "A primeira é fazer com que as pessoas conheçam o que é o tráfico humano, porque muitas não sabem o que é. Eu não sabia", acrescentou.

Kika começou a pesquisa para este filme em 2016, quando se mudou para Los Angeles e decidiu criar os seus próprios papéis em vez de ficar à espera do resultado de audições. A investigação levou-a a descobrir histórias terríveis de rapto e resistência, incluindo a de uma amiga que foi traficada em Los Angeles e ficou fechada numa casa durante vários meses até conseguir escapar. Todos esses factos foram usados para escrever a história de The Girl in the Backseat, cujo argumento é da autoria de Chris Marrone (que interpreta Ryan no filme).

"Faço a personagem da Sofia, uma emigrante portuguesa a viver em Los Angeles que conheceu uma pessoa que a tentou raptar para uma rede de tráfico humano", disse Kika Magalhães. "É uma personagem muito forte", descrevendo-a como inteligente e capaz de se salvar sozinha. "O filme fala de tráfico humano e emigração, e é também sobre empoderamento feminino."

A produção independente, da Calico Pictures, foi realizada por Nick Laurant, conhecido por ser showrunner do popular programa de YouTube Corridor Crew. Esta foi a sua primeira longa-metragem.

"Tenho um grande sentimento de orgulho por termos conseguido fazer isto e contar esta história", disse Laurant ao DN na estreia em Hollywood, satisfeito com a reação do público. "Esta foi a primeira audiência a ver o filme. Quando estamos tão embrenhados num filme durante tanto tempo, como muitos cineastas sabem, perdemos a perspetiva e não percebemos se a história é ou não eficaz."

A reação do público, com uma grande ovação e múltiplas questões no final da exibição, mostrou-lhe que o filme cumpriu o objetivo.

"Ouvir das pessoas que ficaram afetadas pelo filme e que ficou na sua cabeça é incrível", disse o realizador. "Estou muito contente por termos contado esta história e ter impacto. Espero que possa fazer a diferença entre alguém ver qualquer coisa e ignorar ou ver e denunciar. O que espero alcançar com este filme é um pouco mais de consciencialização."

Mas os produtores não quiseram contar uma história simplista, com bons e maus engavetados em estereótipos. "Sabemos que são pessoas horríveis mas queríamos humanizar o traficante", referiu Kika Magalhães.

Quando Chris Marrone -- marido da atriz -- começou a trabalhar no argumento, com base na história escrita por ela, usou elementos da realidade do narcotráfico para esculpir a personagem do traficante, Ryan.

"Tinha construído na minha cabeça a ideia de que ou é branco ou preto com esta gente. Mas somos humanos, e na verdade há muito cinzento", contou Chris Marrone ao DN. O ator e argumentista inspirou-se na série documental Inside the Real Narcos, da Netflix, que dá a conhecer os percursos trágicos de narcotraficantes levados para o crime durante a adolescência. A experiência de um em particular mudou a perspetiva do ator. "Quis usar a história dele para influenciar o Ryan", vincou. "Estes indivíduos têm complexidades. Há uma relação que se cria entre o traficante e a pessoa traficada, o que nos assombra."

A produção não envereda por fórmulas moralizadoras nem tenta dar lições

"Somos contadores de histórias, o nosso trabalho não é criar soluções", segundo Chris Marrone. "O nosso trabalho é fazer um retrato e esperar que as pessoas que o vejam saiam dali com um sentimento, e a certo ponto que isso se transforme em ação. Que façam donativos a estas causas, que se envolvam, ou um dia vão a conduzir e vejam algo que lhes parece estranho e se lembrem de The Girl in the Backseat e façam um telefonema."

Nick Laurant disse que a equipa está agora a trabalhar para vender o filme e espera conseguir distribuição em todo o mundo, incluindo Portugal. "A história da Sofia é de uma emigrante e não é contada por uma perspetiva americana. É sobre alguém que está longe de casa, vulnerável, num país estrangeiro, e é explorada", resumiu. "Muitas pessoas vão identificar-se com isso."

O realizador considerou que isso será verdade mesmo para quem não acha que tal lhe podia suceder. "Este é o pior cenário do que pode acontecer, mas penso que é algo identificável", sublinhou. "Mesmo que alguém não seja uma jovem mulher que muda para outro país, esse medo está sempre lá."

Além de Kika Magalhães e Chris Marrone, o elenco conta com a atriz portuguesa Ana Lopes (que participou recentemente na série Rabo de Peixe), a jovem atriz Brooke Olivia Borges, Jasmine Akakpo, Helen Day, Travis Quentin e Frank Forbes.

As filmagens foram feitas durante a pandemia de covid-19 e a produção demorou cerca de três anos a completar, com um orçamento baixo e financiamento privado. É um desfecho bem-sucedido depois de um caminho difícil, que Kika Magalhães descreve usando um ditado bem português que aparece citado no filme: "Deus escreve certo por linhas tortas."

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