De há uns anos a esta parte, o drama de época passou a ser um género suscetível à linguagem pop, com muitas séries a integrarem elementos “modernaços”. Não The Gilded Age, bem entendido. A variante americana de Downton Abbey, pelo mesmo criador, Julian Fellowes, chega à terceira temporada com aquele orgulhoso porte de classicismo, leveza e graça que quase sugere elevação em quem a vê: de repente, a confusão trágica do nosso mundo é substituída por conflitos benignos, ainda que profundamente humanos, de uma sociedade que está a aprender a viver na era da grandeza e opulência, fruto do progresso industrial e da prosperidade económica. Recorde-se: é esse o significado da expressão “Gilded Age” (Era Dourada), que Mark Twain cunhou no romance homónimo e Fellowes recuperou para encenar, no pequeno ecrã, as intrigas entre o dinheiro antigo e o dinheiro novo na Nova Iorque dos anos 1880. De volta à Max estão as dinâmicas domésticas na casa das irmãs viúvas Agnes e Ada (Christine Baranski e Cynthia Nixon), por um lado, e, por outro, a impaciência social de Bertha (Carrie Coon), que literalmente compete com a autoridade do marido, George (Morgan Spector), no que ao casamento da filha diz respeito. A partir deste eixo central, a nova temporada de The Gilded Age, com oito episódios, andará então em torno de diferentes manifestações de poder, que ecoam nas restantes personagens, incluindo do staff. E, justamente, foi por aí que começou a conferência de imprensa onde o DN participou, via zoom, com uma questão relativa ao suculento título do primeiro episódio: “Who’s in charge?” (Quem manda?). Tal como observámos, esta é uma interrogação que pode fazer sentido para toda a temporada, mesmo que se refira, desde logo, à mudança de estatuto de uma das irmãs representativas da velha Nova Iorque. “Sempre me fascinaram as pessoas que fingem que a perda de dinheiro, e de posição social, não as afeta em nada, que tudo pode continuar como dantes... É claro que não pode. Ainda hoje sabemos que não é assim”, diz Julian Fellowes de rajada, falando da personagem de Baranski, uma das mais fascinantes da série. E prossegue: “Aqui temos Agnes, com uma crença inabalável no conceito, essencialmente europeu, de “grandeza por nascimento”. Ela começa pseudoconfiante de que tudo voltará ao normal.” . Porém, no suposto comando está agora Ada (devido à fortuna do falecido marido), que, “pela sua natureza [dócil] e generosidade, se contenta com o facto de Agnes fingir que não mudou muita coisa. Só ao longo da temporada é que ela adquire a confiança do seu direito a mandar – interessou-me explorar essa mudança”, resume o criador britânico, referindo ainda que, “os americanos são uma nação mais realista” sobre estas coisas, no contraste, por exemplo, com os ingleses. O progresso social, antes do tecnológico Já do outro lado da rua, na casa palaciana de Bertha, discute-se o destino da jovem Gladys (Taissa Farmiga), que não quer ceder ao arranjo de um casamento com o duque de Buckingham... Há que compreender esta mãe: “Bertha acredita que o que está a fazer assenta numa questão existencial. Ela quer que a filha esteja segura, mas também quer que se sinta realizada e tenha um sentido de propósito – acho que Bertha sabe o que é ter essa capacidade frustrada. No fundo, está ansiosa que a filha tenha o tipo de poder que ela não tem”, defende a sua intérprete, Carrie Coon. Ironia das ironias, Bertha tem alguma razão: a liberdade pode muito bem vir com o status, uma vez que este confere poder. É preciso pôr o jogo social em perspetiva. A propósito, ouve-se declarar a certa altura na série que “a sociedade não é conhecida pela lógica, sobretudo no que às mulheres diz respeito”, e talvez seja essa falta de coerência que as mulheres de The Gilded Age tentam compensar com as suas atitudes aparentemente extremas. Como extremo é o regozijo de ver duas grandes damas da televisão interagirem, neste caso, Christine Baranski e Cynthia Nixon. Quando lhes perguntam como foi interpretar a nova fase na casa das irmãs – que pressupõe papéis invertidos –, Baranski não resiste ao tom coloquial: “Yummy! Sabe, quando a realeza cai do trono, isso rende uma boa história, e também rende deliciosos momentos cómicos. Nós divertimo-nos muito, não foi?” Nixon anui sorridente, e diz: “É como se tivéssemos um partido político no poder durante muito tempo e, de repente, a oposição passasse à liderança e tivesse que fazer acontecer tudo o que vinha a ser reclamado”. Então, afinal, quem manda na temporada? A cocriadora Sonja Warfield concorda connosco: “Tematicamente, toda a temporada é sobre quem manda na sociedade, nos casamentos... enfim, sobre quem tem o poder.” E não é apenas Bertha. .'Tubarão'. O filme que mudou Hollywood faz 50 anos .Revendo a guerra do Iraque em tom hiper-realista