Foi 'Portugal e o Futuro' que criou no regime “o caos governativo e a inação da repressão que os capitães encontraram no dia do golpe”, diz o jornalista João Céu e Silva..O título do seu livro, O general que começou o 25 de Abril dois meses antes dos capitães (ler aqui pré-publicação), sugere que Spínola teve um papel mais importante na Revolução de 1974 do que o MFA lhe costuma atribuir. Que força tem essa tese? Toda a força. Sem o livro Portugal e o Futuro o regime não estaria no caos governativo e na inação da repressão que os capitães de Abril encontraram no dia do golpe do 25 de Abril. Além de que só com esse livro, uma espécie de bênção de Spínola à rebelião, é que muitos oficiais passaram a apoiar o MFA..Portugal e o Futuro foi um best-seller imediato. Mas só a elite o leu ou teve alcance popular? As ideias do general sobre a descolonização eram debatidas? O livro teve um impacto transversal em várias classes e de norte a sul, tanto que em dois meses vendeu 230 mil exemplares. Como o anúncio para a RTP foi proibido, o conhecimento mais generalizado do conteúdo veio pelos títulos dos jornais República e Expresso, os primeiros a dar grande destaque e a focarem-se na ideia de que a guerra em África estava perdida. Era a premissa mais importante para Spínola, que a resumia em seis palavras: “A vitória exclusivamente militar é inviável.” Daí o alcance imediato do livro, pois interessava a todos os que tinham familiares na guerra. Quanto à descolonização, estando muito presente, era num tom suave e maquilhado por uma harmoniosa comunidade lusíada..A escolha de Spínola para liderar a Junta de Salvação Nacional tem a ver com o seu prestígio militar, mas também com o impacto do livro lançado dois meses antes? Sim. Spínola não era o general preferido pelo MFA, mas sim Costa Gomes, que esteve desaparecido e incontactável no dia 25 de abril. O prestígio de Spínola já era grande antes de publicar Portugal e o Futuro devido ao seu papel enquanto comandante-chefe e governador na Guiné, mas com o livro passou a ser o símbolo da mudança e os capitães foram obrigados a utilizá-lo para sossegarem a opinião pública nacional e estrangeira. Aliás, todos pensaram de início que o 25 de Abril era um golpe liderado por Spínola, perceção que foi acentuada por ser nomeado presidente da Junta de Salvação Nacional ao fim desse dia..Como se explica a posterior rutura entre Spínola e o MFA? Spínola nunca quis com o seu livro derrubar o regime, mas sim corrigir o rumo da governação e, principalmente, obrigar Marcello Caetano a procurar uma solução política para um conflito que já levava 13 anos. Enquanto esteve na Guiné, o general formou muitos dos oficiais de Abril e deu-lhes ampla cobertura para debater a questão militar, tendo estes beneficiado dessa liberdade e assim ultrapassado o estágio corporativo inicial e criado as bases para o derrube do regime, por não verem outra solução. O objetivo dos capitães não era o de fazer uma revolução, mas apear um regime que estagnara. O apoio popular imediato alterou a correlação de forças e permitiu que capitães que defendiam uma descolonização imediata avançassem no processo, como se verificou em uma semana na Guiné. Este não era o posicionamento de Spínola, um general da velha guarda e defensor do império, que logo entrou em choque com os militares e nunca mais se entenderam..João Céu e Silva(Neverfall / Global Imagens)