O primeiro romance do escritor Douglas Stuart foi publicado nos Estados Unidos poucas semanas antes do confinamento do ano passado. O autor receou o pior: "Achei que Shuggie Bain iria passar despercebido". No entanto, ao ser incluído na short list do Prémio Booker de 2020 a visibilidade da obra foi grande e ao vencê-lo ressuscitou com grande força: "O Booker fê-lo regressar à vida e o prémio proporcionou uma leitura a nível global num ano muito surreal e em que eu não tinha controlo sobre o que se passava com romance"..Para Stuart, o galardão "tornou-se num importante elemento de ligação do livro com os leitores", destaque que levou Shuggie Bain a ser traduzido em dezenas de países, como é o caso de Portugal. Quando se lhe pergunta quais as suas expetativas sobre o leitor português ainda tenta ensaiar uma resposta, mas rapidamente confessa que nos desconhece: "Leitores portugueses... nunca pensei dessa forma... há uma história que pode acontecer em qualquer parte do mundo e criar empatia como todos os leitores.".A história deste sucesso que venceu outros importantes prémios e foi finalista de vários surpreendeu o autor, afinal o livro foi rejeitado por 44 editoras antes de ser publicado. O tema principal é a pobreza na Escócia dos anos Tatcher, a dependência do álcool da mãe vista pelo olhar de um adolescente e uma orientação sexual proibida. Pode dizer-se que Shuggie Bain é um livro que deixa o leitor deprimido em vários momentos das suas 493 páginas, mas Douglas Stuart considera que esse é um lado muito positivo do livro porque "ter essa sensação é importante pois a literatura deve emocionar-nos e confrontar-nos com certos sentimentos"..O cenário da Escócia e dos seus habitantes foi o escolhido apesar de viver nos EUA há vinte anos e no próximo livro manter-se-á. Para o autor uma das razões para escrever Shuggie Bain foi a distância a que está do seu país: "Eu queria que estes personagens me levassem de volta a Glasgow e a um certo tempo que desapareceu da minha vida.".Estou a falar com Douglas Stuart ou Shuggie Bain?.Douglas Stuart....Mesmo que no início deste sucesso tenha sempre referido a grande presença autobiográfica?.Tenho de ser claro e afirmar que o romance é um trabalho de ficção, mesmo que eu tenha crescido de forma parecida com o Shuggie, sido filho de uma mãe que era alcoólica, descreva as minhas mais antigas memórias de Glasgow, ficado órfão aos 16 anos também seja gay. Quando escrevo sobre a solidão, a perda e o luto, compreendo bem estas situações porque as vivi durante a minha vida. Existe um paralelo com Shuggie, mas não quero que se olhem as situações do meu livro como retiradas diretamente da minha vida ou será mal interpretado. Não quero ser visto como o Shuggie Bain mas como Douglas Stuart..Citaçãocitacao"Uma das razões para ter demorado dez anos a escrever o livro foi porque me era difícil encontrar o lugar certo de Shuggie na narrativa que desejava fazer e a necessidade de compreender porque a mãe falhou.".Não se pode deixar de sentir muita violência nas relações humanas entre os membros da família principal, mesmo que no fim se possa entender o romance como uma história de amor. Era o objetivo?.Com toda a certeza. Tentei descrever o amor entre uma mãe e um filho, mas também deixar bem presente a busca de uma mulher pelo amor que lhe foi rejeitado pelo primeiro e o segundo maridos e ao conhecer um terceiro homem, este só a destrói. É também uma busca pelo amor-próprio. Portanto, o livro é sempre essa procura por amor, apesar de estar sempre interessado em encontrar outras perspetivas, como a da violência e também a da ternura, ou o sentimento de proteção e de intimidade. Para mim, violência e ternura são sentimentos mais interessantes se andarem um ao lado do outro, tal como a tristeza e o humor. Afinal, se a pessoa não tem à-vontade financeira, ela terá de aceitar o mundo como ele chega até ela..Ao terminar o livro acredita-se que vai haver uma continuação, mas não é o que vai acontecer....Em parte não, mas o próximo livro continua a ser uma narrativa vista a partir daquilo que me preocupa. Ao chegar ao fim deste livro, Shuggie ainda é jovem, tem desejos românticos e sexuais, mas o seu grande amor é a mãe. Será uma história que se passa no mesmo ambiente, protagonizado por dois homens na Glasgow de 1990, cidade em que existe uma divisão territorial promovida por gangues, e que se apaixonam um pelo outro e tentam encontrar um lugar onde estejam a salvo. Será antes de mais um livro sobre a masculinidade..Pode-se, portanto, caracterizá-lo como um escritor escocês?.Sempre fui uma pessoa que se confrontou com situações diversas e apesar de ser escocês sou também americano, tal como fui designer ao mesmo tempo que escrevia; ou seja, não desejo ser apenas uma coisa. Pode-se dizer que sou um escritor escocês/americano, mas não irei sempre escrever sobre a Escócia..O argumento de Shuggie Bain pode ser definido como o de uma criança que carrega o fardo de uma mãe complicada?.Não, acho que esse não é a visão mais certa. O que acontece é que há uma mulher brilhante, bonita, divertida e generosa, mas as circunstâncias não a deixam resolver a sua vida. Daí que se torne alcoólica e que os filhos a tentem salvar e também salvarem-se dela..Mas os irmãos de Shuggie dizem-lhe que ele tem de seguir a sua vida e esquecer a mãe!.É verdade, mas a questão central do livro é até que ponto se pode salvar a pessoa que mais amamos ou é preciso optar por se salvar a si próprio. O irmão, Leek, que é o meu personagem favorito, é quem faz o maior sacrifício, pois apesar de querer seguir com a sua vida quase perde a possibilidade de concretizar os seus sonhos..Há uma outra personagem que se impõe no romance, a primeira-ministra Margaret Tatcher. O que pensa da sua governação?.No próprio tempo não se imagina o efeito das políticas e nessa época Glasgow tinha um desemprego de 50% e assim permaneceu durante a minha juventude. Foi um crime terrível, a que se juntou o facto de nos sentirmos abandonados pelo governo do Londres..As mulheres dos desempregados viveram situações terríveis como as que se observam no livro. Porque é essa perspetiva tão pouco conhecida?.Os romances pós-industriais dos autores britânicos, os de Irvine Welsh por exemplo, raramente se focam nas mulheres ou nos homossexuais mas sempre em homens heterossexuais. Além de que não se consegue escrever uma história de amor na Glasgow dos anos 1980 sem a enquadrar na situação política, até porque enquanto os homens lutam e protestam, as mulheres e crianças sofrem. E para as mulheres e para as crianças, o efeito das políticas é muito físico, sente-se no corpo e de forma muito pessoal. O que eu quis fazer foi escrever sobre o que a literatura ainda não fez..Foi fácil reviver esses tempos das classes trabalhadoras de Glasgow nos anos 1980 ou necessitou de investigar?.Fiz alguma investigação, mas a minha família ainda vive nas ruas em que situo o livro e como os visitei enquanto escrevia foi mais fácil. Contudo, uma das razões para ter demorado dez anos a escrever o livro foi porque me era difícil encontrar o lugar certo de Shuggie na narrativa que desejava fazer e a necessidade de compreender porque a mãe falhou. Enquanto escrevia sentia cada vez mais paz porque compreendia a dificuldade dos tempos em que a minha mãe lutava pela vida..Este romance teve dezenas de rejeições por parte das editoras. O que fez dele um sucesso?.A edição está repleta de livros sobre a classe média e muitas vezes os leitores já não têm interesse nesse género de romances. O que os editores subvalorizaram foi o facto de Shuggie Bain ser uma história sobre a condição humana e esta é universal. O crescimento de um rapaz gay naqueles anos em Glasgow - poderia ser em Lisboa ou Nápoles - era semelhante nos seus problemas aos de muitos leitores em vários países, tal como a luta da mãe que criou uma relação de empatia com muitas mulheres..Como foi encontrar o registo próprio para este livro?.No início estava intimidado, mas decidi que deveria sentar-me a escrever e logo se veria. A primeira versão seguia uma outra ordem cronológica, os personagens e os locais estavam todos lá, mas durante essa década foi acontecendo um processo de desinstalação e fui reordenando a ação conforme a necessidade da história, mantendo tudo o que era importante..O livro que saiu já nem era bem uma primeira obra?.Eu devo ter feito umas vinte versões do romance, mas só pode ser considerado uma primeira obra porque não publiquei antes. A história que queria contar nunca mudou, mas fui reescrevendo cada frase, cem vezes se fosse preciso, porque queria que a minha escrita fosse perfeita. Eu não estudei para ser escritor, não me movimento no circuito dos autores, e a única pessoa a quem mostrei o livro durante esses anos foi ao meu marido. Não queria que os meus amigos se rissem à minha custa ou que me achassem presumido, daí que fosse aprendendo à minha custa. É certo que Shuggie Bain foi rejeitado 44 vezes, mas não mudei nem uma vírgula. Escrevi o livro que queria..Douglas Stuart.Tradução de Hugo Gonçalves.Editora Alfaguara.493 páginas.O pensamento existencialista de Sartre e de outros pensadores afins.O título, O Existencialismo, remete - numa apreciação muito vaga e contemporânea - diretamente para o pensamento filosófico de Jean-Paul Sarte, enquanto o subtítulo, Uma Introdução, contextualiza a obra assinada pelo filósofo Kevin Aho, um profundo conhecedor do autor francês e dos outros protagonistas deste entendimento. Aho começa com uma lista de pensadores que o influenciaram em jovem e que o fizeram "perseguir" Sartre, passando depois para um parágrafo do romance de David Foster Wallace, O Rei Pálido, que no seu entender "fornece um poderoso exemplo de atitude existencialista". E está posto o problema da dificuldade em escrever uma obra sobre o existencialismo, "um ismo que dá a impressão enganadora de se estar perante uma doutrina filosófica ou, pior do que isso, uma escola filosófica coerente e unificada"..Com a existência de visões antagónicas sobre o existencialismo - os existencialistas seculares como Sartre, Nietzsche e Camus, ou os subjetivistas como Heidegger e Merleau-Ponty -, o autor percorre várias premissas e perspetivas, de forma a explicar esta corrente de pensamento até chegar ao capítulo final, O existencialismo hoje, propondo um entendimento sobre questões fundamentais para o ser humano, como a de quem somos? e de como devo viver?, situações que envolvem a condição humana, a finitude, os absolutos morais e a liberdade da autocriação. Esta edição alarga a presença do pensamento de Simone de Beauvoir e introduz a crítica marxista do existencialismo..Kevin Aho.Edições 70.268 páginas.O Ser e o Nada de Sartre e a atualidade da obra 80 anos depois .Considerado como um dos textos fundamentais do século XX, O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia Fenomenológica, tem nova edição das Edições 70. Datado de 1943, escrito durante a ocupação nazi de França e preocupado com o fim de uma civilização, o ensaio tornou-se o último grande sistema filosófico. Jean-Paul Sarte pretendeu enunciar certos conceitos abordados por outros filósofos anteriormente, mas desta vez com um olhar de um contemporâneo e perante uma História ameaçada pelo segundo grande conflito do século passado. Sartre retira a Deus o sentido da vida, elimina a essência como fase que precede a existência, prega a desobediência e sintetiza que a humanidade "está condenada a ser livre e é a única responsável pelo seu destino"..Logo à página 41, Sartre faz a seguinte formulação: "O paradoxo não está em haver existências por si, mas que nada haja além delas. O que é verdadeiramente impensável é a existência passiva, isto é, uma existência que se perpetua sem ter a força de se produzir nem de se conservar." Mais à frente, p.313, recupera a "intuição genial de Hegel de me fazer depender do outro no meu ser", ou, p. 595, o facto de "ao nascer, tomo um lugar, mas sou responsável pelo lugar que tomo"..Uma reedição que pode ser vista à lupa do estado da civilização em que a humanidade se encontra oitenta anos após a escrita de O Ser e o Nada, que o tradutor e prefaciador Víctor Gonçalves remete para um contexto histórico, e que neste momento merece leitura atenta..Jean-Paul Sartre.Edições 70.747 páginas