Se no final de 2025 quisermos organizar um top dos filmes mais desconcertantes do ano, aqui está, desde já, um sério candidato a nº 1 da lista: chama-se Better Man e apresenta-se como uma biografia de Robbie Williams. Porquê desconcertante? Porque, desde a primeira cena, o cantor inglês que em 2024 celebrou o seu 50º aniversário se apresenta como um... chimpanzé! O título fala de um “homem melhor”, recordando a canção Better Man, do alinhamento de Sing When You’re Winning (2000), terceiro dos doze álbuns de estúdio de Robbie Williams. No cartaz português do filme encontramos esta frase: “A extraordinária evolução de Robbie Williams.” Convenhamos que não é a solução mais inventiva para lançar um filme capaz de desafiar os estereótipos figurativos de algumas estrelas da música popular. Repare-se no cartaz original e na sua frase bastante mais sugestiva: “A fama transforma-nos todos em macacos.” Celebremos a seriedade da brincadeira: Robbie Williams dá voz à sua personagem, mas a sua “presença” no ecrã acontece através de uma figura digital criada através da técnica de motion capture (que teve um avanço decisivo em 2011, quando Steven Spielberg realizou as suas Aventuras de Tintin). Dito de outro modo: há um actor que representa Robbie Williams — não o próprio, mas Jonno Davies — para que mais tarde, na pós-produção, através de sofisticadas manipulações digitais, surja a personagem que vemos no ecrã: um chimpanzé que dá pelo nome de... Robbie Williams. Não estamos perante uma caricatura, quanto mais não seja porque a diferença física está longe de ser a componente dramática que faça avançar o filme: desde as cenas da infância, as outras personagens lidam mesmo com Robbie com a mesma naturalidade com que encarariam a sua imagem humana. Ele é diferente porque é... diferente! Que a sua diferença o faça surgir como um pequeno, enérgico e inteligente símio, eis uma ironia tratada com desarmante naturalismo. No plano biográfico, a Better Man não faltam dados concisos, assumidos com um misto de frieza e candura: a paixão da música, as emoções e contradições de quem procura avidamente a fama, o período em que Robbie Williams integrou os Take That, as tragédias resultantes da dependência de drogas, a relação atribulada com Nicole Appleton (da banda feminina All Saints), a desintoxicação, o reencontro com o pai... E se é verdade que tudo isso, paradoxalmente ou não, envolve qualquer coisa de documental, não é menos verdade que o filme vale, sobretudo, pelo facto de nunca desistir de se conceber e elaborar como um enérgico espetáculo musical. Uma vanguarda visual Na singeleza dos seus propósitos, incluindo uma contagiante energia visual, Better Man é um sintoma dos muitos cruzamentos tecnológicos que, hoje em dia, marcam vários sectores da produção audiovisual global. Afinal de contas, não podemos secundarizar o facto de o seu realizador, o australiano Michael Gracey, ter uma carreira ligada aos estúdios Animal Logic (sediados em Sydney, integrando a Netflix Animation desde 2022), empresa reconhecida pela suas competências no domínio dos efeitos visuais. Esta é apenas a segunda longa-metragem de ficção em que Gracey assume as tarefas de realização, sete anos depois de O Grande Showman, brilhante musical em que Hugh Jackman interpreta P. T. Barnum, lendário pioneiro dos espetáculos musicais do século XIX; pelo meio, Gracey dirigiu também Pink: All I Know So Far (2021), documentário sobre uma digressão da cantora Pink. Dir-se-ia que o trabalho de Gracey representa a atual vanguarda de um processo, de uma só vez industrial e artístico, cujas raízes estão no começo da “idade dos telediscos”, iniciada há quatro décadas pela MTV. Apesar da patética decadência da MTV (contaminada pelos horrores da Reality TV), um filme como Better Man vem provar que ainda há quem valorize as relações viscerais entre cinema e música. .'A História de Souleymane'. Drama nas ruas de Paris .'Pequenas Coisas como Estas'. Um drama irlandês