Na década de 1970, o cinema de Hong Kong adquiriu uma imagem de marca que cruzava a figura mítica de Bruce Lee e os filmes de kung-fu com chancela da Golden Harvest. Escusado será dizer que essa imagem, já insuficiente na época, se tornou totalmente irrelevante para descrever a produção atual de Hong Kong. Em termos simbólicos, podemos mesmo dizer que, pelo menos desde o impacto de In the Mood for Love/Disponível para Amar, de Wong Kar-Wai, no Festival de Cannes de 2000, Hong Kong é uma referência cinéfila plena de contrastes, das emoções do melodrama até ao puro “filme de acção”. A partir de amanhã, dia 25, no Cinema Ideal, será possível redescobrir tais contrastes na segunda edição da Mostra de Cinema de Hong Kong, uma organização da Associação Blue Lotus Lisboa, em colaboração com a Sociedade do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong — o evento tem direção artística de Vanessa Pimentel.Serão apenas seis filmes, até domingo, mas com uma sugestiva diversidade. O maior destaque vai obrigatoriamente para Four Trails (dia 28, 19h00), documentário que se tornou um dos maiores fenómenos de popularidade da mais recente produção de Hong Kong, tendo também valido ao seu autor, Robin Lee, a distinção de melhor realizador jovem na 43ª edição dos Prémios de Cinema de Hong Kong (no passado dia 27 de abril).Robin Lee, que estará presente na sessão, acompanha a edição de 2021 da Four Trails, a mais espetacular corrida do calendário desportivo de Hong Kong, uma espécie de hiper maratona: são 298 km através de quatro trilhos, com muitas variações de altitude. Objetivo: conseguir fazer o trajeto em menos de 60 horas, de modo a receber o título de “finalista” — quem conseguir chegar ao fim em menos de 72 horas será um... "sobrevivente”. Robin Lee consegue aquilo que se espera de um exercício documental deste género: dar conta de uma experiência física radical cujo desafio, como é fácil perceber, envolve também a equipa de filmagens.A mostra abre com Papa (dia 25, 19h00), de Philip Yung, uma variação trágica sobre as matrizes do melodrama familiar, já que a personagem central, um homem proprietário de um café, vê toda a sua existência virada do avesso quando o filho de 15 anos assassina a mãe e a irmã mais nova — Sean Lau, intérprete principal, foi distinguido como melhor ator nos prémios já referidos. Ainda que com peripécias bem diferentes, All Shall We Be (dia 26, 21h5), de Ray Yeung, desenvolve-se em terrenos dramáticos da mesma família narrativa, centrando-se na longa relação de duas mulheres — é um filme marcado por temáticas LGBTQ+, e também o único já exibido uma vez em Portugal (na edição de 2024 do Queer Lisboa).Reforçando a ideia de que a atual produção de Hong Kong valoriza as histórias vividas no interior de pequenos núcleos sociais, encontramos Never Too Late (dia 27, 19h00) e Montages of a Modern Motherhood (dia 27, 21h15), com assinatura de Rikki Choy e Chan Oliver Siu Kuen, respetivamente. A máxima expressa no título do primeiro (“nunca é tarde”) serve para caracterizar um grupo de personagens que, devido ao desgaste emocional da vida citadina, decidem procurar alternativas mais próximas dos elementos naturais; no segundo caso, o título (ao referir uma “maternidade moderna”) é também eloquente na caracterização da saga da figura feminina central, enfrentando as dificuldades de tratar do seu bebé perante a indiferença do marido.Realismo socialCuriosamente, esta predominância de filmes seduzidos pelas nuances psicológicas das personagens pode ser vista como efeito de uma herança ligada a títulos como aquele que servirá de encerramento oficial da mostra: Ah Ying (dia 28, 21h15), uma produção de 1983 realizada de Allen Fong, habitualmente reconhecido como um nome emblemático da “nova vaga” de Hong Kong. . Apresentado em cópia restaurada, o filme de Allen Fong faz o retrato de Ah Ying, vendedora de peixe num mercado de Hong Kong que, na sequência de uma crise amorosa, decide começar a frequentar aulas de representação — a sua transfiguração em atriz vai a par de uma observação detalhada do quotidiano, justificando que falemos de um realismo genuinamente social. A personagem de Ah Ying inspira-se na própria intérprete, Hui So Ying, que estará presente na sessão do Cinema Ideal..Festival de cinema Leffest abre com filme de Jim Jarmusch e estende-se à Amadora