Os cinco livros de R.F.Kuang abordam o racismo e a diversidade cultural. 
Os cinco livros de R.F.Kuang abordam o racismo e a diversidade cultural. Paulo Alexandrino / Global Imagens

R.F. Kuang: “O que tento fazer com os meus livros é levantar questões e encorajar o leitor a pensar”

A autora R.F. Kuang, de 28 anos, passou por Portugal e esteve à conversa com leitores e fãs. Os seus livros, premiados, fazem sucesso na rede social TikTok . Com o DN a escritora falou sobre os seus cinco livros e os próximos projetos.
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O livro Impostora (Yellow Face, em inglês) da escritora R. F. Kuang (Rebecca F. Kuang) mostra a força que um pseudónimo pode ter e como este pode mudar uma vida. Este best-seller do New York Times relata a vida de duas jovens que aspiram a tornarem-se escritoras - June Hayward e Athena Liu. Mas quando Athena morre num acidente, June rouba-lhe a história que escreveu baseada na vida dos trabalhadores chineses em Inglaterra e em França durante a Segunda Guerra Mundial. June consegue publicar a história da amiga, mas fá-lo sob um pseudónimo, Juniper Song e uma etnia diferente da sua.

R. F. Kuang conta ao DN que a ideia para este seu quinto livro surgiu durante o confinamento da pandemia de covid-19, altura em que passou a maior parte do seu tempo livre nas redes sociais,  e que lhe fez despertar o interesse pelas personas que muitos criam para a presença online.

“Nas redes sociais fabricamos coisas sobre nós próprios. Escolhemos as nossas melhores fotos e tendemos a partilhar só as coisas mais positivas. E muitos ainda usam nomes diferentes para a presença online. Na altura, recordo, estava realmente fascinada com a ideia de alguém apresentar uma identidade falsa e como outros reagiam a isso”, conta a escritora de 28 anos.

"Impostora"
R.F. Kuang
Tradução de Alexandra Cardoso
Editora Desrotina
328 páginas

Apesar de as temáticas da diversidade e do racismo serem recorrentes nos seus livros, Kuang explica que não quer transmitir nenhuma mensagem específica, mas sim encorajar os leitores a questionarem-se e a pensar. “Nunca tentei dar uma resposta fácil em nenhum dos meus livros, porque sinto que não tenho as respostas. O que eu tento fazer é  levantar uma série de questões que me parecem pertinentes e encorajar o leitor a refletir sobre elas”.

A escritora partilhou ainda que  ao apresentar a ideia de Impostora, a sua agente literária ficou com receio da reação dos leitores, sobretudo por ser um livro muito diferente dos anteriores. “Tive de a convencer de que era uma ideia viável. Acabou por concordar e decidiu colocá-lo no mercado”, recorda, explicando que não teve receio da reação dos leitores. “É o meu quinto livro e já sabia que algumas pessoas iam gostar e outras não. Não há um livro que satisfaça todos os leitores.” Contudo afirma que acredita na necessidade de “encontrar um público e saber que há pessoas que apreciam o nosso trabalho”.

E não estava errada. Nas redes sociais, principalmente no Tik- Tok, desde o seu lançamento que o livro tem sido muito comentado pela comunidade de criadores de conteúdos ligados à literatura.

Como tudo começou

R. F. Kuang  nasceu em Guangzhou, na China. E aos 4 anos mudou-se com a sua família para a cidade de Dallas, nos Estados Unidos. Recorda que desde criança que gosta de escrever e começou por fazê-lo a criar histórias fictícias criadas por fãs  da saga Star Wars. Nelas escrevia sobre as suas aventuras com uma das personagens principais dos filmes criados por George Lucas, o herói Luke Skywalker.

Para além de escrever, Kuang  é mestre em Filosofia, com duas especializações: Estudos Chineses e Estudos Chineses Contemporâneos, feitos pelas universidades de Cambridge e Oxford, respetivamente.

Recorda ao DN que foi buscar inspiração para o seu primeiro, e premiado , livro Guerra das Papoilas, publicado em agosto de 2023, numa passagem por Pequim, onde trabalhou durante um ano.

“Decidi pegar na mitologia chinesa e escrever o meu primeiro livro. Depois quando encontrei uma editora percebi que queria escrever para o resto da minha vida.”

O primeiro livro conta a história de Rin, uma jovem órfã do Sul  da China. A protagonista tem sucesso num teste  que encontra os jovens mais talentosos do Império Chinês, livrando-se assim da vida de serva a que estava destinada. Com isso a personagem entra numa escola militar e, por lá, depara-se com preconceito dos colegas ao mesmo tempo que descobre mais sobre os seus poderes e os vários deuses existentes neste universo.

Guerra das Papoilas venceu vários prémios, entre os quais: o Astounding Award for Best New Writer e os prémios Crawford e Compton Crook, entre outros. Assim, aquele que seria um só livro, rapidamente passou a uma trilogia com a publicação da continuação da história em República do Dragão e The Burning God (ainda sem tradução para português).

Em 2022, Kuang lançou o seu quarto livro: Babel.  Este leva o leitor a Oxford em 1836, onde se situa Babel, um prestigiado instituto de tradução da universidade daquela cidade. A personagem principal, Robin Swift, órfão natural da cidade chinesa de Guangzhou (a mesma onde nasceu a escritora), é levado para Londres por um professor, e ao entrar em Babel, rapidamente percebe que o instituto forma os estudantes para ajudar a Grã-Bretanha numa guerra contra a China.

Sem desvendar pormenores, a escritora avançou ao DN que Babel será adaptado ao ecrã em breve, estando a própria envolvida no filme.

O processo da escrita

Para Kuang, o seu processo criativo acontece através de várias ideias que vai tendo, mas nem todas se tornam em livros. Para avançar com um tema tem de  estar apaixonada pela assunto.

“Tenho de imaginar diferentes cenas para uma determinada ideia e só depois começo a escrever. Não faço um rascunho e nem existe uma planificação: escrevo, sobretudo, sobre temas que emocionam. É um processo caótico, mas é o único processo que funciona para mim”, desvenda.

Kuang explica também que não gosta não gosta de repetir as mesmas estruturas de histórias, nem de ideias de livro para livro: “Por isso, as minhas histórias são todas diferentes umas das outras.”

Atualmente está a trabalhar em dois  novos livros: um de fantasia intitulado Katabasis, que será lançado em agosto de 2025, e outro, juvenil, passado em Taipé, em Taiwan.

Sobre Katabasis adiantou que a história é sobre o Inferno. Dois rivais académicos são obrigados a descer ao submundo para salvar o seu orientador. Rebecca F. Kuang  descreveu a história como uma espécie Alice no País das Maravilhas que encontra o Inferno de Dante. “No livro o sistema mágico é baseado em paradoxos lógicos”, acrescentou.
Já o seu segundo projeto será  uma ficção contemporânea focada na identidade e no sofrimento.

Na sua visita a Portugal, R.F. Kuang mostrou-se surpreendida pela adesão dos leitores. “Nunca imaginei que os meus livros tivessem sucesso em Portugal. Foi muito especial estar em Lisboa e conhecer tantos leitores. E também aprendi muito sobre a cultura e a comida portuguesa.”

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