Estamos aqui em Belém, junto ao jardim do MAAT, onde se encontra a sua obra Port-All, que faz parte do projeto City Cortex. Pode explicar-nos um pouco melhor esse projeto e esta obra? A cortiça é um material pelo qual me apaixonei e ainda mais depois de visitar a fábrica da Amorim, há um ano, e de falar de todas as suas capacidades, da sua sustentabilidade natural, mas também da sua habilidade sensorial. E estava interessado em criar um projeto que refletisse ambos estes aspetos - o aspeto simbiótico e as capacidades físicas da cortiça. Portanto, surgiu a ideia de construir esta torre como um espaço de boas-vindas, uma vez que estamos perto da Torre de Belém. As torres servem geralmente de entrada; na Idade Média por vezes eram para manter as pessoas do lado de fora, mas eu quis criar algo acolhedor. .Parece-se um pouco com um farol, mas é uma torre? Pensei nela como uma torre e um portal - chama-se Port-All. Um portal para a cidade. E quis dar-lhe um aspeto sensorial - ou seja, quando estamos no interior, está um pouco mais fresco, os sons mudam, é um momento de calma e descanso da cidade e dos barulhos que nos rodeiam. Simbolicamente, tornou-se num local de acolhimento para as pessoas da cidade e as pessoas que vêm à cidade. .A própria cor é diferente no interior, que é verde. Quando trabalho em projetos é sempre importante para mim fomentar a criatividade das pessoas. Neste caso, para cobrir uma torre, um espaço circular, tanto no interior como no exterior, não é fácil pensar no ladrilho como um sistema repetível. Por isso desenvolvemos um ladrilho especial, que, pelo seu perfil, permite a sua dobragem em qualquer espaço interior ou exterior..É flexível, portanto. Sim, queríamos dar este padrão repetitivo com os ladrilhos, e, claro, os ladrilhos, os azulejos, são também um símbolo de Lisboa e de Portugal. A ideia de fazer um ladrilho de cortiça que pudesse ser usado para repetir esta impressão sensorial que damos à torre, tanto no exterior como no interior, nasceu mais na parte de design industrial do projeto. Estou sempre a pensar em sistemas, em repetibilidade e em como a minha criatividade pode ser usada para criar o meu uso próprio da cortiça, deste material único. .A ideia de usar cortiça nasceu com a sua visita à fábrica da Amorim, há cerca de um ano, ou, vivendo o Yves parte do ano em Portugal, já tinha pensado em utilizar este material? Já conhecia a cortiça há muito tempo, das minhas visitas ao Alentejo, obviamente, mas quando vim para Portugal há três anos foi a oportunidade de começar a usá-la, porque o acesso ao material é tão mais fácil aqui. Por exemplo, usámos cortiça nas paredes e assentos de uma casa que renovei aqui em Lisboa. Na verdade, usámos muita cortiça. O cheiro, o isolamento do som, o conforto - quando caminhamos sobre ela tem um efeito amortecedor -, todos estes elementos fizeram-me gostar ainda mais da cortiça..Também é um material que se coaduna com a sua preocupação com a sustentabilidade… Sim, é um material do passado que é também um material para o futuro. Os sobreiros são resistentes às alterações climáticas. Tenho um amigo que tem uma propriedade e um hotel no Alentejo, e no ano passado, tirando as casas, o fogo queimou tudo, mas os sobreiros sobreviveram. O facto de consumirem muito pouca água, de se ter de cuidar do sobreiro durante 25 anos antes de tirar a primeira cortiça, depois, de tirar de nove em nove anos, a paciência é recompensada. .É um material que vai continuar a usar noutros projetos? Estou a usar cada vez mais a cortiça em novos projetos. Sou cofundador de uma empresa de carros elétricos chamada Telo e estamos a usar cortiça nos veículos, pois é um material mais leve e mais sustentável. Estou também a usá-la num barco a energia solar que estamos a desenvolver. Vejo muitas oportunidades diferentes em que a cortiça tem um desempenho melhor do que a madeira tradicional ou do que materiais sintéticos. .Como é para si trabalhar num projeto como este do City Cortex, que junta designers e arquitetos de diferentes geografias, como o português Souto de Moura, o espanhol Gabriel Calatrava ou a dupla americana Leong Leong? Neste tipo de exploração em grupo de um material e da melhor forma de tornar um local mais dinâmico, acho interessante ver as perspetivas dos outros, seja a de um designer gráfico, como Stefan Sagmeister, ou de um arquiteto, como Souto de Moura ou Liz Diller. A diversidade de pensamento é ótima e revela uma multitude de ideias diferentes a que a cortiça se pode aplicar. Eu pessoalmente adoro colaborar e fazer parte de algo com outras pessoas criativas. É sempre divertido reencontrar velhos amigos ou conhecer pessoas novas que admiramos e ver como os nossos projetos se intercetam. .Só para percebermos melhor este projeto, foram vocês que escolheram o local onde a vossa obra ia ficar? O que fizemos foi, com a Guta Moura Guedes, demos uma volta por esta zona para ficarmos com uma ideia. Eu adoro o MAAT, adoro o museu da Eletricidade, o museu dos Coches. Foi ao caminhar por aqui que surgiu a ideia de criar uma torre. O projeto foi muito centrado no local e por isso Guta fez questão que todos visitassem e percebessem esta zona, as suas oportunidades e desafios. Para mim, o design tem muito a ver com o contexto. Não basta largar uma coisa com estilo num sítio qualquer. E o local foi muito importante quando decidi criar uma torre com um sistema de ladrilhos de cortiça. .Falando um pouco sobre si. Estudou desenho e design industrial. Sempre soube que esta era a carreira que queria seguir? Sou um sortudo, no sentido em que descobri o que adoro fazer quando tinha 14 ou 15 anos, na Suíça. E desde então nunca mais pensei noutra atividade profissional. Foi uma espécie de chamamento. E tem sido incrivelmente gratificante, porque o design é sempre difereª*nte, um dia estou a trabalhar num ladrilho de cortiça, no seguinte estou a trabalhar num projeto para países em desenvolvimento, como o One Laptop per Child, e no seguinte estou a trabalhar em novas aplicações tecnológicas, como o primeiro altifalante bluetooth, como o Jambox, como as primeiras luzes LED. E assim a capacidade de aplicar a nossa experiência e habilidade em tantos projetos diferentes realmente mantém-nos empenhados, a investigar, a explorar. Além de fomenta o que chamamos polinização cruzada entre projetos. Trabalhei um pouco com cortiça em Portugal e depois pensei: como é que posso usar a cortiça num carro, ou num produto, ou num barco, neste caso. Estar envolvido em tantos tipos diferentes de projetos, na verdade, multiplica a produção e as possibilidades criativas..Já trabalhou com clientes de várias áreas - da Apple à Puma, Kodak, Swarovski, Samsung, Prada. Algum que tenha sido mais desafiante? A inovação é sempre um desafio. Inventar coisas novas é desafiante. É preciso estar confortável com o fracasso, porque como designers falhamos todos os dias. Tentamos uma determinada abordagem, uma determinada aplicação, e o que acontece é que vamos aprendendo através destes microfalhanços. Logo, estar confortável com o risco, com os desafios da inovação, é o que nos permite inovar e encontrar a melhor solução. .Nasceu em Lausanne, cresceu na Suíça, Quando pensamos em design e arquitetura, na Suíça é impossível não pensar em Le Corbusier. Foi uma inspiração para si? A arquitetura sempre foi uma grande fonte de inspiração. O design, para mim, é uma espécie de arquitetura para todos, no sentido em que todos podem tomar uma decisão para a sua casa - quer seja própria ou arrendada. O design é a arquitetura acessível. Tenho muitos amigos que são excelentes arquitetos e tenho muita admiração e sou muito inspirado pela arquitetura. Eu próprio tento aplicar o design a projetos arquitetónicos. Gosto de desenhar interiores e espaços institucionais, também tenho alguns projetos residenciais, projetos na área da saúde. Por exemplo, desenhámos um sistema de mobília robótica que permite viver com mais conforto e de forma mais inteligente em apartamentos muito pequenos. .Quando pensamos em Suíça, pensamos em queijos, chocolates, relógios, bancos. Mas há mesmo um movimento chamado Swiss Design. Também é algo que faz parte do país? Quando se vive num pequeno país com recursos limitados, o design é uma forma eficiente de fazer as coisas. Julgo que em Portugal é semelhante - os recursos que têm precisam de ser usados de forma eficiente, da forma mais relevante para as vidas das pessoas. De certa forma, quando se olha para o design português ou suíço, eles vêm de uma formação humilde do país. A Suíça não foi um país sofisticado durante a maior parte da sua história - teve de aprender a usar os seus recursos da forma mais eficiente e sustentável possível. Era essencial um alto nível de habilidade, um alto nível de engenharia, resolução e disciplina. Todas estas são qualidades suíças, mas também são as que encontro em Portugal. .O Yves é o que se pode chamar um produto multicultural. A sua mãe é alemã, o seu pai é turco, judeu sefardita. Viveu na Suíça, vive nos Estados Unidos e parte do ano em Portugal. Esta mistura de culturas é importante no seu trabalho? Acho o design uma habilidade muito portátil. Quer esteja na Ásia, quer esteja na Europa, quer esteja nas Américas, o design é uma linguagem universal que todos entendem. Obviamente, o contexto pode ser diferente. O material e a disponibilidade desses materiais podem ser diferentes. Mas ter a sensação de estar confortável em diferentes culturas e ser um bom ouvinte, ter empatia, todas essas qualidades são importantes para um designer. A minha própria história é um reflexo do que é o design, que é uma arte fluida ou um conjunto fluido de habilidades criativas que são transportáveis e que podem falar para qualquer cultura. Por isso estou honrado e entusiasmado por estar a fazer algo visível em Portugal, porque é o meu país de adoção. Gosto das pessoas, gosto do espaço. Poder participar de alguma forma nas conversas e na materialidade que é muito daqui, e espero acrescentar algo a essa conversa. É muito emocionante para mim. Não sou uma pessoa que acredita em estar separado ou numa bolha. Acho que o design se aplica no terreno, com as pessoas, em oficinas de artesanato, em parceria com engenheiros, em parceria com empresas, e poder fazer isso aqui tem sido bastante revelador para mim e faz-me sentir que pertenço..Algum novo projeto de que nos possa falar? Sim, estamos a pensar noutros projetos altruístas como este. Estamos a falar com algumas empresas de móveis. Estamos a falar com fabricantes de automóveis aqui em Portugal também..Álvaro Isidoro / Global Imagens.Álvaro Isidoro / Global Imagens.Álvaro Isidoro / Global Imagens.City Cortex: arte em cortiça pela cidade.Se costuma ir passear para a zona de Belém, já terá reparado nas obras de arte em cortiça que ali surgiram nos últimos dias. São parte do projeto City Cortex, que une design e arquitetura em prol de cidades mais sustentáveis. Para tal, a Corticeira Amorim, a experimentadesign e a Artworks desafiaram arquitetos e artistas de renome internacional - como Eduardo Souto de Moura, Gabriel Calatrava, Elizabeth Diller, Dominic Leong, Stefan Sagmeister e Yves Béhar - a criarem projetos para espaços públicos e semipúblicos a partir de cortiça. Os oito projetos estão expostos nas zonas ribeirinhas, nas margens norte (Belém) e sul do Tejo (Trafaria), criando um museu ao ar livre.