O que diferencia o projeto de arte nas prisões "As Portas que a Poesia Abriu" em relação a outras iniciativas artísticas envolvendo reclusos é o "profissionalismo" com que foi desenvolvido. Foi a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, quem o disse ao DN na apresentação do projeto esta sexta-feira, dia 28 de novembro, no Estabelecimento Prisional (EP) de Tires. O profissionalismo a que a governante se refere tem a ver com o mecenato do grupo dst, de que é presidente José Teixeira, e o envolvimento da sua galeria, a ZET, a quem coube escolher os artistas que trabalharam com os reclusos no Estabelecimento Prisional de Leiria e na Casa das Mães, em Tires. Foi a diretora-geral da ZET, Helena Mendes Pereira, quem convidou o artista Ilídio Candja Candja a trabalhar com cerca de 15 jovens reclusos de Leiria e Fernanda Fragateiro a elaborar um projeto com as mulheres mães na prisão de Tires.Ilídio Candja Candja criou com os jovens um conjunto de desenhos que depois foram desenvolvidos e usados num mural. Em relação à intervenção na Casa das Mães, "nunca tive dúvidas de que seria a Fernanda Fragateiro, para resolver bem este espaço, que é difícil, é um espaço complexo e emaranhado. Ela trabalha muito a palavra e as cores, além de ter as características humanas certas", sublinha Helena Mendes Pereira. .Foi a galerista quem nomeou o projeto "As Portas que a Poesia Abriu" e que corresponde à participação portuguesa na iniciativa “As Portas da Esperança – Jubileu 2025”, promovida pelo Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, do qual é prefeito o cardeal Tolentino de Mendonça, que também marcou presença esta sexta-feira no EP de Tires e agradeceu ao governo português a abertura para a acolher o projeto. Para o levar a cabo foi estabelecido um protocolo de cooperação entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a Fundação Jornada e a galeria ZET. A Fundação Jornada foi criada em 2019 para a preparação da Jornada Mundial da Juventude realizada em Lisboa em 2023, e que trouxe o Papa Francisco a Portugal. Agora tem como missão "perpetuar o legado deixado pelo Papa Francisco aos jovens". Tolentino de Mendonça lembrou que "na Bula do Jubileu o Santo Padre colocou as prisões como prioridade", e que "sem dúvida que a realidade das prisões precisa deste apoio". O cardeal sublinhou que "como Santa Sé acreditamos muito neste projeto que começou em Portugal e depois passa para Itália, em dezembro". Em Itália serão 12 projetos. Ao DN, Tolentino de Mendonça adiantou que o "entusiasmo em Portugal" em torno da iniciativa fará com seja possível "alargá-la temporalmente", devendo ser repetida nos próximos anos. Para o prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé, "a arte vai à frente, abre caminhos, pistas novas, fareja possibilidades para as comunidades sociais. É um projeto participativo, e é um projeto artístico que nos diz muito". .Fernanda Fragateiro trabalhou durante cerca de um mês e meio, às segundas e sextas, com entre dez a 12 reclusas, com a ideia de intervir no espaço, como já tinha feito numa escola secundária anteriormente. "Foi a mesma estratégia do Camões. Usar arte muito abstrata que faz com que o espaço se expanda, tornando-o mais luminoso, tornando-o estranho", diz a artista ao DN apontando para um quadrado amarelo num canto de uma parede do refeitório da Casa das Mães, e para outro, azul, na parede oposta. .Nas paredes também se veem frases. Explica Fernanda Fragateiro que foi feita uma lista de 300 palavras e que foram escolhidas dez. E para cada uma delas foi selecionado um poema, em colaboração com Luiza Teixeira de Freitas. As frases que se veem nos vários espaços da Casa das Mães vieram desses poemas. As reclusas também fizeram desenhos em cartolinas inspirados nos Livros ilegíveis do artista italiano Bruno Munari, formas geométricas com cor, cujas padrões deram origem a almofadas. As cartolinas transformaram-se num mural exposto numa das paredes do refeitório. . No âmbito deste trabalho com Fernanda Fragateiro, as reclusas quiseram pintar as portas das celas, que eram cinzentas, nas quais também inscreveram uma palavra. As cores foram escolhidas pela artista. Com as sobras das tintas também pintaram o interior da cela, onde se vê, na maioria das celas, junto a uma cama de solteiro, uma de bebé. "Quisemos criar um espaço melhor, para não ser tão pesado para cumprir pena e para as crianças", diz uma das reclusas ao DN, que tem com ela naquela casa uma criança de um ano e três meses. A sua porta é azul e tem escrita palavra "praia". Outra mulher tem uma porta lilás e a palavra "saudade". Está lá com duas meninas gémeas de 11 meses, e sairá em liberdade para o ano. Na ala com as portas pintadas em degradê também se lê "pérola", "harmonia", "brilho", "aurora", "utopia", "abraço" ou "breve". Fernanda Fragateiro diz que deste projeto resultaram "duas coisas importantes: o que o espaço ganhou, é uma coisa que fica. A outra coisa é mais imaterial - a união das reclusas para levar o projeto para a frente, a forma como foram vistas, o respeito entre todos".