Nuno Miguel Silva Duarte, vencedor do Prémio Leya 2024
Nuno Miguel Silva Duarte, vencedor do Prémio Leya 2024

Prémio Leya distingue romance sobre os anos finais da ditadura

Foi com um romance sobre a sociedade portuguesa no final da ditadura que o publicitário Nuno Silva Duarte venceu o Prémio Leya 2024. 'Pés de Barro', assim se intitula a obra, é também o seu romance de estreia.
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Chama-se Nuno Miguel Silva Duarte, é publicitário de profissão, tem 51 anos e diz-nos ao telefone: “Sinto-me o homem mais feliz e surpreendido do mundo. Hoje já me ligaram o Manuel Alegre e uma jornalista do DN.” Isto porque, ao primeiro romance, Nuno conquistou o Prémio LeYa 2024, com o romance Pés de Barro, que proporciona ao leitor "um retrato dos anos 1960 e um anúncio metafórico do 25 de Abril", segundo declarou, esta quarta-feira aos jornalistas, o presidente do júri, Manuel Alegre.

De acordo com a declaração de voto, Pés de Barro tem como pano de fundo a construção da primeira ponte sobre o Tejo, em Lisboa, e dá-nos um retrato do Portugal dos anos sessenta. Por um lado, está a formação de um exército proletário “mobilizado” para a construção da ponte, por outro, entre os pilares que estão a ser erguidos, navegam já os primeiros transportes de tropas portuguesas para as colónias levantadas em armas contra a opressão salazarista. “Obra que actualiza a tradição do romance político-social, Pés de Barro polariza o seu realismo histórico no quotidiano de um pátio em Alcântara e nas razões de viver dos que nele se acolhem. Através de movimentos com diferentes horizontes de sentido para concretizar esse signo de logro de desastre em que a ponte se contruiu, Pés de Barro encaminha-se para o anúncio metafórico do 25 de Abril.”

Natural de Sintra, mas considerando-se lisboeta (embora não de Alcântara), Nuno conta-nos que lhe pareceu literariamente interessante cruzar estas duas histórias do fim de regime: “Quis falar das pessoas que construíram a ponte e sobre as quais se sabe muito pouco. Deparei-me com coisas que me chocaram, como as condições de vida existentes no Casal Ventoso, por exemplo, onde não só havia muitas barracas, como ainda havia famílias a viver em grutas.” Mesmo ao lado, por esses anos, conta-nos, “fazia-se o embarque dos soldados para a guerra colonial. Os relatos das despedidas eram terríveis, com testemunhas a dizerem que os gritos das mães se ouviam na margem sul. Esta confluência de situações tão diversas interessou-me muito.”

Nuno Silva Duarte venceu aquela que foi, como salientou Pedro Sobral, diretor geral do grupo Leya, a “edição mais concorrida de sempre do prémio”, já que foram recebido 1123 originais, provenientes de 15 países, a maioria de Portugal e do Brasil, mas também de França, Cabo Verde e Alemanha, entre outros. Desses 1123 concorrentes, foram selecionados oito finalistas. Este prémio, que já distinguiu 13 romances, tem um valor pecuniário de 50 mil euros, o que o torna o maior prémio literário para romances inéditos, em Portugal.  O júri presidido por Manuel Alegre foi constituído pelo professor da Universidade de Coimbra, José Carlos Seabra Pereira; a jornalista e crítica literária portuguesa Isabel Lucas; o antigo reitor da Universidade Politécnica de Maputo, Lourenço do Rosário; a poetisa e historiadora, Ana Paula Tavares, e a jornalista e historiadora brasileira, Josélia Aguiar.

“Embora ainda não consiga verbalizar o que isto significa para mim”, diz-nos ainda o vencedor, “sinto-me recompensado por, nos últimos 10 anos, ter ido atrás da minha curiosidade sobre o modo como se juntam palavras e constrói um romance, que é uma coisa tão grande. Como publicitário, estou mais habituado a contar histórias em 30 segundos. A dado momento, fui fazendo tentativas, até que tomei coragem para enviar este original a concurso.” Ansioso por ver o seu texto tomar forma de livro, Nuno confessa dois desejos: “Embora este seja um trabalho de ficção, gostaria de não defraudar as memórias das pessoas que trabalharam na construção da ponte e do próprio bairro de Alcântara, que tem uma identidade tão vincada, apesar da gentrificação da cidade.”

Com Nuno Silva Duarte, o Prémio Leya volta a distinguir um escritor português, o que não acontecia desde 2021, quando foi entregue a José Carlos Barros. Em 2022 e 2023, o prémio foi atribuído a Celso Costa e Victor Vidal respetivamente, ambos brasileiros. Instituído em 2008, este título distinguiu até à data os livros de O Rastro do Jaguar, de Murilo Carvalho; O Olho de Hertzog, de João Paulo Borges Coelho (2009); O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro (2011); Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camarneiro (2012); Uma Outra Voz, Gabriela Ruivo Trindade (2013); O Meu Irmão, Afonso Reis Cabral (2014); O Coro dos Defuntos, António Tavares (2015); Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho (2017); Torto Arado, de Itamar Vieira Junior; (2018); As Pessoas Invisíveis, José Carlos Barros (2021); A Arte de Driblar Destinos, Celso Costa (2022) e Não há Pássaros Aqui, Victor Vidal (2023).

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