O convite do Vaticano para Javier Cercas acompanhar o papa Francisco numa viagem à Mongólia foi a razão do novo “romance” que o autor publicou este ano. O sumo pontífice iria viajar até um país budista e o editor da Libraria Editrice Vaticana, Lorenzo Fazzini, sugeriu a Javier Cercas que o acompanhasse. O país era a Mongólia, que tem apenas 1500 católicos, e acompanhar a deslocação não continha qualquer condição: “Estranhei o convite, afinal o livro nem deverá ser publicado na Mongólia, nem eu sou um crente”. Porquê eu? Era a pergunta que Cercas fez sucessivas vezes, antes, durante e depois de terminar o livro, mas as respostas poderiam ser muitas; o que não ignorava era a possibilidade de poder visitar o Vaticano sem proibições e falar com quem quisesse: “Se a Mongólia é um lugar exótico, o Vaticano ainda o é mais. E o que me ofereciam não era apenas a viagem, era o Vaticano de portas abertas. Quem é que não quer saber tudo sobre esse pequeno Estado, a Igreja Católica e falar com o papa?”Para Javier Cercas a resposta positiva ainda demorou uns dias a ser dada ao Vaticano, pois, como se classifica logo na entrada, é ateu, anticlerical, laico militante, entre outras justificações para aceitar a proposta. No entanto, acabou por o fazer: “Eu tinha muito preconceitos sobre a Igreja Católica, o que fiz foi eliminá-los todos e chegar ao Vaticano com o olhar limpo e assim poder compreender o que representa a instituição hoje em dia. A mim, de pouco me interessava o que se diz que se passa no seu interior, o que queria era saber a verdade e poder estar dentro do Vaticano e fazer todas as perguntas: o que se diz é verdade? Quem é que manda? Quem é este senhor Francisco que governa a Igreja? Esse era o exercício que me seria autorizado e não podia deixar de o aceitar. Nunca houve um livro como este, nenhum escritor foi autorizado a entrar num lugar assim nos últimos dois mil anos de história da Igreja Católica.”A grande pergunta a fazer a Javier Cercas era se a investigação e a escrita deste livro fizeram com que alterasse a sua opinião sobre a Igreja Católica e Deus? A resposta resume-se a uma única palavra: “Totalmente”. Isto não significa que se tenha convertido, mas sim “ter alterado a minha visão sobre a Igreja Católica, do cristianismo, do Vaticano, ou seja, de tudo o que ao assunto diz respeito”. Justifica enquanto escritor: “Cada livro é uma aventura e se uma aventura não te muda é porque não o foi. A literatura é, primeiro, um prazer, mas também uma procura de conhecimento. Mais uma vez, se o conhecimento não te muda é porque também não foi uma aquisição de conhecimento.”Entre o que Javier Cercas alterou no seu modo de ser para escrever O Louco de Deus no Fim do Mundo foi ignorar o preconceito: “O esforço principal foi o de eliminar todos os preconceitos que tinha e ver o que estava à minha frente como se fosse a primeira vez e não o que todos os que nasceram em países de tradição católica, sejam crentes ou não, têm dentro de si.” Em seguida, o facto de ter perdido a fé aos 14 anos, “como a maioria dos europeus da minha geração, não quer dizer que não tenha inveja de quem a tem, da serenidade e da força proveniente daquilo a que chamo um superpoder, que era o caso da minha mãe, a quem muito se deve este livro, porque queria saber se ao morrer voltaria a encontrar o meu pai.”“A fé não é algo voluntário”, resume Javier Cercas, aproveitando uma entre as várias conversas que teve com dignitários da Igreja Católica ou no Vaticano, como a com o cardeal Tolentino de Mendonça: “Dialogámos muito, é um grande poeta, e perguntei-lhe se a fé não era também uma intuição poética, e ele não discordou. Questionei o papa com a mesma pergunta e ele respondeu diferente: «Que a fé é um dom ou uma prenda». Acho que as respostas se completam, no entanto nem a intuição poética nem o dom são voluntários: ou os temos ou não. Não imagino como será voltar a recuperar a fé nem como ou se se o poderá fazer.”Poder-se-á afirmar que a religião é a maior invenção do homem é o que se questiona. Javier Cercas hesita um pouco, mas logo responde: “A maior invenção… é complexo; creio que corresponde a uma necessidade profunda do ser humano, isso sim. Que se pode usar para o bem ou para o mal. Graças à religião temos coisas fantásticas, mas também se cometeram muitos crimes em seu nome. É como a tecnologia, depende da sua utilização”.Ter conhecido a Igreja Católica e o Vaticano como ninguém, conversado com o papa, são situações que poderão alterar a posição do escritor perante a religião, é a pergunta que se faz a Javier Cercas: “Se me converti ao cristianismo? Não, nem pensar.” Aliás, o editor Fazzini avisou-me várias vezes: “Javier, se te converteres, não o reveles pois não irás vender livros. Revela apenas daqui a uns anos e então terás outro novo sucesso.” Falando de sucesso, a publicação deste livro teve uma coincidência estranha, a de o papa Francisco ter morrido dias antes do seu lançamento: “Há quem diga que foi uma operação de marketing, o que não poderia ser verdade. Francisco estava muito doente e foi uma coincidência. O livro está repleto de coincidências, esta foi mais uma.” .O LOUCO DE DEUS NO FIM DO MUNDOJavier CercasPorto Editora444 páginas LANÇAMENTOSA AMEAÇA DO FASCISMOA publicação deste Uma Aldeia no Terceiro Reich vem numa altura muito oportuna, pois faz o relato de uma aldeia tão isolada do resto da Europa que nada de malévolo poderia acontecer no lugar, no entanto a ascensão do regime nazi veio demonstrar que todos podem ser afetados pelo mal. Entre as conclusões que se podem retirar desta narrativa é a de que é preciso lutar no tempo certo para evitar o perigo de um dirigente partidário que mente e deseja nada mais do que um regime de falsas promessas. .UMA ALDEIA NO TERCEIRO REICHJulia Boyd e Angelika PatelD. Quixote395 páginas TRAIÇÃO AO FASCISMOO regime nazi não foi capaz de enganar tudo e todos e o autor deste thriller monta uma narrativa inteligente sobre um grupo de alemães que contestam o regime nazi e Hitler e organizam-se de forma a barrar a sua progressão. No entanto, entre os traidores há um traidor que irá provocar uma alteração nos planos. Como se refere na contracapa, “uma história que tem profunda ressonância moral com o nosso tempo”. .O CÍRCULO DOS TRAIDORES DE HITLERJonathan FreedlandBertrand430 páginas