Ao chegar à 12.ª edição, o Porto/Post/Doc confirma as virtudes de uma estratégia que, sendo essencial na trajetória do festival, está também presente nas zonas “alternativas” dos mercados contemporâneos. A saber: as fronteiras entre documentário e ficção são cada vez mais voláteis e também, em termos artísticos, mais estimulantes. Daí, por certo, as escolhas para as sessões de abertura e encerramento: amanhã, quinta-feira, dia 19, no Batalha Centro de Cinema, a programação arranca com Romería, da espanhola Carla Simón, revelado em maio na competição de Cannes; no dia 29, no mesmo lugar, a festa termina com Father Mother Sister Brother, o filme que, em setembro, valeu ao americano Jim Jarmusch o Leão de Ouro de Veneza.A multiplicidade de propostas reflete um entendimento do cinema que se quer eminentemente político. Que é como quem diz: exterior aos caminhos mais convencionais das formas de fazer política. Ao apresentar esta edição, Dario Oliveira, diretor do Porto/Post/Doc, propõe mesmo uma experiência alheia a qualquer rotina: “Deixamos um convite a todos: e se, por uma semana das nossas vidas, desviássemos a nossa atenção para os artistas, para o cinema, num ato de liberdade tão urgente quanto consciente? Propomos um programa cultural para todos, inclusivo e representativo, que nos permite, durante dez dias, deixar em pausa as agendas dos políticos que habitualmente gerem as nossas vidas e nos representam.” Aliás, o seu texto começa com uma eloquente citação de Pier Paolo Pasolini: “Um artista, se for altruísta, é sempre um protesto vivo.” . Importa destacar a secção cujo título sugere, justamente, um programa de descoberta: “O Tempo de uma Viagem.” Aí será possível ver ou rever Nomad: In the Footsteps of Bruce Chatwin, documentário assinado em 2019 pelo alemão Werner Herzog, que se inspira na herança literária de Chatwin para uma aventura nómada, de uma só vez geográfica e filosófica, de descoberta de outros povos e paisagens. Na mesma secção surge a “versão completa” de Yol, do turco Ylmaz Günei, Palma de Ouro de Cannes/1982, que em Portugal foi um dos símbolos da época áurea das salas independentes (cunhadas de “cinemas de arte e ensaio”): a partir da história de cinco prisioneiros em licença temporária, deparamos com um contundente retrato das feridas internas da sociedade turca; Günei escreveu o argumento na prisão, incluindo indicações muito precisas de rodagem que seriam seguidas pelo seu assistente Serif Gören - ambos assinam a realização.A par do habitual “Cinema Falado”, “mosaico vivo da língua portuguesa e das múltiplas realidades que a atravessam”, haverá uma competição internacional dividida em duas zonas, uma de longas, outra dedicada a médias e curtas-metragens. Na primeira estarão por exemplo, Only on Earth, da dinamarquesa Robin Petré, sobre a vaga de incêndios na Galiza no verão mais quente de que há registo, e Flophouse America, uma visão da crise habitacional nos EUA pela norueguesa Monica Strømdahl. Na segunda, o destaque vai para Rolle Workshop, a Journey, uma memória do estúdio de trabalho de Jean-Luc Godard (1930-2022) com assinatura dos seus colaboradores Fabrice Aragno e Jean-Paul Battaggia. . Cinema & músicaNa secção “Foco” surgem os ciclos de Lina Soualem e Andrei Ujica. Ela é francesa, filha de pai argelino e mãe palestiniana, com uma obra marcada pelos temas cruzados da pertença histórica e do exílio. Quanto ao romeno Ujica, tem como título incontornável da sua filmografia o monumental A Autobiografia de Nicolae Ceausescu (2010), já estreado no circuito comercial português - entre os seus títulos a exibir inclui-se também a curta 2 Pasolini (2000), sobre Pier Paolo Pasolini durante a preparação de O Evangelho Segundo São Mateus.Além de iniciativas paralelas como uma ação de formação para profissionais de Educação, convém não esquecer o espaço “Transmission” dedicado às ligações cinema/música. Aí serão revelados Orlando Pantera, sobre o músico cabo-verdiano, coprodução Portugal/Cabo Verde, realizada por Catarina Alves Costa, e Filhos do Meio - Hip Hop à Margem, de Luís Almeida, uma revisão histórica do rap da margem sul do Tejo..Aventuras de João Botelho no país de Paula Rego .'Frankenstein' à deriva na Netflix