Neste seu livro fala sobre história, mas sobretudo como a natureza afeta a história humana. Olhando, por exemplo, para o Império Romano, que existiu durante muitos séculos e incluiu territórios em três continentes, é possível ver na sua história, e estou a falar também do período da República, os resultados dessa complexa relação entre a ação humana e a natureza? Vou dar-lhe um exemplo. Roma era uma cidade importante no Mediterrâneo Ocidental já no tempo da República. Foi bastante bem-sucedida militarmente contra todos os seus vizinhos e construiu sob Júlio César efetivamente um extenso império em tudo menos no nome, mas o momento mais importante de transformação de Roma veio com a conquista do Egito. O Egito é o celeiro de todo o Mediterrâneo. E a forma como aconteceu a integração no Império Romano é uma história ambiental. Depois da morte de Júlio César em 44 a.C., os assassinos tiveram de ser perseguidos e capturados. Apesar da impopularidade de Júlio César, a justiça tinha que ser feita. Depois, seguiu-se a guerra civil entre os seus herdeiros. Alguns meses depois do assassínio de Júlio César, houve uma erupção vulcânica no Alasca. As erupções vulcânicas colocam muito material na atmosfera. Podem bloquear os raios solares, de modo que a fotossíntese se torna mais fraca e também o enxofre reage com a humidade da atmosfera e esta reflete uma parte da radiação do Sol de volta ao espaço. Normalmente o que acontece é que há falhas nas colheitas, mesmo muito longe. E temos muitas fontes que nos dizem que nesse ano no Egito a colheita foi muito má, o Nilo não inundou adequadamente, houve tempestades incomuns, o Sol estava muito fraco no céu, as pessoas não conseguiam perceber por que não estava tão quente como era habitual. Claro, se tudo resultou de um vulcão longínquo, como poderiam saber? E o que acontece, como é totalmente previsível, é que há menos comida, os preços sobem. À medida que os preços sobem, os especuladores aumentam ainda mais o preço, e por aí fora. De repente, o Egipto torna-se altamente instável. Cleópatra, que é uma governante incrivelmente talentosa, fala oito línguas, faz o que qualquer governante bom e sensato faria naquela situação: aliar-se aos romanos. E aposta em Marco António, que é o queridinho das legiões, é também o mais maduro e experiente, em comparação com Lépido e sobretudo Otávio, os outros envolvidos na guerra civil. Mas a aposta que faz acaba por ser má. De início, obtém garantias territoriais e consegue mesmo a expansão do Egito para a Galileia e a Judeia. O maior problema que Cleópatra tinha durante aquela crise não era ser uma mulher, ser uma rainha, mas sim ser descendente de generais gregos. E estes generais não se casaram com as elites egípcias. Assim, em tempos de problemas, de disputas e de escassez económica, os egípcios diziam não querer que estrangeiros os liderassem. Cleópatra faz essa aliança com o general romano e o que acontece quando tudo corre mal é que ela e Marco António morrem em Alexandria. E Otávio assume o controlo do Egito, porque os egípcios não conseguem concordar entre si sobre quem deve ser o seu próprio governante depois de Cleópatra. Então escolhem Otávio, que volta, já senhor do celeiro do Mediterrâneo, para Roma, onde o Senado diz: “parabéns, vamos dar-lhe um novo título, porque agora teremos comida ilimitada a custo mínimo, é o título de Augusto”, que significa abençoado, ou até, diria, sortudo. E é assim que o Império Romano realmente se torna um Império. Já não apenas um Império em tamanho mas também em nome. Assim, o poder de imperator, dado a Otávio Augusto, ou Augusto como é chamado hoje, transforma Roma numa enorme potência global. E isto não apenas pela integração do Egito, com os seus cereais, mas por iniciar-se uma nova era. Por exemplo, o comércio para o Oceano Índico abre perspetivas de novas riquezas, chegam especiarias, etc., o que muda Roma completamente. E quando Augusto morre, põem no seu túmulo, que ainda hoje se pode ver, as palavras “encontrei Roma em tijolo, deixei-a em mármore”. Podemos comprovar pelos vestígios arqueológicos que Roma, de repente, se tornou imensamente rica, com a nova elite a construir palácios enormes..Um vulcão no Alasca mudou a história de Roma? Não aconteceu tudo por causa de um vulcão, mas o colapso ambiental e a pressão que este exerceu sobre o Egito forçou as opções políticas de Cleópatra, que abriram oportunidades que Roma nunca tinha tido antes. Por exemplo, poucas décadas depois houve a famosa erupção do Vesúvio, muito dramática para quem vivia em Herculano ou Pompeia, mas que climatologicamente teve muito pouco impacto, em parte porque o que importa com um vulcão não é apenas quão poderoso é, mas qual a latitude na curva da Terra, também em que época do ano entra em erupção, e ainda que outros fatores estão a influenciar o clima. Na verdade, o que é muito interessante é que a partir daquele momento, daquela erupção do vulcão do Alasca, chamado Okmok, durante 250 anos o clima do Mediterrâneo foi muito, muito estável. Para Roma, durante três séculos, foi possível prever mais ou menos de forma exata que colheita iria produzir, exatamente quais seriam as receitas e despesas, e isso evitou crises. Quando é que começa a correr mal? Em meados do século III. De repente, temos cerca de 50 pessoas a tentarem tornar-se imperador no espaço de 30 anos. Temos um caos total, porque quando os preços sobem e há escassez, há instabilidade. Portanto, os romanos não foram apenas bons soldados, não foram apenas bons legisladores, não foram apenas bons na gestão do Estado, foram também extremamente sortudos do ponto de vista ambiental. Então este exemplo do impacto do vulcão é um bom exemplo da ação da natureza. No caso de Roma, estou interessado, claro, nos imperadores, mas sobretudo para mim, e isto é um segundo exemplo, o mais interessante é pensar no Império Romano como um todo, sobre as refeições que eram cozinhadas todos os dias para os milhões e milhões de habitantes, e como isso exigia calor. Também cada pedaço de vidro, ou cada lança, espada e escudo feito de metal precisava de calor. Então, qual era o preço da energia para a produção de alimentos e de metal e vidro no Império Romano? Se cortaram as árvores perto de Roma, de onde vieram as árvores que permitem essa geração de calor? E isso faz pensar em sustentabilidade. Quão bem as florestas foram protegidas? Até que ponto as pessoas entendiam que tinham que gerir os seus fornecimentos? Os preços subiam e desciam? Como é que a madeira era trazida todos os dias para Roma, uma cidade com talvez meio milhão de habitantes? Acho que ambiental e ecologicamente precisamos pensar sobre como essas cidades, como esses impérios, funcionavam, não apenas em termos de relações entre humanos, mas em termos das suas capacidades de exploração do mundo natural. Há muitos autores que escrevem no Império Romano, como fizeram na Grécia antiga e noutras partes do mundo, preocupados com o facto de a desflorestação por seres humanos levar à erosão do solo e a mudanças nos padrões de precipitação..Saltando para o momento da queda do Império, pelo menos da parte ocidental do Império, com as tribos bárbaras a descerem sobre Roma. O famoso ano 476, o da queda do último imperador, é especial em termos de clima, há algum evento ambiental digno de relevo? Tenho colegas historiadores que não falam uns com os outros porque discutiram um dia sobre quando o Império Romano do Ocidente caiu. Alguns dizem 410, alguns dizem 476, alguns dizem 376, alguns dizem 527. É, digamos, uma longa, longa história de polémica. A questão é que, na queda do Império do Ocidente, o que é mais interessante é percebermos que se quebrarmos uma parte da cadeia, todo o sistema se quebra. Assim, na verdade, a história da violência, da invasão das tribos bárbaras, não é uma realidade comprovada pelo registo arqueológico. Na verdade, vemos pessoas, por exemplo como os hunos e outros povos tribais, a instalarem-se na Hungria e, muito rapidamente, adotam práticas locais para a agricultura e para a vida quotidiana, e os habitantes que já lá estavam adotam, por seu lado, práticas hunas. O que é interessante é que quando temos cidades que funcionam bem, com conexões entre elas, uma infraestrutura criada pelo Império, se quebrarmos uma parte, quebramos tudo. A razão da queda do Império do Ocidente foi que começaram a ser perdidas partes do Império. É curiosamente muito semelhante a que aconteceu no mundo Maia na Meso-América, onde havia muitas cidades mais ou menos independentes umas das outras, mas que comercializam estreitamente. Se uma delas quebrasse por causa de uma pandemia, exaustão do solo ou qualquer outro problema, o todo ficava em risco. Por exemplo em Tikal, na atual Guatemala, provavelmente uma das ideias para explicar o fracasso do Estado é o calcário usado para pintar os templos. Quando chove, pinga cianeto no sistema de abastecimento de água. Quando o cianeto entra nos reservatórios de água não se percebe. E começa a degradar o cérebro, os vários órgãos, de quem consome a água. E assim os níveis de violência na sociedade aumentam e esta entra em crise. Sabemos por vários exemplos. Portanto, quando uma cidade falha, outras também falham. E a quebra de uma cadeia pode ser fatal, até para impérios..Mais extenso ainda do que o Império Romano, foi o Mongol, o império terrestre contíguo mais extenso da história. Ia da Coreia à Europa Central. O que explica o sucesso de Genghis Khan e filhos no século XIII? Para os historiadores, a primeira pergunta é: porquê naquela época? Por que é que os mongóis não construíram um império no século IX? Ou no século VI?.Estamos sempre a falar de um povo muito pequeno, em termos de números. Ainda hoje. Sim, mas na década de 1180 dá-se o evento pluvial ou de chuva mais significativo na Mongólia em 2000 anos. Num período de cerca de 15 anos cai mais chuva do que em qualquer outro período e isso transforma as pastagens onde os mongóis criam os seus cavalos. Então, é um pouco como um daqueles jogos de computador em que, de repente, temos armas ilimitadas, ou um exército tem tanques ilimitados. De repente, os mongóis têm uma capacidade militar completamente excecional e também a sorte de ter um governante muito carismático chamado Genghis Khan, que é capaz de não usar a violência unicamente de forma agressiva. Consegue de forma muito criativa que as pessoas que conquista venham, como se diz, para dentro da sua tenda. Está constantemente a tentar assimilar as pessoas. Pode-se construir um império assassinando todo a gente, mas normalmente isso não dura muito. Então, o que os mongóis sob Genghis Khan fazem é: usam força brutal em algumas ocasiões. Por exemplo, em Nishapur, onde hoje é o Irão, mataram todos os homens, mulheres, crianças e até os cães. Fazem isso em algumas ocasiões. Merv, onde hoje é o Turcomenistão, foi quase completamente desmantelada e, numa época antes da dinamite, é incrível que se possa arrasar uma cidade assim. Portanto, os mongóis usam essa força brutal em alguns lugares importantes, mas depois enviam mensagens a dizer: “quer que aconteça na sua cidade a mesma coisa que aconteceu em Nishapur?”. E normalmente as pessoas nos lugares sob pressão perguntarão “pagaremos mais impostos se vocês nos conquistarem?” Os mongóis dizem que pagarão menos impostos, e que terão acesso a uma zona global unida onde o comércio é facilitado. Algumas pessoas dizem também que “é importante adorarmos os deuses da maneira que queremos”. E perante isso os mongóis desenvolveram rapidamente uma forma muito sofisticada de sublinhar que Genghis Khan teve um tutor judeu. Que sempre esteve muito interessado nos ensinamentos do Islão. Que viveu mais ou menos como um budista. E que amava a fé cristã. Para dizer, afinal, que todos os povos são bem-vindos ao Império Mongol. Combinam punho de ferro com muito veludo. E os mongóis, enquanto constroem o seu império e se expandem com uma rapidez incrível, fazem-no aproveitando os novos recursos que têm à disposição. Naquele mundo unido, que vai da Hungria à Coreia, os bens e as pessoas circulam mais rápido do que nunca. Mas, já agora, sublinhe-se que nas décadas de 1330 e 1340 o que se move mais rapidamente ao longo dessas redes não são bens ou pessoas, são patógenos, por exemplo a Peste Negra, que se origina no Quirguistão. Podemos dizer isso agora a partir dos novos materiais genéticos do Quirguistão, onde os animais que vivem nesses locais de origem da peste são, por razões climáticas, forçados a habitats mais próximos dos humanos para procurar comida. E não se trata apenas dos ratos. Quem leva toda a culpa também são os pássaros. Quando os pássaros comem pessoas ou animais mortos infetados, os excrementos dos pássaros podem depositar peste no solo, o que pode afetar as plantas que também podem se espalhar novamente. Pode ser que coágulos de sangue sejam espalhados dentro do trigo que é exportado. E na década de 1340 a Peste Negra ocorre no Cáucaso e nas terras negras ricas do que hoje é a Ucrânia e os navios que fazem comércio para a frente e para trás começam a trazer para a Europa gotas de sangue infetadas, provavelmente no meio de trigo ou de lã. E também vieram a bordo os ratos infetados..O que chamamos de Pax Mongolica não trouxe apenas liberdade de comércio… Sim, trouxe grande liberdade de comércio, mas essa Pax Mongolica causou igualmente o maior evento de mortalidade na história da humanidade, provavelmente 40% da população na Europa morreu, o mesmo no Médio Oriente, e agora começamos a perceber, através da nova genómica o provável impacto na África Ocidental e na China. Aprendemos que as formas pelas quais estamos hiperconectados, e isso é uma lição bem atual depois do vírus de Wuhan, também são o nosso calcanhar de Aquiles..A História do Mundo - Do Big Bang até aos dias de hojePeter FrankopanCrítica693 páginas24 euros.O Império Português foi o primeiro a ser global e, de repente, estão a chegar a Lisboa no século XVI, e a circular pelos quatro continentes pela primeira vez, mercadorias, pessoas e, obviamente, os tais patógenos, que sabemos que foram decisivos na conquista da América pelos espanhóis, outros criadores de um Império Global. Como descreve o impacto das Descobertas? Finalmente o mundo ficou totalmente conectado. E isso proporcionou grandes oportunidades. Se alguém era rico, conectado e homem, então Portugal nessa época era um ótimo lugar para se viver, pois o retorno dos investimentos era altíssimo. Quando Vasco da Gama regressou da sua primeira viagem à Índia, houve senadores a subirem ao telhado do Palazzo em Veneza gritando de horror, dizendo que “Veneza está acabada, Portugal vai agora tirar todos os nossos negócios”. Porque os portugueses podiam trazer mercadorias rapidamente e muito mais barato, não apenas porque um navio pode transportar muito mais do que caravanas de camelos, mas também por carregarem diretamente na Índia, o único lugar onde pagavam impostos. Qualquer coisa transportada por terra passava por vários Estados, através de cidades onde os preços continuavam a subir cada vez mais. A importância financeira e política mudou da Europa Oriental, que era a parte mais rica do Mediterrâneo, o que é hoje a Croácia, Itália e Grécia, para o Ocidente, que se tornou a parte mais rica da Europa. A ascensão de Portugal a partir do século XV já vinha de expandir-se ao longo das costas de África. Foi uma tentativa de igualar o poder e a riqueza dos países a oriente. De modo que a ascensão da Europa Ocidental foi realmente importante, mudou tudo o que pensamos sobre a Europa e o próprio mundo além dela. No caso de Portugal, o que as pessoas aprenderam a fazer bem nos 50 anos antes de Vasco da Gama chegar à Índia foi navegar grandes navios em oceanos difíceis e isso é uma habilidade técnica, então precisa de avanços tecnológicos para fazer os seus navios navegarem mais rápido e melhor, mas quando se começa a observar os climas nos séculos XVI e XVII, constata-se que normalmente, consoante a época, os ventos sopram de leste ou de oeste e um navio cobrirá mais quilómetros quando o vento sopra numa direção mais favorável, e isso significa que os custos da viagem são muito mais baratos. Então, no caso de Portugal, o importante era saber qual das épocas produz o melhor vento, e retorno, possível, e também era o que os investidores aqui em Portugal procuravam, porque as mercadorias eram trazidas para Portugal e depois muitas vezes vendidas para norte e leste. E como é que o país lida, a par disso, com o seu vizinho Espanha, que estava sempre à procura de guerra para tentar expandir o seu modelo de negócio para a Europa? E esse mundo de Portugal é aquele que exige habilidades de exploração, elaboração de mapas, mas depois ser capaz de proteger e fortificar locais, normalmente não para impedir a pressão local, mas para competir contra os espanhóis, os britânicos ou os holandeses, num lugar como o Sri Lanka ou em África. O modelo de competição para proteger recursos significa que há então guerras travadas noutras partes do mundo relacionadas com o que está a acontecer nos salões dos reis e rainhas na Europa. E é surreal pensarmos sobre como o mundo foi feito à imagem do Ocidente, e que isso é muito recente em termos globais, há apenas 400 ou 500 anos. Outro impacto das Descobertas foi o comércio de escravos, o comércio massivo de escravos, porque a escravidão não era uma coisa nova, mas de repente estavam a fazer cruzar pela força milhões de pessoas da África para as Américas..Esse tráfico negreiro transatlântico tem um impacto ainda hoje na África e obviamente nas Américas? Qual é o legado mais visível? Confesso, e por isso o abordei no meu livro, que durante muito tempo não entendia ao ler sobre o comércio de escravos por que razão os portugueses e outros povos que escravizaram os africanos não instalaram as suas plantações de açúcar na África Ocidental. Por que é óbvio que é caro enviar pessoas através do oceano, perdem-se pessoas, perdem-se navios no mar, há que construir os navios, fornecer tripulações, ter infraestrutura no local de destino, onde quer que seja, no Brasil ou noutras partes das Américas. A primeira conclusão é que os europeus, nesse tempo, eram maus a fazer conquistas na África Ocidental, só tinham pequenos fortes em lugares como a Mina..Por causa das doenças também? Sim, mas não só pelas doenças. Sobretudo porque a capacidade dos Estados da África Ocidental de se protegerem foi muito alta. Havia feitorias portuguesas, mas eram, como Arguim ou até a Mina, apenas pequenas ilhas num imenso continente. Estamos a falar dos séculos XV e XVI. E sim, o estabelecimento de plantações de escravos em todo o mundo e particularmente nas Américas, é claro, tem legados hoje. Por exemplo, a próxima eleição presidencial americana poderá será decidida em alguns estados, em alguns condados. E as populações não estão lá por acaso. As terras mais valiosas para produzir culturas comerciais, estavam todas na parte sul dos Estados Unidos, no chamado Cinturão Negro, terras negras ricas, e nas Caraíbas, onde se pode cultivar algodão, tabaco e açúcar. Na parte norte dos Estados Unidos, nesses estados onde os americanos se consideram mais liberais, nunca tiveram propriedade de escravos, porque a posse de escravos para cultivar trigo não é tão importante. Mas para um trabalho árduo como o nos campos de algodão era fundamental, então concentraram-se populações de escravizados e seus descendentes em algumas partes dos Estados Unidos e não noutras. E há pessoas que pensam no norte e em partes dos Estados Unidos que são mais liberais e mais instruídos, não é o caso, pois esses legados estão ligados ao que a terra poderia produzir. Um dos temas mais importantes e angustiantes da história humana é a maneira como escravizamos uns aos outros para fazer coisas, Tentar fazer as pessoas trabalhar de graça é uma longa tradição e um legado terrível. Muitas das populações bantus da África Ocidental carregam uma mutação genética que fornece resistência à malária, e se uma pessoa for picada por um mosquito infetado não morre. Então os povos dessas regiões tornaram-se muito valiosos e podemos ver que custava mais comprar escravos de lugares como a Serra Leoa e o Benim do que de outras partes da África..No seu livro, menciona que, nesse momento das Descobertas, os portugueses e espanhóis também sofriam da malária nos seus países. Isso foi um tipo de vantagem sobre os europeus do norte quando os portugueses e espanhóis estavam a tentar colonizar África, Ásia e as Américas? Claro, nós esquecemos que somos animais e o envelope biológico em que funcionamos faz a diferença. Então, as nossas capacidades de lidar com calor ou doença são diferentes. Isso tem a ver com a exposição das populações às doenças infecciosas ao longo de milhares de anos. A forma como a ciência está a dar novas ferramentas aos historiadores para pensar no passado é impressionante. Mas também esquecemos que a maioria dos primeiros povoadores nas Caraíbas e nas Américas partiu da Europa. Foram pessoas contratadas ao preço do bilhete de viagem por muitos anos, pessoas pobres. Em Barbados, por exemplo, colónia inglesa, até 1670, mais de 80% das pessoas que viviam lá eram brancos. Só depois, nos anos 1680, quando a malária se estabelece nas Caraíbas e nas Américas, as coisas começam a mudar, chegam os escravos africanos. O trabalho desagradável, como nas plantações de açúcar portuguesas, claro, na Madeira, mas também no Brasil, ninguém quer fazer..A mesma coisa aconteceu no sul dos EUA. Absolutamente..Não havia imigração branca em número suficiente para lá. Absolutamente. Ninguém quer trabalhar em condições duras. A única maneira de fazer isso é através da força..Mencionou que a parte sul dos EUA é muito rica em termos de terra. Sim..Quando olha para os EUA como uma superpotência, o país mais rico do mundo, isso é por causa de vantagens naturais? Por exemplo, além de terra muito fértil, sei que o sistema de rios navegáveis é muito bom. E há mais portos naturais na costa leste do que em toda a África virada para o Atlântico. São as vantagens naturais dos EUA que explicam o grande sucesso do país? Repare, só tem dois vizinhos, excluindo a Rússia em frente ao Alasca. As fronteiras terrestres são com o México e o Canadá. E não há uma ameaça militar óbvia capaz de surgir de nenhum deles. Outros países têm uma geografia mais complicada. França e Alemanha são historicamente cercadas por competidores. Portanto, isso faz a diferença, a estrutura política ao redor do país..Os EUA têm também recursos naturais únicos. Por exemplo, o petróleo e o gás natural. Os EUA têm uma vontade de independência natural. Procuram não ser dependentes de energia em relação a outros lugares do mundo. É um problema quando isso acontece a uma grande potência. Uma das razões por que nós temos esses horrores no Médio Oriente hoje é porque, embora o Império Britânico tenha sido muito bem-sucedido - tinha até um quarto da população do mundo, há 100 anos, como súbdita do seu rei - quase nenhum dos territórios que dominava tinha petróleo. Isso significava que os britânicos tiveram de intervir no Iraque e no Irão para tentar encontrar o petróleo suficiente para suportar a sua indústria, num momento em que o petróleo estava a tornar-se vital. Voltando aos EUA. Os Estados Unidos, no mundo de hoje, vão precisar de matérias como as terras raras, são os novos materiais do século XXI. Um país pode ser autossuficiente por um minuto, mas depois, quando as novas tecnologias mudam, as matérias necessárias podem mudar também. Mas sim os Estados Unidos estão extremamente abençoados com os recursos, não precisam ser dependentes de ninguém, e ainda assim, por causa das vantagens económicas da globalização, deslocalizam trabalhos para partes mais baratas do mundo, e isso torna-os depois extremamente vulneráveis a coisas como as fábricas chinesas que fazem tecnologias americanas..Mencionou no livro que a estabilidade na China, durante séculos, sempre dependeu de haver comida disponível, e que uma catástrofe natural que afetasse a produção de alimentos podia provocar uma mudança de dinastia. Acha que o futuro do regime comunista na China também depende desse tipo de equilíbrio? A China está a comprar terra em África, compra empresas de fosfatos, também empresas de carne enlatada. É possível dizer que o futuro do regime comunista, apesar da nova riqueza do país, pode depender desse equilíbrio precário entre uma população imensa e pouca capacidade de produção alimentar? A China não é independente em termos de comida, e não é independente em termos de energia. Está a chegar lá nesse último campo. A China instalou mais energia renovável nos primeiros seis meses do ano passado do que os Estados Unidos em toda sua história. Cada unidade residencial na China pode ser apoiada para usar energia renovável. E isto não é apenas porque a China quer ser limpa e verde, ela não quer é ser dependente de comprar petróleo de outros lugares do mundo. Quanto à comida, sim a China está muito preocupada. Quando se tem 20% da população do mundo, mas apenas 7% da terra arável, então é preciso investir no futuro, prevenir crises. Tentam encontrar lugares onde podem comprar ao invés de conquistar, o que não é necessariamente uma ideia estúpida. O que é realmente interessante é que há muita investigação por historiadores na China sobre as mudanças de regime e as mudanças climáticas..Hoje? Sim. Das sete grandes mudanças de regime imperial na China, todas ocorreram num contexto de mudança climática. Todas tiveram a ver com altos níveis de chuva, ou altos níveis de seca. Puseram pressão na produção de comida, colocaram pressão na ecologia, trouxeram doenças. E não é coincidência que um grande número de historiadores chineses estejam a olhar para isso hoje, porque acho que o Partido Comunista está a pensar mais à frente. O que o aquecimento do mundo significa para a estabilidade do regime na China? Quais são os ensinamentos que se podem tirar do passado? Boas perguntas. Como serão respondidas? Suspeito que será feito de uma forma diferente na China do que será feito noutras partes do mundo. Mas há uma sensibilidade real em pensar sobre vulnerabilidades e sobre choques súbitos..Xi Jinping está a estudar a história para saber como resolver eventuais desafios climáticos? Sei que está a estudar a história porque o meu livro sobre as rotas da seda teve uma visibilidade enorme graças ao presidente Xi, pensando sobre como aprendermos com os nossos vizinhos. Hoje há muitas questões existenciais, tecnologias novas, Inteligência Artificial, doenças, etc. Mas o clima e o mundo natural parece-me que nunca foram mais importantes do que agora.