Pesadelo materno latino
Viagem à Argentina rural polvilhada com terror etnográfico. A peruana Claudia Llosa esteve em competição no Festival de San Sebastián com este elaborado conto de mães e filhos quebrados, cheio de metáforas e fintas narrativas. Entre um prenúncio de uma encomenda Netflix e uma visão comprometida com o género, Distancia de Resgate é um filme sussurrado por uma inquietação maternal fecunda. Trata-se de uma espécie de analogia sobre os medos maternais em forma de folk tale da América Latina. Parece genuíno mas também parece fajuto na sua fanfarronice de ambientes estranhos e febris. Aliás, o seu título internacional, Fever Dream- Sonho de Febre, descreve com lealdade o objeto e alude à sua atmosfera fabril: voz off arrastada, imagens dolentes e música "sob influência".
Estas história de mães angustiadas começa quando Amanda e a sua filha pequena vão passar uns dias à fazenda do marido, que entretanto ficou em casa atolado de trabalho. Carola, a vizinha local, torna-se próxima e revela uma bizarra história com o seu filho pequeno, vítima de uma estranha doença. Aos poucos, pelo comportamento da criança, vamos percebendo que poderá estar possuído. Entre a narrativa, vamos vendo flashes de um diálogo entre esse menino e Carola, algures num momento trágico que se supõe poder vir a acontecer. Pressupõe-se que a floresta em redor encerra mistérios e perigos malignos...
Claudia Llosa, exaurida após a experiência de Aloft (2014) , o seu primeiro filme em inglês, tenta reencontrar o que fez dela uma cineasta a ter em conta após a vitória em Berlim em 2010 com A Teta Assustada. A sua benevolente câmara assustada produz sim imagens que nos drogam, pondo-nos no tal estado-rebuçado febril que se quer. Mas neste pesadelo bonitinho fica-se sempre com aquela sensação de que nunca se encontra o núcleo do filme. E aí, Distância de Segurança tem sempre um desamparo que nunca nos faz estremecer nem tão pouco inquietar.
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