Pedro Abrunhosa entra no espaço da exposição O Silêncio é um Lugar e começa a percorrê-la como se de um qualquer visitante se tratasse, apesar de as fotografias, óculos, anéis, cassetes, textos, pautas e fatos ali mostrados lhe pertencerem. O músico diz que a participação dele nesta exposição “foi, ao longo de 30 anos, ter tudo em caixotes”. Foi José César Nunes, diretor de arte e designer gráfico, o curador, quem andou a abrir as caixas guardadas e montou esta mostra que revisita três décadas de carreira de Pedro Abrunhosa.“Ninguém sequer sabia que eu tinha aquilo”, diz o artista ao DN. “José César Nunes teve carta branca. Ele vasculhou tudo, virou tudo do avesso, procurou e escolheu aquilo que achou representativo. Da minha parte, houve zero intervenção. Aliás, 70% do que aqui está nem sequer sabia que ainda existia”. .Uma exposição com material iconográfico começou a desenhar-se no ano passado, quando o primeiro álbum de Pedro Abrunhosa, o Viagens, comemorou 30 anos. A ideia inicial era fazê-la nos corredores do Meo Arena durante o concerto do final do ano passado. “Depois percebemos que se calhar era difícil manter esse percurso com segurança e qualidade. E resolvemos independentizá-la”.Pedro Abrunhosa faz questão de dizer que não se trata da “celebração do passado - não sou nada passadista - mas é um olhar meio irónico para com o passado. Irónico e também orgulhoso. Isso fica muito bem plasmado na evolução da cassete. Aqui há uma linha de tempo que fica muito bem explícita usando a cassete que ali está. Nas cassetes que ainda eram maquetes. E está ali a cassete que foi chumbada pelas editoras todas. Pela Sony, pela BMG, pela Polygram, foi por todas”. .Pedro Abrunhosa fala do Viagens, o seu primeiro álbum, lançado em 1994, contendo alguns dos seus maiores êxitos, como Não posso mais ou Tudo o que eu te dou. “Há uma evolução material e depois há também uma evolução estética. Quando começamos a evoluir aqui nestes mostruários percebemos que o disco é editado, e passamos de uma artesanal cassete para o CD, para o vinil e para as primeiras páginas dos jornais. É essa transição daquela fase muito complicada em que eu negoceio com as editoras e elas recusam.”Também estão expostas cinco peças de vestuário que compuseram a sua imagem ao longo dos anos. “Havia uma postura de uma certa identidade quando ia reunir com as editoras. Também deveria querer dizer alguma coisa, uma certa rebeldia, ou pelo menos uma certa personalidade. Estamos a falar de um período em que eu tinha 20 e tal anos e em que destacava-me de algumas maneiras e esta era uma delas, mas não era de propósito, era mesmo um bocadinho fora da caixa”. . Uma imagem que Pedro Abrunhosa sugere que também visava abanar algum conservadorismo das editoras discográficas. “O que eu quero dizer é que essa disrupção em relação a um certo status quo na altura já quereria dizer alguma coisa para quem dirige editoras e teria que ver um bocadinho mais além. A música diz tudo. Mas depois havia outras linguagens que também diziam. A linguagem política, ou a linguagem estética das roupas que usava. Temos aqui alguns exemplos. Estou a ver isto e estou a recordar”, afirma, olhando para os manequins com os fatos.Passadas mais de três décadas de carreira, o guarda-roupa continua a ter a mesma importância? “Claro, porque nós somos todos matéria plástica. E depois, o palco é um sítio de exagero. Sempre foi. O palco é um sítio onde tudo se exagera. Isto é palco”, diz, apontando para si, vestido de blazer azul vivo brilhante e os inseparáveis óculos escuros.E como evoluiu essa “persona” ao longo destas mais de três décadas de carreira, perguntamos. “Essa persona evoluiu como todos nós. Vamos amadurecendo e vamos envelhecendo. É este fino equilíbrio entre as duas”. . O Silêncio é um Lugar, o título da exposição, é uma frase do cardeal José Tolentino de Mendonça, porque, diz Pedro Abrunhosa, “tenho esta obsessão pelo silêncio, porque o reverso disto é a sobre-exposição. E o barulho, e as luzes, e o palco, e as pessoas. Eu estou numa digressão contínua há pelo menos 31 anos. E nesta semana fizemos não sei quantos espetáculos. Continuaremos amanhã e depois. Há uma necessidade de um certo retiro, um certo refúgio para dentro. O silêncio é esse lugar.”E foi lidando melhor com essa “sobre-exposição ao longos dos anos”? “Sim, do ponto de vista da angústia que causa. Não é o nervosismo, não é isso. A angústia que causa a sobre-exposição. Eu não sou muito dado à sobre-exposição. E é por isso que, se calhar, isto é uma fuga para a frente. E creio que os óculos escuros são também isso. Creio não, tenho a certeza”. E alguma vez os abandonará? “Nunca digas desta água não beberei”. . Novo discoEsta exposição no espaço “Atmosfera m” do Montepio Associação Mutualista, em Lisboa, patente até 31 de outubro, antecede o lançamento de um novo disco de originais de Pedro Abrunhosa e a realização de dois grandes concertos em 2026, no Super Bock Arena, no Porto, no dia 24 de janeiro, e no Meo Arena, em Lisboa, no dia 31 de janeiro. Os concertos vão centrar-se no novo trabalho “poético-discográfico” que o músico se prepara para lançar neste mês, e em repertório menos conhecido dos seus anteriores discos.Quanto ao novo trabalho, vem já atrasado em relação aos planos iniciais do músico - o último álbum de originais, Espiritual, data de 2018 - o que também vem adiar o lançamento do disco colaborativo Viagens 3.0, em que as canções deste primeiro álbum de Abrunhosa são interpretadas por outros artistas, como Jorge Palma ou Diogo Piçarra. “Ele estava previsto para este ano. Mas como eu tenho um disco de originais para sair e esse sim atrasou e vai sair agora, nós achámos que não fazia sentido, achámos que encavalitaria”.As músicas de Viagens 3.0 estão todas prontas, falta uma, diz o músico, e o álbum deverá ser lançado no início do próximo ano. . Quanto ao novo disco, será lançado neste mês de outubro. “Neste momento, as we speak, está o João Bessa a misturá-lo e a masterizá-lo”, revela, sem antecipar o título, que terá uma só palavra, como os anteriores. “É um disco que é escrito nestes últimos três, quatro anos. E que iria incluir Que o amor te salve nesta noite escura que foi um êxito bastante grande, mas retirei essa música do disco, já não vai estar. Mas é um disco de palavra, no sentido da canção. Eu sempre tive bastante cuidado e investimento pessoal e humano na palavra. Na poesia, se quiser.”Pedro Abrunhosa diz que “está tudo pronto”, mas mudou palavras até ao último momento. “Já toquei estas músicas aqui e ali. Desde há três anos que toco uma ou outra. E até à versão final, cuja impressão foi ontem [terça-feira, dia 30 de setembro], para a editora, eu fui alterando palavras praticamente todos os dias. Palavras das letras. É aí que eu centrei a minha atenção neste disco”.Isso, apesar de a música surgir sempre primeiro do que as letras das canções. “A música é mais intuitiva. O piano toca sozinho. A caneta não toca sozinha.” Pedro Abrunhosa diz que vai “escrevendo ao longo do ano todo” e que depois tenta “dar coerência a tudo do ponto de vista poético”. . Quando se lhe pergunta se há um tema que perpassa as 11 canções do seu novo trabalho, diz: “É por isso é que o disco não saiu no verão. É um disco mais para a dor do que para a celebração. Porque a arte, se me permite esta arrogância, não é um retrato da realidade. É um diálogo com a realidade. E é, muitas vezes, um refúgio e uma salvação. É uma coisa salvífica. Porque nos resgata deste sítio que eu chamo de noite escura, que é também um espaço de agressão permanente.” Tanto é assim, acrescenta, que “onde há música, não há bombas. Até os soldados no terreno precisam de música para sobreviver à angústia”.Mas a inspiração para a sua escrita não veio das guerras recentes no palco mundial. “Não, senão seria jornalismo. É poesia. Nunca tem a ver com nada. Tem a ver com tudo.”.Sting vai atuar na Figueira da Foz a 17 de julho do próximo ano.Nick Cave volta a Portugal a 9 de julho para atuar no NOS Alive