Filas a perder de vista e pessoas à porta dos cinemas extasiadas com o caráter inédito do que tinham acabado de assistir. É por aí, por imagens de arquivo, que começa o documentário 50 Anos de Tubarão: A História Definitiva dos Bastidores, de Laurent Bouzereau. E convenhamos, haveria outro tiro de partida possível senão o fenómeno captado nas ruas em 1975 e espetadores a falarem, a partir dos nossos dias, do privilégio nostálgico de terem descoberto o filme no momento da sua estreia? O realizador James Cameron foi um deles e sublinha esse facto. Steven Soderbergh também, e acrescenta que viu Jaws 31 vezes na sala de cinema (veio a ser decisivo para “querer fazer filmes”). Já Emily Blunt, sem contabilizar os visionamentos repetidos, limita-se a provar que o sabe de cor.Estas e outras vozes, juntas para assinalar entusiasticamente o cinquentenário de Tubarão, com pepitas de fascínio pessoal por essa obra que inaugurou o conceito de blockbuster, contrastam com a voz do próprio Steven Spielberg, de olhos ainda assustados a rebobinar memórias diante do seu interlocutor. A partir desta sexta-feira no Disney+ (e dia 14 de julho no canal National Geographic), a dita História Definitiva dos Bastidores assume-se assim porque explora, de facto, todas as vertentes da produção, respetiva origem e impacto cultural, desde o romance homónimo de Peter Benchley ao modo como os atores e a população local de Martha’s Vineyard se misturaram numa incessante busca pela autenticidade (“I want it to be real”), que foi particularmente exigente nas filmagens em alto mar, com um tubarão concebido para a máxima verosimilhança...De tal criatura mecânica já se conhecia bem a lenda: avariou tantas vezes que Spielberg, inspirado pelo “santo padroeiro” Hitchcock, decidiu confiar o poder de sugestão ao hoje icónico ostinato de duas notas que John Williams compôs como ferramenta perfeita para a manutenção do medo. Porventura menos familiar aos curiosos eram, até agora, os detalhes da fonte literária e a profunda dimensão traumática da rodagem. A saber, no meio das famosas dificuldades logísticas e orçamentais, Spielberg tinha tanto medo de ser despedido pelos estúdios que, mesmo depois do trabalho feito, continuou a ser assaltado por pesadelos à noite. “Não foi nada divertido”, diz. E, porém, a célebre foto dentro das mandíbulas do tubarão Bruce ficou como um registo leve daqueles dias.De Fidel Castro a Joe AlvesUma das histórias mais engraçadas que se ouve em 50 Anos de Tubarão vem numa entrevista de arquivo onde Benchley conta como soube que Fidel Castro andava a ler Jaws, tendo comentado com os jornalistas que era uma bela “metáfora da corrupção do capitalismo” – o autor chegou a tentar que os editores citassem essa frase de El comandante na contracapa do livro, mas não viu o seu pedido satisfeito. . Nos aspetos artísticos e técnicos, por sua vez, destaca-se o testemunho do designer de produção Joe Alves (filho de emigrantes portugueses), que explica o processo de conceção do predador marinho, nos termos de uma indústria que até ali não tinha imaginado um boneco mecânico realista a mover-se em águas salgadas. E o que dizer das soluções visuais de Spielberg? Sobre isso versam, não apenas Soderbergh, mas também outros realizadores mais ou menos da mesma geração, como Guillermo del Toro, J.J. Abrams e Jordan Peele. Enquanto filme comemorativo, destinado ao conhecimento e revisão da matéria, pode dizer-se que 50 Anos de Tubarão cumpre os pressupostos de uma cinefilia de culto. Cronista informal de HollywoodRealizado menos de um ano depois do documentário A Música de John Williams (Disney+), pelo mesmo Laurent Bouzereau, vale a pena notar aqui uma cumplicidade de longo prazo: Bouzereau é alguém que, ao longo dos anos, foi quase sempre responsável pelos making-ofs dos filmes de Steven Spielberg, mantendo uma carreira prolífica como documentarista de Hollywood. São também dele, por exemplo, Faye (Max), sobre a atriz Faye Dunaway, Natalie Wood: What Remains Behind (Max), ou a minissérie Five Came Back (Netflix), centrada nos cinco cineastas – John Ford, George Stevens, John Huston, William Wyler e Frank Capra – que se alistaram nas forças armadas para colher imagens da Segunda Guerra Mundial.É, por isso, seguro admitir que a presença de Bouzereau atrás da câmara surge como um incentivo extra ao tom confessional de Spielberg... se este fosse necessário perante bastidores de alto calibre. Depois de tantas entrevistas sobre Tubarão, ainda há camadas de tinta a acrescentar a uma história de pura audácia de cinema..'Tubarão'. O filme que mudou Hollywood faz 50 anos .'Superman'. Tempos difíceis para os super-heróis