As muitas tarefas em que David Stenn se tem distinguido estão unidas por um mesmo empenho em conhecer e divulgar a história do cinema. Argumentista de séries como A Balada de Hill Street, produtor, investigador e cinéfilo ativo na preservação de filmes clássicos, faz parte, desde 2009, da Direção do Departamento de Cinema do MoMA (Nova Iorque), é membro do Conselho Consultivo do Arquivo de Cinema e Televisão da UCLA (Los Angeles) e do Conselho de Administração do Museu George Eastman (Rochester). Estará nos próximos dias na Cinemateca Portuguesa para acompanhar o ciclo que foi convidado a programar — a primeira sessão acontece esta sexta-feira, às 18h00, com Bombshell (1933), de Victor Fleming, prolongando-se até final do mês.Não é, obviamente, por acaso que esta “Carta Branca a David Stenn” abre com o filme que resume a história e a mitologia da sua protagonista, Jean Harlow, figura emblemática do maior estúdio da época, a Metro Goldwyn Mayer. Com uma vida em que a glória se cruza com a tragédia (devido a múltiplos problemas de saúde, faleceu em 1937, contava 26 anos de idade), a sua existência pode ser lida como um espelho ambíguo de Hollywood e dos segredos dos seus bastidores. Sem esquecer, claro, que Stenn é autor da biografia Bombshell: The Life and Death of Jean Harlow (Doubleday, Nova Iorque, 1993). . Foi, precisamente, durante os trabalhos de investigação para a escrita desse livro que Stenn encontrou informações dispersas, mas concisas, sobre um escândalo “esquecido” no interior de Hollywood: a violação da bailarina e atriz Patricia Douglas durante uma convenção da MGM organizada por Louis B. Mayer. As informações encontradas permitiram-lhe mesmo contar a história de Patricia Douglas no documentário Girl 27 (2007), também incluído neste ciclo. As escolhas de Stenn refletem essa vontade de não recalcar os elementos mais incómodos de uma história que conhecemos e admiramos pela sua energia criativa e exuberância espetacular — vários títulos a exibir refletem os modos ambíguos de representação das figuras femininas ou, mais exatamente, das mulheres enquanto estrelas da “fábrica de sonhos” da Califórnia.The Goddess/A Deusa (1958), de John Cromwell, será, talvez, o mais simbólico desses títulos, centrando-se na personagem de uma estrela, interpretada pela admirável Kim Stanley, alegadamente inspirada na existência atribulada de Marilyn Monroe, hipótese que o argumentista, Paddy Chayefsky, sempre negou. It/Aquilo (1927) e Hoopla, a Dançarina Vermelha (1933), respetivamente de Clarence G. Badger e Frank Lloyd, são exemplos do trabalho de Clara Bow, uma das atrizes que conseguiu resistir ao fim do período mudo, prolongando o seu sucesso no começo do sonoro — é também uma figura biografada por Stenn, em Clara Bow: Runnin’ Wild (Doubleday, 1988).Desta “Carta Branca”, e ainda do período clássico, fazem parte Three on a Match (Mervin LeRoy, 1932), centrado num trio de amigas de infância durante a “lei seca”, e Victimas del Pecado (Emilio Fernández, 1950), com a atriz mexicana, nascida em Cuba, Ninón Sevilla. A produção mais recente, Starlet, tem data de 2012 e assinatura de Sean Baker, o cineasta do “oscarizado” (e vencedor de Cannes) Anora.O pequeno ecrãAs duas escolhas mais surpreendentes (e, nessa medida, também mais sugestivas) provêm da década de 70. Il Giardino dei Finzi-Contini/ O Jardim onde Vivemos (1970), uma das derradeiras realizações de Vittorio De Sica, consagrada com o Óscar de melhor filme em língua estrangeira, faz o retrato de uma família de Ferrara tendo por pano de fundo a perseguição dos judeus e a consolidação do regime fascista de Mussolini. . A outra escolha, Network/Escândalo na Televisão (1976), de Sidney Lumet, em que reencontramos a assinatura de Paddy Chayefsky como argumentista, integra a galeria dos grandes títulos de Hollywood sobre a evolução do espaço televisivo e, muito em particular, a sua deriva populista. Foi o filme que consagrou Peter Finch com um Óscar póstumo e a sua visão não podia ser mais atual: afinal de contas, o pequeno ecrã, familiar e cúmplice dos nossos desejos, pode ser também uma máquina de destruição das relações humanas e esvaziamento do pensamento. Passa nos dias 25 (19h00) e 28 (21h45) — a ver ou rever. .'Verdades Difíceis'. O fulgor do realismo britânico.Realizador Pedro Pinho rejeita convite de festival israelita e apela a boicote a Israel