Os limites da correção política

O tráfico de seres humanos surge como pano de fundo de Paradise Highway - Perseguidas, um filme de boas intenções e mau cinema. Com Juliette Binoche e Morgan Freeman à deriva.

Há filmes que surpreendem pelo simples facto de existirem. Enfim, dito assim, não passa de uma bizarra verdade de La Palice: se não existissem, obviamente não podiam surpreender... A questão é de outra natureza: que acontece, e como acontece, para que uma reunião de gente indiscutivelmente talentosa dê origem a um objecto de absoluta mediocridade?

No caso de Paradise Highway (entre nós lançado com o subtítulo Perseguidas), realizado pela norueguesa Anna Gutto, a "explicação" talvez não possa ser dissociada de uma moda, aliás, um estilo devedor dos esquematismos narrativos do politicamente correcto. Dir-se-ia que há quem acredite - ou queira que os outros acreditem - que um tema "forte" é garantia automática de cinema minimamente consistente.

Trata-se, neste caso, de contar uma história centrada na "missão" que Sally assume. Motorista profissional, conduz um gigantesco camião de transporte de mercadorias: pressionada pelo irmão (que está a terminar uma pena de prisão e sempre se serviu dela para os seus golpes), aceita ir buscar uma adolescente, de nome Leila, para a entregar aos criminosos que gerem uma rede de prostituição...

Por uma questão de clareza mental, lembremos o humanismo em que nos reconhecemos. Assim, não será necessário sublinhar a perturbação imensa que suscita o facto de existirem circuitos que traficam seres humanos, em particular mulheres. Para se ter uma noção da gravidade do problema e do empenho das autoridades em combater todas as suas manifestações, podemos consultar o site da Europol (agência da União Europeia de combate ao crime) que, nesse campo, define como prioridade o combate a quatro formas de agressão: "exploração sexual, incluindo prostituição; serviços ou trabalhos forçados; escravatura, servidão e práticas relacionadas; remoção de órgãos vitais."

A questão que se coloca face a um filme não é, entenda-se, a da honestidade ou das boas intenções de quem o faz. É outra e, uma vez mais, de outra natureza: em que termos cinematográficos tudo isso acontece?

No caso de Paradise Highway, estamos perante um "thriller" que acumula banalidades dramáticas, tratadas com a complacência de um telefime com "mensagem". A começar pelo facto de a personagem de Sally ser assumida por Juliette Binoche - raras vezes se viu uma tão desastrada solução de "casting", a ponto de a personagem ser totalmente inverosímil. Algo de semelhante se passa com Morgan Freeman, no papel do agente do FBI que investiga o caso, preso em mais uma variação da sua emblemática composição em Seven - Sete Pecados Mortais (1995), de David Fincher.

Há que reconhecer que, no meio de todo este simplismo, a jovem Hala Finley, intérprete de Leila, parece ser a única figura capaz de investir alguma genuína vibração na sua personagem. Infelizmente, no plano cinematográfico, essa personagem vai sendo reduzida a um mero índice "simbólico", sem outra função que não seja legitimar a correção política do empreendimento.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG