Os filmes portugueses filhos da covid

A sétima edição dos Encontros do Cinema Português voltou a semana passada a Lisboa. Oportunidade para juntar cineastas, exibidores e distribuidores num encontro com debate e apresentação dos próximos filmes. Numa altura em que os números desastrosos das bilheteiras assustam o setor, há quem esteja otimista.
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Agustina Bessa Luís, Joaquim Leitão em formato fantasia, Dulce Maria Cardoso, São José Correia presidenciável e de novo Bruno Aleixo em coma foram algumas das novidades das apresentações em formato de pitch de várias produtoras nos Encontros do Cinema Português, iniciativa da NOS Audiovisuais com o apoio do Instituto do Cinema e Audiovisual. Quase meia centena de projetos de longa-metragem foram apresentados, muitos deles ainda em fase de pré-produção ou em pós-produção e quase todos feitos durante o período da pandemia. Ficou-se com a certeza que daqui dificilmente sairá um projeto que possa revolucionar a perceção do nosso cinema no mercado internacional ou que algo mude na aceitação dos filmes portugueses junto do público português. A bem dizer, mesmo com tanta diversidade, não pareça haver um filme "salvador da pátria", mesmo se atendermos à estranha ausência de O Pai Tirano, de João Gomes (remake do clássico de António Lopes Ribeiro) e Great Yarmouth- Provisional Figures, o novo de Marco Martins que tem tudo para estar num grande festival internacional, bem como dos novos de João Pedro Rodrigues, Gabriel Abrantes e Carlos Conceição.

Do que foi apresentado em primeiríssima mão e antes de eventual presença em festivais, destaque para as primeiras imagens de Mal Viver, de João Canijo, de novo a recorrer a atores como Anabela Moreira, Rita Blanco e Nuno Lopes. Do excerto que se viu percebe-se que é mais um filme a recorrer a único décor, neste caso as convulsões de uma família que gere um hotel na praia de Ofir e em que Rita Blanco interpreta uma dominadora mãe de Anabela Moreira. Exemplo de um filme que noutras épocas encontraria um público adulto fiel, o tal público que deixou de ir ao cinema.

Destaque ainda para as primeiras imagens de Pátria (anteriormente intitulado Evadidos), de Bruno Gascon, o sucessor de Sombra. Um thriller distópico que imagina Portugal mergulhado numa ditadura. Trata-se de um trailer com bons valores narrativos e anuncia a sua estreia para os últimos meses do ano. "Acho muito importante estes encontros. Aliás, deveriam ser feitos mais do que uma vez por ano. É fundamental estamos todos juntos e discutirmos os problemas do nosso cinema. Esta diversidade de cinema e o aparecimento de novos realizadores é também muito importante para o cinema português crescer. Acima de tudo, tem de haver uma maior parceria entre a produção, a distribuição e a exibição para tentar tirar as pessoas do sofá", contou ao DN Gascon.

Boa apresentação teve A Fada do Lar, de João Maia, produção de Tino Navarro inicialmente desenvolvida para António-Pedro Vasconcelos. O trailer visto no Alvaláxia mostra uma comédia romântica com um potencial comercial elevado e uma história sobre um lar de terceira idade que recebe como nova funcionária uma bela mulher com um forte sentido de independência. A protagonista é Joana Metrass, atriz portuguesa radicada nos EUA e conhecida da série de Hollywood Era uma Vez, que confessa que só voltou a Portugal em virtude das mudanças da indústria: "Agora pode-se estar um pouco em todo o lado e a verdade é que gostei muito deste projeto. O cinema para mim passa pelas mensagens e aqui há o lado da empatia pelo outro. A Fada do Lar é uma comédia romântica que chama pessoas para as salas mas, ao mesmo tempo, tem coisas importantes para dizer. Este filme filme aborda a questão dos velhinhos e isso mexeu comigo -- tem a ver com uma questão pessoal."

Paulo Branco apresentou com visível orgulho a sua última aposta, um filme nascido de uma ideia que teve, O Pior Homem de Londres, de Rodrigo Areias, baseado num português que teve má reputação nos bastidores do comércio de arte na Londres do século XIX. Dos excertos vistos encontramos um elenco nacional e internacional numa intriga de golpes e conspiração. Segundo Branco, o filme tem qualidade para poder fazer festivais internacionais e é todo falado em inglês e francês, podendo ainda estrear este ano. Albano Jerónimo, Victoria Guerra e Maya Booth estão no elenco. Mas também de Paulo Branco chegaram as primeiras imagens de A Sibila, a estreia na realização de Eduardo Brito, precisamente o argumentista de O Pior Homem de Londres. Parece ser uma adaptação elegante ao livro de Agustina e poderá dar a Maria João Pinho o papel de uma vida. Será também um filme com francas possibilidades de poder estar num grande festival internacional. Em Portugal terá a sua antestreia ainda em dezembro, na inauguração do Batalha - Centro de Cinema, no Porto e estreará em 2023, ano do centenário da escritora. Branco mostrou também imagens do bem recomendável Campo de Sangue, de João Mário Grilo, fantasia ambígua em torno do romance de Dulce Maria Cardoso.

Das apresentações que terá causado mais surpresa foi um híbrido chamado Tiago Bettencourt - O Outro Lado do Eclipse, objeto musical realizado pelo próprio músico e que pretende ser um filme de música que narra uma residência artística no Melides Art Projet, local fascinante no Alentejo pensado para ajudar artistas. Imagens que promovem o trabalho de Bettencourt mas que tentam ser também um momento de aventura surrealista. "Nunca pensei que um dia pudesse ser realizador nem que estas imagens fossem material de cinema, isto foi uma ideia do agente Paulo Ventura, que achou que isto merece ser visto em sala! Fico feliz e lisonjeado...Mas, a sério, julguei que isto fosse apenas um conteúdo bonito para se ver...", avisa o músico, agora transformado cineasta. A distribuição já está assegurada pela NOS.

A Bela América, de António Ferreira, "comédia triste" que já o ano passado tinha estado nos Encontros, teve direito a duas sequências pouco conclusivas, mostrando uma São José Correia candidata à Presidência da República e cortejada por um cozinheiro humilde de Coimbra.

Se quisermos ser positivos, O Natal de Bruno Aleixo, de Santo e Moreira, é dos poucos filmes que pode encontrar público a sério. Das novas imagens, esta mistura de animação e imagem real parece ser superior ao primeiro filme, tal como outra sequela, Curral de Moinas, de Miguel Cadilhe, que volta ao universo de Sete Pecados Rurais. O trailer não quer enganar ninguém e pode ser que a miudagem queria voltar a pagar para ver João Paulo Rodrigues e Pedro Alves como os provincianos Quim e Zé, desta vez como convidados como Júlia Pinheiro, Sofia Ribeiro ou Rui Unas.No cinema documental, ainda em fase de finalização, foram mostrados Objetos de Luz, de Marie Carré e Acácio de Almeida, olhar sobre a luz no cinema; Daniel e Daniela, de Sofia Pinto Coelho; La Vie de Marie, de João Marques, sobre a influencer de Estela; João Ayres - Pintor Independente, de Diogo Varela Silva, Ser Homem, de Helena Inverno e Verónica Castro, relato de uma tradição religiosa louletana e Soldado Nobre, de Jorge Vaz Gomes.

Prontos a filmar mas já com uma apresentação do elenco e dos ambientes estiveram Sodade, de Diana Antunes, biopic centrado na vida de Cesária Évora, que será interpretada por Soraia Tavares; Náufragos, de José Barahona, sobre um naufrágio de um navio de escravos e a inesperada guinada na fantasia de Joaquim Leitão, Guardians of The Gods, grande produção com dinheiro americano e italiano inteiramente filmado em Sintra com elenco internacional.

Depois destes pitchs, Susanna Barbatto, da NOS Audiovisuais era uma anfitriã com palavras de esperança: "diria que andam aí alguns blockbusters portugueses, mas não os suficientes. Deveria haver produto que o público português estivesse disposto a sair de casa e pagar bilhete para ir a a uma sala de cinema. É o público português que decide o que ver e cada vez está mais exigente pois tem ao seu alcance possibilidade de produto que nunca mais acaba! Cada vez se produz mais mas nem tudo tem de ir ao grande ecrã! A vantagem é que como se produz para todas as plataformas há mais oportunidades". "Há todas as razões para sentir que este é um momento positivo. O que vimos nestes Encontros é que continuou a haver trabalho nesta área e hoje assistimos a imagens de muitos filhos da pandemia. Pelo que vimos acho que estão reunidas as condições para recuperar", acrescentou José Fragoso, diretor de programação da RTP.

No debate que teve como mote O Futuro do Cinema Português, pouco ou nada se falou em relação a políticas concretas para se estancar a acentuada debandada do público às salas onde são exibidos filmes portugueses. O mote voltou a ser velha e estafada dicotomia entre cinema "de nicho" e cinema para o "grande público".

O cineasta e produtor Fernando Vendrell, que não estava num painel onde estavam dois produtores, Pandora da Cunha Telles e Paulo Branco, na intervenção com a plateia chegou a gritar bem alto: "Tem de haver alguma mudança!! Tem de haver uma reinterpretação das salas de cinema para o espetador ficar mais atraído. Tem de haver fator de risco. Se a NOS Audiovisuais não arrisca, não vai haver novidade nenhuma e as salas vão perder ainda mais dinheiro". Aliás, a questão do apoio aos exibidores não chegou a ser suficientemente falada...

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