Jon Bernthal e Aunjanue Ellis-Taylor: entre o individual e o colectivo.
Jon Bernthal e Aunjanue Ellis-Taylor: entre o individual e o colectivo.

"Origin - Desigualdade e Preconceito". Memórias históricas do racismo

Isabel Wilkerson é uma autora norte-americana apostada em estudar as formas de discriminação racial e repressão social a partir do conceito de casta: o filme 'Origin', de Ava DuVernay, faz o retrato das suas investigações.
Publicado a
Atualizado a

O menos que se pode dizer de Origin, o mais recente filme de Ava DuVernay (revelado no Festival de Veneza de 2023) é que se trata de um objeto de respeitável ambição histórica. No seu centro está a figura de Isabel Wilkerson, interpretada por Aunjanue Ellis-Taylor, primeira mulher afro-americana a ser distinguida com o Prémio Pulitzer de jornalismo - aconteceu em 1994, graças às reportagens que escreveu no New York Times sobre a chamada Grande Cheia de 1993, atingindo regiões atravessadas pelos rios Missouri e Mississípi.

O ponto de partida do filme é o trabalho de investigação de Wilkerson que daria origem ao seu livro Cast: The Origins of our Discontents, lançado em 2020 (tradução portuguesa: Castas - As Origens do nosso Descontentamento, Editora Cultura, 2021). A ação é espoletada pelas suas declarações sobre o assassinato de Trayvon Martin, um jovem afro-americano de 17 anos de idade, morto em 2012 por George Zimmerman, um polícia de raízes hispânicas com 28 anos - pela sua dimensão trágica e também pela arbitrariedade do acontecimento (Trayvon limitava-se a caminhar pelas ruas da sua comunidade, à noite, a caminho da casa da companheira do seu pai), o crime abalou profundamente a sociedade americana, relançando múltiplas análises e discussões sobre o racismo.

Entre nós, o filme surge com um subtítulo - “Desigualdade e Preconceito” -, obviamente justificado, ainda que insuficiente para dar conta da abrangência do labor de Wilkerson. Isto porque a desmontagem do sistema racista está longe de esgotar a visão da autora. Em boa verdade, no centro da sua investigação está a própria discussão dos limites interpretativos e críticos da noção de racismo.
Na sequência da morte do marido (Jon Bernthal), Wilkerson lança-se numa imensa saga de investigação cuja premissa fundamental é a insuficiência da repressão racista para dar conta de muitas convulsões da história dos EUA. De tal modo que, a partir da noção de casta, e dos mecanismos de desumanização que a sustentam, o seu estudo evolui no sentido de demonstrar a universalidade dessa noção. Mais ainda: ela recorre a paralelismos com o extermínio dos judeus pelos nazis ou o apertado sistema (de castas, precisamente) que continua a marcar as relações sociais na Índia.

Escusado será dizer que a lógica de investigação do livro de Wilkerson pode ser (e tem sido) muito discutida. O filme não o esconde, pontuando a ação com vários diálogos sobre esta “ampliação” do conceito de casta. O certo é que o faz quase sempre num registo algo mecanicista de “flashbacks”, embora tentando preservar os ecos conjugais e familiares da trajetória da autora.



Nesta perspetiva, e para lá das louváveis intenções pedagógicas, creio que podemos dizer que Origin revela os mesmos limites de outro filme da realizadora, Selma (2014), evocando a ação de Martin Luther King na defesa dos direitos universais de voto. A meu ver, o seu trabalho em registo de minissérie - recordo, sobretudo, When They See Us (Netflix, 2019) - é, no plano narrativo, francamente mais interessante.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt