Se está a perguntar por que razão um filme que se destacou o ano passado no circuito dos prémios e festivais (passou inclusive pela MONSTRA, em Lisboa, onde venceu o Prémio do Público) só agora chega às salas, a resposta é: concorrência direta, chamada Robot Selvagem. Ou melhor: engarrafamento da palavra “robot”. A saber, na altura em que Robot Dreams – Amigos Improváveis estava para estrear (outubro último), a DreamWorks encheu o peito com o anúncio da sua “obra-prima do ano”, o dito Robot Selvagem, fazendo Robot Dreams parecer notícia velha. Porque a lógica dos filmes em cartaz é assim mesmo: interessa aquele que está a começar a ficar na moda e não o que, apesar de ter alcançado a nomeação para o Óscar de Melhor Animação (com o mérito acrescido de não ser sequer uma produção de um grande estúdio a jogar em casa), já faz parte de outro programa de festas. .A crueldade da dialética do mercado não nos demove de chamar, desta feita, “obra-prima” à proeza animada do espanhol Pablo Berger que finalmente pode ser vista no grande ecrã. Um filme sem diálogos, mas com muito a dizer sobre os laços que nos unem, ou, no caso, os laços que unem um cão e um robot... Passa-se na Nova Iorque dos anos 1980, uma cidade habitada por animais antropomórficos, e capta a vibração dessa mesma metrópole, onde a solidão, num estalar de dedos, se transforma em cor, música e sorrisos, com cada esquina de Manhattan a ser sinónimo de aventura. Começa num sofá. Um cão aborrecido está a fazer zapping quando se depara com a publicidade a um robot, Amica 2000, que se apressa a encomendar. A partir daí, a amizade (ou amor?) “constrói-se”: Amica vem desmontado e o cãozinho dá-lhe vida encaixando as peças soltas, sem desconfiar que aquela máquina, uma vez ligada, será muito mais do que um androide de companhia; reserva-lhe dias de pura e exuberante felicidade. .A dado ponto, porém, Robot Dreams mostra como a intensidade das coisas chega ao fim. Não por vontade destes amigos: um detalhe frustrante (importa não revelar) vai condená-los à distância mútua durante um longo período, e é aí que Berger dá expressão à poesia dos sonhos que os mantêm unidos. O que é que o destino lhes reserva? Mais do que a expectativa do final deste belíssimo conto urbano nascido de um romance gráfico de Sara Varon, com doces afinidades cinéfilas, o que encanta é a delicadeza das emoções visíveis e os efeitos práticos de uma sedutora e nostálgica estética nova-iorquina. O engenho amigo Robot Dreams surge, assim, nesta era apreensiva da Inteligência Artificial, como um exemplo primoroso do género que se pode apelidar de “amigo robot”: a abordagem romântica da nossa relação com as máquinas, cuja complexidade se sintetiza pela ficção. Mas não é exemplo único. Desde logo, o referido Robot Selvagem, de Chris Sanders (que deverá ser nomeado aos Óscares deste ano), conta outra história comovente de um androide perdido numa ilha sem presença humana, que aos poucos transfigura as leis da natureza naquele lugar, enquanto desenvolve instintos maternais... É uma fábula com coração e alguma arte, mas não propriamente a obra-prima que se apregoou. .Dentro do género, no último ano conhecemos também Sunny (Apple TV+), uma série sobre uma americana a viver em Quioto, num futuro próximo, que se vê na companhia de um homebot (robot doméstico) programado pelo marido especialmente para ela, com o propósito de preencher a sua ausência. Um thriller de dor e autodescoberta, já agora muito diferente da comédia britânica da Aardman Wallace & Gromit: A Vingança das Aves, estreada há poucos dias na Netflix, pela mão do criador dessa dupla emblemática da animação stop motion – aqui, o robot aparece na forma de um gnomo jardineiro, nova invenção do senhor Wallace, usada e reprogramada por um pinguim inimigo. Moral da história: o gnomo inteligente encontra o caminho para a cumplicidade com o cão Gromit. De resto, o cinema de animação está cheio de robots simpáticos, a começar pel’O Gigante de Ferro (1999), de Brad Bird, que converteu ficção científica estilo Guerra Fria num clássico conto de fadas entre um menino e um corpo metálico extraterrestre. Ainda no início desta década, Ron Dá Erro (2021) retratava um adolescente sem amigos que, rodeado de Bubblebots (espécie de rede social da autoria de um jovem com ares de Mark Zuckerberg), acaba por descobrir no seu robot sem algoritmo a definição perfeita da amizade. .E o que dizer do drama suavemente futurista A Vida Depois de Yang (2021), de Kogonada? Este filme com uma das derradeiras bandas sonoras de Ryuichi Sakamoto coloca um androide avariado no centro de uma viagem íntima em busca de memórias familiares, que serão a própria essência de um mundo de emoções guardadas por esse “technosapien”... Robots? Está visto que são adoráveis. .'Ainda Estou Aqui'. Isto não é uma telenovela.Angelina Jolie. Na companhia do fantasma de Maria Callas .'A Verdadeira Dor'. O labirinto da dor