“O que fazemos é um trabalho de amor”- os Welchman
O escritor Prémio Nobel Władysław Reymont (1867-1925) jamais imaginou que o seu livro mais famoso, Chlopi - Camponeses, viesse a ser alvo de uma adaptação ao cinema com a mais inusitada técnica digital: desenho à mão pintado sobre as imagens. Aconteceu o ano passado e o filme chega agora aos cinemas portugueses com o título Em Nome da Terra, realizador por DK Welchman e o seu marido Hugh, o mesmo casal do sucesso A Paixão de Van Gogh, também executado da mesma forma. Se é animação ou truque digital, daí muita discussão pode ser gerada. Há quem proclame beleza suprema, há quem grite bem alto que é vigarice.
The Peasants, título original, é uma história sobre o patriarcado numa aldeia do interior da Polónia campestre do século passado, acompanhando o percurso de uma jovem que se transforma mulher e é obrigada a um casamento por conveniência com o agricultor mais poderoso da região. Uma menina que se torna um objeto, um troféu para uma sociedade que é conivente com o desrespeito dos direitos das mulheres.
Pelo meio, muitos bailes, muita música etnográfica e um sem número de tragédias pintadas com todas as cores possíveis e em traços diversos de pintura.
A música como ponto de avanço do filme
“De alguma forma, o nosso objetivo é que a música tradicional conduzisse o ritmo do filme, uma música com aquele tom eslavo e folclórico, onde não quisemos também deixar de parte os coros ucranianos e sérvios . Estávamos a adaptar uma obra literária pesada e muito longa, incluindo um casamento que dura três dias, uma batalha gigante e bastantes momentos de dança apaixonantes - havia que condensar todo aquele drama das 900 páginas do romance! A DK é que foi perita em montar o filme e tinha de ter todas certezas, pois isso de fazer filmes com pintura de óleo por cima traz-nos um problema: demora um montão de tempo, mesmo que tenha ótimo aspeto. Diria que são para aí umas cinco horas por cada frame...Por muito que quiséssemos acalmar a coisa, continuavam a dizer-nos que estávamos a ser frenéticos demais”, começa por nos dizer da Polónia via Zoom o realizador.
Quem entrar neste mundo de gritos e movimento tem de se proteger com o efeito de tontura...
Polónia, Portugal...
O britânico Hugh Welchman acha que o filme tem também um eco universal.
“Apesar de a Polónia ser diferente de Portugal, se visitássemos uma área rural de Portugal no começo do século passado não seria muito diferente. Aposto que toda esta questão de certas instituições e do patriarcado faz ressonância com o vosso país.”
Logo de seguida, quando surge a pergunta de como resolvem, quando as opiniões são diferentes no casal, Hugh exclama que é a mulher quem decide em última instância. “Eu!? Tu tomaste muitas decisões a nível musical!”, grita DK.
“Sim, a maioria dos nossos conflitos criativos acontece na fase da escrita, Normalmente, escrevemos os argumentos na varanda da nossa casa, no norte da Polónia. Começámos a escrever este filme num verão cheio de tempestades, algo estranho, pois na Polónia não chove tanto como no Reino Unido. E foi aí que tivemos algumas discussões bem acesas, mas depois disso é raro estarmos em desacordo. Em termos de arte, a DK é uma pintora com treino e, aí, nunca me meto. Posso apenas sugerir isto e aquilo. Para mim, o melhor de fazer estes filmes é fazê-los em conjunto.”
Ainda sobre essa questão, a realizadora volta a atacar: “Quando percebo que não tinha razão fico muito frustrada. Mas claro que nos respeitamos, caso contrário isto não resultava. Para já, está a dar bons resultados em dois filmes. O que fazemos é um trabalho de amor.”
DK diz-se muito honrada por fazer parte dos primeiros cineastas que usa esta técnica de animação e vai admitindo que gostava de produzir para outros pioneiros: “Este é um estilo de animação que ainda está a evoluir. Quando em 2020 lançámos o primeiro trailer concetual para este projeto, aquilo era uma tentativa cómica para chegarmos a este resultado. Ainda estávamos demasiado próximos do estilo de A Paixão de Van Gogh, mas depois arranjámos novos pintores que eram um pouco mais impressionistas e com um estilo mais solto. Obviamente, pesquisámos e estudámos novas possibilidades. Neste processo, que demorou anos, os nossos pintores ficaram melhor preparados. Nos últimos meses da produção é que achei que agora é que era. Agora é que deveríamos começar esta produção... Enfim, percebemos melhor a técnica tarde demais. Ao que parece, com o filme anterior, tinha dito o mesmo”.
Como se não fosse uma animação...
A realizadora continua explicando que filmaram tudo com atores de grande calibre e cenários e iluminação com a qualidade perfeita para um filme de imagem real. A parte da pintura veio mesmo muito depois.
“O nosso diretor de fotografia quis iluminar as imagens da forma mais pictórica possível e os atores representaram da mesma maneira como se estivessem num filme de imagem real”. O que é curioso é que o efeito de Em Nome da Terra passa por uma sensação de nos esquecermos de que tudo aquilo é imagem digital pintada a óleo...
Por fim, antes de se carregar no click do desligar desta chamada virtual, os realizadores ficam espantados pelo título português. Espantados pela positiva.