O poeta que recusa escolher entre cirurgia e escrita

João Luís Barreto Guimarães recebeu com "surpresa" a notícia de que lhe foi atribuído o prémio Pessoa 2022. O seu novo livro, Aberto todos os dias, sairá em janeiro, anunciou a sua editora, a Quetzal.

"A certa altura, já não sei se é o poeta que opera ou se é o cirurgião que escreve", confidenciou João Luís Barreto Guimarães à Lusa, depois de receber a notícia de que venceu o Prémio Pessoa 2022. O médico e poeta, que garantiu já não ter problemas em conjugar as duas facetas da sua vida, não escondeu o "espanto e surpresa" por se juntar a uma lista de vencedores que inclui nomes ilustres da poesia como Herberto Hélder e António Ramos Rosa. E confessou sentir o "peso da responsabilidade" por uma distinção "desta envergadura".

"Médico e cirurgião, é uma voz inconfundível na poesia portuguesa contemporânea desde 1989, quando publicou o primeiro livro, aos 22 anos", afirmou o presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão, citando a ata da reunião dos jurados deste ano. Numa conferência de imprensa no Palácio de Seteais, em Sintra, o júri salientou a "obra vasta de João Luís Barreto Guimarães" que "se inscreve simultaneamente na tradição lírica portuguesa, tanto na sua nota histórica como intimista, e numa modernidade europeia e anglo-saxónica".

Composto por Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques, com Francisco Pinto Balsemão a presidir e Paulo Macedo enquanto vice-presidente, o júri destacou a obra de a obra de João Luís Barreto Guimarães, que "escreve sobre os portugueses, e tudo o que vê e o que observa, o que sente e o que pensa, e sobre o outro com uma atenção permanente". Com Rui Vieira Nery a reforçar que, embora seja médico e cirurgião, "é na qualidade de poeta que João Luís Barreto Guimarães recebe o Prémio Pessoa", referindo que "como poeta, trata também a sua experiência da relação com o doente".

O Prémio Pessoa, no valor de 60 mil euros, é uma iniciativa do Expresso e da Caixa Geral de Depósitos, e visa "representar uma nova atitude, um novo gesto, no reconhecimento contemporâneo das intervenções culturais e científicas produzidas por portugueses".

O próprio vencedor, que é também tradutor, admitiu que a construção da sua obra poética "foi sempre uma luta por tempo e, de alguma forma, uma competição entre a cirurgia e o curso de Medicina e, agora, a literatura e a poesia".

Mas garantiu que "tudo se tornou mais fácil quando, a determinada altura, deixei de compartimentar, já há bastantes anos, as duas áreas. Tudo se tornou mais fácil, porque eu, em qualquer intervalo de tempo, em meio à minha atividade profissional, inclusive à hora de almoço, utilizava o tempo para ler ou escrever e, nesse aspeto, se calhar estará aí uma das razões pela qual eu escrevo poesia e não escrevo textos mais longos, como o romance por exemplo", disse.

E de explicar: "Sinto-me muito cómodo com o poema, nomeadamente o poema curto, que se centra no centro da página, emoldurado por uma moldura branca de silêncio a toda a volta, em que o poema e a sua mancha gráfica, ideias e sons se esculpem no meio da página para um máximo de experiência de leitura e experiência poética. Eu gosto dessa ideia quase fílmica de curta-metragem no centro da página. Para mim, escrever mais do que isso, mais do que aumentar, é diluir e eu sinto-me confortável com a intensidade, o choque, o estremeção do poema dentro desse limite".

Numa entrevista a João Céu e Silva publicada no DN em 2018, João Luís Barreto Guimarães explicava que a sua poesia é feita para o leitor: "Existe poesia que não se interessa em saber se comunica e existe outra que comunica. Esta é uma poesia que nunca escondeu que quer ser lida, sem que isso signifique qualquer grau de facilidade."

Novo livro em janeiro

Realçando a "muita alegria" com que recebeu a notícia de que João Luís Barreto Guimarães venceu o prémio Pessoa 2022, a sua editora, a Quetzal, aproveitou para anunciar que Aberto todos os dias, o seu novo livro, vai sair em janeiro. Esta será a sétima obra do poeta publicada por aquela editora.

"Dos primeiros poemas até hoje, a obra de João Luís Barreto Guimarães evoluiu não apenas no sentido do seu reconhecimento em Portugal ou no estrangeiro - mas também no do apuramento de uma ironia raríssima entre nós, e da melancolia nascida das coisas simples e quotidianas, sem ocultar uma raiz profunda que vai buscar referências à cultura europeia nas suas diversas geografias, do Mediterrâneo à Mitteleuropa, das margens do Levante à contemplação do Atlântico", lê-se no comunicado da Quetzal sobre o autor nascido no Porto, a 3 de junho de 1967.

Há violinos na tribo, publicado em 1989, foi a primeira obra editada de João Luís Barreto Guimarães, aos 22 anos, numa edição de autor que reunia 28 poemas entre 1985-1989. Com 12 livros de poesia já publicados, os primeiros sete foram reunidos em 2011, numa Poesia Reunida editada pela Quetzal.

Em 2016, lançou Mediterrâneo, que conquistou o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa e foi publicado em Espanha, Itália, França, Polónia, Egito, Grécia, Sérvia e EUA, onde recebeu o Willow Run Poetry Book Award 2020. O seu mais recente livro, Movimento, de 2020, venceu o Grande Prémio de Literatura dst.

LISTA DE VENCEDORES:

2022 - João Luís Barreto Guimarães (poeta).

2021 - Tiago Pitta e Cunha (jurista).

2020 - Elvira Fortunato (cientista).

2019 - Tiago Rodrigues (ator, encenador e dramaturgo).

2018 - Miguel Bastos Araújo (geógrafo).

2017 - Manuel Aires Mateus (arquiteto).

2016 - Frederico Lourenço (filólogo, escritor, tradutor).

2015 - Rui Chafes (escultor).

2014 - Henrique Leitão (historiador de ciência).

2013 - Maria Manuel Mota (investigadora).

2012 - Richard Zenith (investigador).

2011 - Eduardo Lourenço (ensaísta).

2010 - Maria do Carmo Fonseca (investigadora).

2009 - Manuel Clemente (cardeal-patriarca de Lisboa).

2008 - João Luís Carrilho da Graça (arquiteto).

2007 - Irene Flunser Pimentel (historiadora).

2006 - António Câmara (investigador).

2005 - Luís Miguel Cintra (ator, encenador).

2004 - Mário Cláudio (escritor).

2003 - José Joaquim Gomes Canotilho (constitucionalista).

2002 - Manuel Sobrinho Simões (investigador).

2001 - João Bénard da Costa (historiador de cinema).

2000 - Emmanuel Nunes (compositor).

1999 - Manuel Alegre (escritor) e José Manuel Rodrigues (fotógrafo).

1998 - Eduardo Souto de Moura (arquiteto).

1997 - José Cardoso Pires (escritor).

1996 - João Lobo Antunes (investigador, neurocirurgião).

1995 - Vasco Graça Moura (escritor e tradutor).

1994 - Herberto Helder (poeta).

1993 - Fernando Gil (ensaísta).

1992 - António e Hanna Damásio (investigadores).

1991 - Cláudio Torres (arqueólogo).

1990 - Menez - Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca (artista plástica).

1989 - Maria João Pires (pianista).

1988 - António Ramos Rosa (poeta).

1987 - José Mattoso (historiador).

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