A editora Cavalo de Ferro acertou na data para lançar o novo romance de László Krasznahorkai, o mais recente Nobel..
A editora Cavalo de Ferro acertou na data para lançar o novo romance de László Krasznahorkai, o mais recente Nobel..D.R.

O Nobel que diz tudo num parágrafo

As páginas do romance de László Krasznahorkai, 'Herscht 07769', são como estradas recentemente asfaltadas: a tinta preta das letras ocupa toda a folha e não tem espaços em branco por preencher.
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Chega hoje, dia 13 de outubro, às livrarias a tradução do mais recente do Prémio Nobel de Literatura, László Krasznahorkai, romance que tem por título Herscht 07769, o código postal da morada do protagonista do romance do escritor húngaro. Depois de laurear e divulgar mundialmente ilustres desconhecidos como a poeta norte-americana Louise Glück ou o romancista da Tanzânia Abdulrazak Gurnah, a Academia Sueca volta a insistir em literaturas menos abrangentes em número de leitores e, no caso de Krasznahorkai, em performers literários que têm registos pouco habituais.

É o caso deste segundo romance traduzido para português, pela Cavalo de Ferro, que terá Portugal como cenário dos primeiros passos do novo Nobel, pois além de Herscht 07769 estar hoje já à disposição dos leitores portugueses, o autor também não desmarcou a sua presença no festival literário Folio, em Óbidos, no próximo fim de semana de 18 e 19. Diga-se que o seu romance de estreia, O Tango de Satanás (1985) foi até agora o único publicado, em 2018 pela Antígona.

Krasznahorkai não tem uma obra enquanto romancista muito extensa, inferior a uma dezena de títulos, sendo autor noutros géneros, como novelas, contos e guiões para cinema. No entanto, para a Academia não há dúvida de que a sua obra é “convincente e visionária e que, no meio do terror apocalíptico, reafirma o poder da arte. É um grande escritor épico, na tradição centro-europeia que se estende de Kafka a Thomas Bernhard e que se caracteriza pelo absurdo e pelo excesso grotesco”. Ao saber que tinha sido o escritor escolhido pelo júri sueco, Krasznahorkai foi muito claro na sua reação: “Este prémio prova que a literatura existe por si só, além de diversas expectativas não literárias, e que ainda é lida. E para aqueles que a leem, oferece uma certa esperança de que a beleza, a nobreza e o sublime ainda existem por si mesmos.”

Escreveram-se na quinta-feira em todos os órgãos de informação, que pouco ou nada tinham para revelar sobre o vencedor inesperado apesar das apostas indicarem a sua possível vitória, que uma característica da sua prosa é a de extensos parágrafos de várias páginas. Situação que se pode comprovar na edição portuguesa, cujo início tem quatro páginas sem qualquer interrupção e pouco depois um único segmento (que termina numa vírgula) com uma única frase ao longo de vinte páginas sem um único ponto final. Ou seja, tal como em obras anteriores, este Herscht 07769 configura-se num total de 379 páginas consecutivas.

Bem presente neste romance estão outras duas características de Krasznahorkai anunciadas no texto do anúncio do Nobel: o exagero do grotesco e muito absurdo. Nada que logo desde cedo o leitor não se acostume facilmente pois a narrativa reúne algumas dessas características na carta que escreve à Senhora Chanceler Angela Merkel para a avisar do perigo que corre a Alemanha e, provavelmente, a humanidade devido “ao alarme do âmbito da filosofia da natureza inerente a descrições de processos aparentemente sem resposta surgidos no decorrer de experiências de vácuo” que exigem à “líder do país e uma das mais influentes personalidades do mundo convocar o Conselho de Segurança”. Este objetivo será o melhor verniz para cobrir tudo o que o escritor pretende retratar, muito crítico das vivências dos vários personagens mas sem necessitar de explicações muito claras. O comprimento do único parágrafo de que se compõe o livro permite-lhe ir e vir aos personagens e clarificá-los.

A partir daqui sabe-se qual a demanda do protagonista Florian, que tem uma relação dominada pela violência do seu patrão, é vítima de bullying constante e obrigado a disfarçar as suas ambições devido à sua pouca genialidade; o convívio com vizinhos, colegas e, principalmente, com o patrão vai desnudando a mitologia de um mundo contemporâneo que Krasznahorkai quer deixar registado de forma profética neste romance estranho por não ter interrupções e ser-se obrigado a uma leitura cuidadosa para se o compreender, bem como às mensagens políticas. Até nos vários palavrões que percorrem o romance existe outra fórmula, discretos por serem reduzidos a três letras da palavra toda.

O subtítulo é O romance bachiano de Florian Herscht – e a epígrafe tão desesperada como cada vez mais verdadeira: “A esperança é um erro”, um esclarecimento perante o desastre civilizacional que o protagonista Florian de Herscht 07769 prevê e para o qual pede ajuda à Senhora Chanceler, apesar de não ter a certeza de que as cartas são lidas e o aviso feito. Nesta parte é uma parábola dos tempos mais contemporâneos, nos quais se o eleitor não se revê na passividade dos governos e pequenas células mais radicalizadas se vão reunindo, debatendo políticas e fazendo saudações neonazis.

Sendo um romance de 2021, Krasznahorkai não ignora uma previsão sobre o futuro para onde a Hungria se dirigia, bem como tudo o que ficara para trás na sua história durante o século XX, não só enredada num problema político como também social. A instalação de Orban no poder (três vezes reeleito) e a contestação à invasão russa da Ucrânia tem um espelho na construção de alguns personagens, como o patrão de Florian: “O Boss tinha um ar assustador, o que inspirava respeito até entre os seus camaradas”. Aliás, o mais recente Nobel tornou-se num espelho que refletia a oposição nos últimos anos do regime comunista. 

Quando se chega às últimas duas páginas, Krasznahorkai deixa toda a tragédia que percorre o romance, a violência, o grotesco, e torna poética a despedida. Refira-se que o escritor já afirmou que nunca pensara ser escritor. Nada foi planeado; escreveu um primeiro livro e achou que o deveria reescrever. Processo em que continua envolvido: “A minha vida é uma correção permanente”.  

HERSCHT 07769

László Krasznahorkai

Cavalo de Ferro

379 páginas

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