Mágico é o melhor adjetivo possível para descrever o que se passa entre Sines e Porto Covo durante a semana do Festival de Músicas do Mundo (FMM), que terminou esta madrugada. Em muitos momentos, a música é um mero detalhe perante o ambiente que é construído nas duas cidades da costa alentejana durante os dias em que recebem o festival. O encontro de culturas presente na programação do FMM, que na edição deste ano teve artistas de 27 países, transcende para além dos palcos num convívio democrático sem distinções de faixa etária, nacionalidade ou classes sociais..A celebrar este ano o 25.º aniversário da sua primeira edição, o FMM deu mais uma mostra do porquê de ser um dos festivais favoritos do público português e de estrangeiros que vêm ao país para marcar presença no evento. Em Porto Covo, a line-up deste ano esteve abaixo de outras edições, como em 2023, quando Chico César e Silvana Estrada entusiasmaram o público. Nem por isso, no entanto, as pessoas que têm o festival quase como uma religião deixaram de considerar esta edição tão especial quanto qualquer outra..No alto da falésia de uma das praias de Porto Covo, forma-se um campismo selvagem, no qual, embora não haja propriamente regras, o companheirismo e o senso de comunidade regem a ordem de bem estar social. Se o camping gás de determinado grupo termina, um estranho de outro grupo oferece o fogão da carrinha em que viaja em troca de uma cerveja ou apenas de um pedaço da salsicha que agora perfuma a casa que leva pelas estradas. No mesmo campismo, uma jovem passa com o lixo para separar vidro, plástico e papel, enquanto um guitarrista em performance baixa o som do amplificador a partir de certa hora..O camping improvisado é o centro do repouso entre os diversos nichos que se formam naquela normalmente pacata cidade. No centro, onde a vila como qualquer outra, não importa o tamanho, conta com a tradicional praça com igreja, o ambiente é mais familiar. Idosos espreitam os concertos sentados em cadeiras de praia atrás dos festivaleiros, crianças brincam e comem algodão doce no lado esquerdo do palco e a multidão no meio dança e interage com os artistas. .No caminho até o Mercado Municipal de Porto Covo, quem comanda a rua, ou as calles, são artesãos da América Latina e Espanha, que se multiplicam na semana seguinte entre a igreja e o Castelo de Sines. Num bar de brasileiros, o afterparty é ao som de psy trance, enquanto nos decks de madeira com vista para o mar, os batuques do público hippie, nicho imprescindível e fiel ao FMM, não tem hora para acabar..Na manhã ou hora que acordar, hidratação em primeiro lugar e muita fruta. Estar em Porto Covo faz toda a gente querer roer uma laranja na falésia, como já cantava Rui Veloso. Louco aquele que não ouve a famosa música no carro quando já a poucos quilómetros da cidade que se torna capital do amor do Alentejo nos dias do FMM..Se há alguma contestação a fazer na parte de Porto Covo, é a da comida, com bancas limitadas e preço inflacionado. Muito diferente de Sines, que além da segunda parte do FMM, recebe também o festival gastronómico Tasquinhas, que torna-se um paraíso para os campistas que chegam a cidade. Milho frito e pregos e bifanas no bolo do caco feito ali mesmo são algumas das principais especialidades, na banca da Madeira. Isso sem esquecer das sandes de choco frito no Partido Comunista Português, histórico e com muita força no município e que tem logo a primeira banca na entrada do festival..A transição de Porto Covo para Sines, de uma cidade pacata para uma cidade operária, dá uma cara diferente ao festival, sem perder, no entanto, a essência que o evento proporciona desde o primeiro dia. Se em Porto Covo a maré dançante por cima da falésia já era quase parte das ondas do mar iluminadas pelo brilho da lua cheia que presenteava a cidade naquelas noites, em Sines não foi diferente. Os concertos da madrugada realizados no Palco Galp, ao pé da praia, foram os que trouxeram mais público ao festival. “É um mar”, disse o argelino Sofiane Saidi ao espreitar a multidão antes de se apresentar quase na manhã deste sábado..A névoa que invade a madrugada na cidade tomada por hippies parece tão distópica quanto o que parece ser uma vila de Matrix nas refinarias vistas do miradouro perto do castelo: são só mais alguns dos elementos que cativam o público e se tornam tópico de conversas nos diferentes grupos admirados com o festival. Parece que cada detalhe contribui para a tal magia do FMM. .No último dia desta edição, um festivaleiro abordado por um colega repórter sobre a expectativa para o próximo ano deu uma resposta sincera e que representa o sentimento daquelas pessoas que se conectam com o evento: “Peço que esse lugar nunca mude”. A ver vamos, tendo em vista que a ideia é transformar a região - que além das refinarias, conta com fábricas de lítio - num polo tecnológico e numa espécie de Vale do Silício português. Que não atinja o FMM..nuno.tibirica@dn.pt