Em julho de 2015, Espanha (e meio mundo) parou com a notícia de que o escritor peruano Mario Vargas Llosa, Nobel da Literatura em 2010, tinha um caso com a rainha do papel couché, Isabel Preysler, ex-mulher de Julio Iglesias (e mãe dos seus três filhos mais velhos), do marquês de Griñon e, finalmente, viúva de Miguel Boyer, ministro da Economia de Felipe González. Um caso, diga-se, suficientemente sério para que o escritor, lesto como o vento, se mudasse para casa da nova eleita do seu coração. Enquanto muitos se perguntavam como era possível tal união entre a alta literatura e a designada quinta-essência da futilidade, outros tantos escandalizavam-se com o facto de Vargas Llosa abandonar assim, sem período de nojo, um casamento de meio século com Patricia Llosa..A jornalista e escritora espanhola Rosa Pereda, amiga do antigo casal, recorda a estupefação causada pela notícia, "que caiu como uma bomba". Semanas antes, "Mario e Patrícia tinham celebrado as bodas de ouro com um grande jantar, rodeados por amigos, filhos e netos." E acrescenta: "Para a Patrícia foi um enorme choque. Sempre soubemos que Mário era um sedutor mas ninguém estava preparado para uma decisão unilateral como esta.".Divorciado da mãe dos filhos, que muitas vezes foi também sua porta-voz e secretária, o escritor, que cobra 100 mil euros por conferência e, já antes do Nobel, recebia adiantamentos da editora na ordem do milhão e meio de euros por livro, tornou-se o quarto companheiro de Isabel. Assim estiveram até há poucas semanas, quando anunciaram oficialmente a separação definitiva. Para muitos, a única surpresa é que, ainda assim, esta relação, acompanhada a par e passo pela "prensa de corazón" (como, aliás, todos os amores de Isabel Preysler) tenha durado cerca de 7 anos. De resto, há quem encontre prenúncios deste desfecho no conto do escritor Los vientos, publicado em novembro de 2020, na revista literária Letras Libres, onde se lê: "De Carmencita, minha mulher de muitos anos, recordo-me muito bem (...). Todas as noites, parece mentira, desde que cometi a loucura de abandoná-la penso nela e assaltam-me os remorsos. Creio que só fiz uma coisa má na vida: abandonar Carmencita por uma mulher que não valia a pena.".O mistério de tamanho arrebatamento permanece, todavia. O que levou Vargas Llosa a entrar sem hesitações num mundo que criticara abertamente no seu ensaio A Civilização do Espetáculo? O livro, publicado em Portugal em 2010, onde chama a Julian Assange a Oprah Winfrey da informação e onde se lê: "O que quer dizer civilização do espetáculo? (...) A de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento e onde divertir-se, e fugir ao aborrecimento, é a paixão universal." Ou ainda: "O desaparecimento do privado, o facto de ninguém respeitar a intimidade alheia, tem-se convertido numa paródia que excita o interesse geral e haver uma indústria informativa que alimenta sem tréguas e sem limites esse voyeurismo universal, é uma manifestação de barbárie." E, no entanto, uma vez conhecida a sua ligação amorosa com esta filipina que, mal chegou a Madrid no final dos anos 60, se tornou uma das socialites mais bem sucedidas do país, Vargas Llosa não hesitou em tornar-se um ativo participante desse circo que pouco antes abominava..Um comportamento errático na aparência, ditado pela paixão e pelo desejo? Ou pela vaidade de um homem público, que ao abeirar-se dos 80 anos, gosta de se ver acompanhado por uma mulher mais nova, bela e tão pública como ele? Nunca o saberemos. A constância do seu casamento de meio século com Patricia não faz esquecer que Mario Vargas Llosa foi sempre um sedutor, com um "fraquinho" por enredos pouco convencionais..Ainda adolescente, tomou-se de amores por Julia Urquidi Illanes, mais velha dez anos do que ele, e cunhada do seu tio, Luis "Lucho" Llosa Ureta. Uma história que ele não tem pejo em contar no romance A Tia Julia e o Escrevedor: "A tia Julia saía sempre para almoçar ou tomar chá com os seus numerosos pretendentes, mas reservava-me para as noites. Com efeito, íamos ao cinema, para nos sentarmos nas filas de trás da plateia, onde (sobretudo se o filme era muito mau) nos podíamos beijar sem estorvar os outros espectadores e sem que alguém nos reconhecesse." Casaram secretamente em 1955, quando ele tinha 19 anos, pondo a família à beira da apoplexia. O matrimónio duraria até 1964 quando Mario deixou a tia Julia pela sobrinha desta, Patricia Llosa Urquidi, com quem casou em 1965. De resto, o gosto do escritor pelo potencial erótico e romanesco das relações amorosas no seio da família está bem patente noutra obra sua, Elogio da Madrasta..Apesar do choque inicial, Julia manteve uma relação amável com o ex-marido até que ele publicou A Tia Julia e o Escrevedor (1977), em que admitiu não gostar de se ver retratada como uma mulher iletrada, viciada em romances de cordel e em filmes melosos vindos do México ou da Argentina..Por outro lado, as bodas de ouro de Patricia e Mario, em 2015, não correspondem a um estado de felicidade perpétua, interrompida quando Preysler foi chorar as suas mágoas de viúva no ombro do Nobel. Em fevereiro de 1976, num encontro literário na cidade do México, Gabriel García Márquez (Nobel da Literatura em 1982) dirigiu-se ao seu amigo Mario Vargas Llosa para o cumprimentar. Foi recebido a murro, por conta do que o escritor colombiano terá dito, pouco antes, a Patricia Llosa. As especulações começaram logo ali: Talvez Patricia tivesse desabafado com García Márquez acerca das frequentes traições do marido e este a tivesse aconselhado a divorciar-se. Mas também não faltou quem dissesse que o autor de Cem Anos de Solidão se teria insinuado junto dela ou que, ao invés, teria sido a esposa repetidamente enganada que teria tentado seduzi-lo, para se vingar justamente com o amigo, mas também mais notório rival, do marido. O certo é que os dois escritores cortaram relações e a tese de doutoramento de Vargas Llosa (sobre a obra de García Márquez) é o único dos seus livros que não foi reeditado..A estupefação causada pela relação com Isabel Preysler não passou tão depressa como este desejaria e causou danos na sua reputação. Em 2016, à festa dos seus 80 anos, realizada em Madrid, acudiram José María Aznar, Felipe González, quatro ex-presidentes latinos-americanos, ministros, embaixadores, intelectuais e foi enviada uma saudação especial pelos Reis de Espanha. Tudo muito diferente da última festa de aniversário, realizada na quinta do chef Mario Sandoval, onde, como escreve a jornalista Pilar Eyre no seu blogue No es por maldad: "Assistiram um par de toureiros, alguns políticos de direita, e o ex-futebolista Simeone. Só a imprensa cor-de-rosa cobriu o acontecimento." E conclui: "As vendas dos seus livros diminuíram. Foram prejudicadas por esta exposição mediática.".Não se pense, todavia, que Isabel Preysler, hoje com 72 anos, é despojada de interesse literário. A sua permanência de décadas nas capas das revistas cor-de-rosa (nomeadamente com a !Hola!, com que tem uma relação privilegiada) não se deve apenas à notoriedade dos homens com que se relacionou amorosamente ou aos filhos que teve com estes (Enrique Iglesias, Julio Iglesias Jr e Chabeli, com Júlio Iglesias; Tamara Falcó, com o marquês de Griñon, e Ana Boyer, com Miguel Boyer)..O segredo bem guardado dessa persistente sedução parece ser dissecado no romance de Carmen Posadas, A Mestre de Marionetas, em que o modo de vida da protagonista, Beatriz Calanda, se parece extraordinariamente com o de Isabel Preysler, que a escritora conheceu bem na década de 1990. Como se lê logo na abertura: "Desde criança que Gadea tinha visto a mãe a sorrir a partir das capas de todas as revistas que, a cada terça-feira, Lita, a sua assistente, expunha sobre a mesa da sala de estar. O álbum de fotografia da sua infância e adolescência desde que fazia uso da razão." Ela e as suas meias-irmãs, três, uma por cada marido da mãe. Nas várias entrevistas que deu quando da publicação do romance, Carmen Posadas insistiu sempre que Beatriz Calanda, com o seu permanente sorriso "capaz de derreter icebergs", não se inspirava em Isabel Preysler: "Não me interessava retratar uma pessoa em concreto, mas um protótipo que existe socialmente", disse em entrevista ao jornal El Español. Mas que outro pensamento poderemos ter quando, mais adiante neste romance notável, lemos: "Beatriz Calanda é como o Tarzan da selva, nunca solta uma liana, leia-se um marido, antes de ter à mão outra mais grossa, mais conveniente"?.dnot@dn.pt