Aquele corte de cabelo com franjinha criou uma moda. Mas o que dizer também do Café des Deux Moulin em Montmartre, dos gnomos viajantes e da banda sonora de Yann Tiersen (que nunca mais fez nada com o mesmo impacto para cinema)? Tudo isto vai regressar ao grande ecrã, para deleite de quem considera O Fabuloso Destino de Amélie (2001) um dos filmes da sua vida, mas igualmente para felicidade de uma geração que só ouviu falar do fenómeno, ou apenas o experienciou através de um laptop. A partir de quinta-feira, dia 2 de outubro, o filme mais célebre de Jean-Pierre Jeunet devolve então às salas a sua fantasia colorida, numa cópia restaurada - havendo ainda, para os mais ansiosos, uma sessão especial no próximo dia 29 (21h, UCI El Corte Inglés), a servir de aquecimento para a 26ª Festa do Cinema Francês, em Lisboa.Numa altura em que as salas continuam a precisar de estratégias para cativar o público, a reposição de Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain (responsabilidade da distribuidora Risi Film) é um gesto louvável. Falamos, afinal, de um dos maiores sucessos comerciais da produção cinematográfica francesa, que ecoou um pouco por todo o mundo, tendo alcançado inclusive cinco nomeações para Óscar. Por outras palavras: um caso muito sério de popularidade.Antes dele, Jeunet tinha apenas duas longas-metragens, assinadas em conjunto com Marc Caro - Delicatessen (1991) e A Cidade das Crianças Perdidas (1995) -, que davam um vislumbre da apetência para a doçura que tornou O Fabuloso destino de Amélie um objeto de apelo universal. Se esses anteriores títulos franceses, imbuídos de comédia negra e fantasia sombria não obtiveram semelhante grau de fama, foi por isso mesmo: há uma luminosidade na história de Amélie Poulain, uma carapaça de inocência, que não deixa a imaginação lúgubre do realizador sobrepor-se aos canais afetivos da personagem interpretada por Audrey Tautou (atriz feita estrela com este papel).E, porém, será que não vemos a “máquina fria” de um filme que mostra, de tempos a tempos, a harmonização do mundo pela voz apressada de um narrador? Ou o mecanismo encantatório da música de Tiersen? É claro que esses aspetos se misturam na global sensação romântica que tal emblema francês gera: seguimos as peripécias parisienses de Amélie, jovem empregada de mesa num café de Montmartre, que, de um momento para o outro, decide empenhar-se num projeto de bondade extrema. A saber: levar a felicidade àqueles que a rodeiam, usando as armas secretas de que dispõe, desde uma mente hiperativa a uma extraordinária capacidade de atenção aos detalhes.. Se fosse só isto, provavelmente não havia fenómeno nenhum para dissecar agora. Mas a combinação de um design de produção trabalhado ao milímetro (cores quentes, fundos verdes...), alguns efeitos de montagem e uma atriz perfeita para os close-ups, podem justificar largamente o sucesso do filme de Jean-Pierre Jeunet. Que talvez fosse outra coisa com Emily Watson como protagonista, a intérprete britânica que foi primeiro considerada para o papel.Um visual com sabor a leite-cremeA influência de O Fabuloso Destino de Amélie junto de alguns jovens realizadores tem sobretudo que ver com essa questão do engenho visual, desde logo, indissociável dos recursos digitais do princípio do milénio. Um romantismo forjado em imagens “deliciosas”, que projetam a fantasia intemporal de uma rapariga a encontrar o seu caminho para o amor, através de figuras e motivos de uma Paris de sonho excêntrico, que se percorre com prazer semelhante ao de partir com a colher a superfície queimada do leite-creme.Na verdade, Paris pode mesmo ser vista como a origem de tudo. Segundo contou Jeunet em entrevistas, foi no regresso de Los Angeles, onde estivera a filmar Alien - O Regresso (1997), que o realizador se deu conta da beleza da “sua” cidade: quis mostrá-la aos próprios franceses, usando uma lente especial, numa época em que os chamados feel-good movies ainda não eram dominantes. Assinou, pois, a sua epifania positivista, para qualquer viajante da existência humana..'Batalha Atrás de Batalha'. A América e o seu paraíso perdido.'No Romper da Luz'. Histórias de amor, palavras e luz.'Ernest Cole - Perdido e Achado'. Redescobrindo imagens do Apartheid