O Coreto, um romance em forma de disco
Uma história de amor com outras histórias dentro, assim se pode resumir o novo álbum de Rogério Charraz, feito em parceria com José Fialho Gouveia, o autor das letras, na melhor tradição de outras duplas famosas da música portuguesa
Era um fascínio antigo, o de Rogério Charraz pelos coretos, "um elemento arquitetónico fascinante", mas também "ponto de encontro e centro cultural das comunidades". Foi esse o ponto de partida para o mais recente disco do músico lisboeta, editado hoje e intitulado de O Coreto.
O tema central, no entanto, é outro, uma história de amor entre Sebastião, que abandona a cidade para ir viver na aldeia dos pais, e Ana, a rapariga que nunca de lá saiu e a quem ele nunca esqueceu, depois de um beijo fugidio junto ao coreto. O enredo, desenvolvido ao longo de 13 faixas (entre elas o single Quando nós Formos Velhinhos, já transformado num êxito radiofónico), inclui outros personagens, como a beata Isaura ou o carismático Chico Pintainho, sempre pronto para mais um copo na tasca do João. Podiam ser pessoas verdadeiras, iguais a tantas outras, por esse país fora, tão bem retratado romance sob forma de música, saído da cabeça de José Fialho Gouveia, o autor de todas as letras.
"É um disco feito claramente a quatro mãos, que depois, na parte da produção, se transformaram em seis, com o contributo da Luísa Sobral", afirma Rogério Charraz. A parceria entre ambos vai no entanto muito além da habitual relação entre letrista e compositor, como faz questão de sublinhar: "Trabalhámos juntos em todas as etapas do disco, nas canções, na escolha das pessoas que participaram, mas também na parte mais técnica ou nas questões promoção. Tudo foi falado e planeado a dois".
O embrião do disco surgiu num jantar de amigos. "Foi aí que o Rogério me falou do desejo de fazer um projeto à volta de um coreto. Gostei da ideia e comecei logo a pensar numa história", conta José Fialho Gouveia. Poucos dias depois marcaram um almoço, que serviu para mostrar ao músico um primeiro esboço das letras e logo aí começaram "a partir pedra, tanto nas canções como na construção da narrativa".
Como sempre acontece quando trabalham juntos - e já o fazem desde 2015 -, surge sempre primeiro a letra. "Como compositor, é-me extremamente fácil de trabalhar sobre as palavras do Zé e também me dá uma enorme motivação, porque é atualmente um dos grandes letristas da nossa música, como este disco prova", sustenta Rogério.
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Desde o início que a ideia principal passava por "fazer um disco conceptual", na senda de alguns dos álbuns favoritos da dupla, como é o caso da "trilogia do Fausto", de Mingos e Samurais e Auto da Pimenta</em>, de Rui Veloso e Carlos Tê, ou do projeto Rio Grande, idealizado por João Monge e João Gil, uma escola da qual O Coreto é claramente herdeiro. "Se assim for visto é algo que nos orgulha muito, pois todos esses discos são grandes referências para mim, tal como o João Monge e o Carlos Tê. Crescemos a ouvi-los, portanto é inevitável que vamos beber neles", Assume José Fialho Gouveia. "Nunca tive qualquer problema em admitir que as minhas maiores referências são portuguesas e lusófonas. Mas elas são depois digeridas por mim e sai uma coisa que, ao fim de cinco discos, já tem um ADN próprio", acrescenta Rogério Charraz.
A história de O Coreto, porém, não se resume ao amor entre Ana e Sebastião, havendo também espaço para crítica social e alguma nostalgia de um tempo que já não volta. "É mais um alerta, para um problema antigo e que teima em não ser resolvido, o do abandono do interior. A história de amor é um isco para colocar as pessoas a pensar nas restantes mensagens presentes no disco", explica Rogério. Quanto ao romance de Ana e Sebastião, enfim, não termina bem como se esperava, "mas deixa a porta aberta para outro final, numa eventual segunda temporada", revela com humor o cantor.
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