O conforto da família perfeitinha
Ao longo dos tempos já se começa a perceber a léguas de distância o dispositivo de "um filme Netflix". Seja pelo embrulho ou pela oleada fórmula de chegar à demografia dos públicos-alvo. É o caso desta encomenda a Miguel Arteta, em tempos cineasta do cinema independente americano, autor de obras estimáveis como Chuck & Buck (1999) ou É agora ou nunca (2002), aqui no exercício explícito da comédia familiar. Em Dia do Sim o objetivo é calcar as fundações da Disney e de outras fórmulas como À Dúzia É mais Barato (2003, 20th Century Fox), ou seja, conceber um divertimento que atraia a miudagem e os pais, sobretudo porque na génese do mote está uma pequena guerra familiar entre progenitores e filhos.
Quando se pensa em fórmula pensa-se em arco de história com os habituais desenvolvimentos de conflito-resolução, mas essencialmente também no tom: despreocupado, ligeiro e inofensivo, claro que regado com os acabamentos da ordem: música contemporânea formatada (o pop tween que os gráficos de audiência pedem...), montagem com planos rápidos e o habitual reclame da felicidade da instituição superfeliz da família americana, aqui com o recorte da inclusão hispânica. É como se toda a estrutura da coisa tivesse sido gerida em função de uma aplicação para agradar a todos os alvos.
Dia do Sim é a história de uma família, os Torres, em que uma mãe-galinha e um pai demasiado ocupado de origem hispânica gerem os seus três filhos, um menino malandro, uma menina mimada e uma adolescente a querer emancipar-se. A dada altura sentem que adotam um modelo de parentalidade demasiado restritiva e prometem aos filhos um dia em que não lhes podem negar nada, seja um pequeno almoço demasiado calórico, seja uma ida a um concerto de H.E.R. ou uma jogatana no parque... Mas num mundo de responsabilidades reais, estes pais vão sofrer na pele as regras de dizer sim a tudo. A impunidade da pequenada pode ser um inferno...
Deficitário a nível de solidez da narrativa, Yes Day está longe de conseguir de ser minimamente adulto para o público mais graúdo, mesmo que se sinta que tenha a diversão ligeira exigível para os mais novos. Em boa verdade, a balança até se desequilibra em torno do alvo adolescente por intermédio do "pequeno drama" da personagem da filha mais velha, interpretada pela nova rainha Disney Teen, Jenny Ortega. E é precisamente nesse subplot de emancipação feminina que o filme está mais industrializado e no qual se sentem mais as impostas marcas de zona de conforto para o espetador.
Porém, Arteta tem ideias de cineasta e há momentos de tensão humorística bem geridos, em parte devido ao profissionalismo de um ator reputado como Edgar Ramírez (o inesquecível Carlos, de Olivier Assayas), cujo olhar capitaliza com piada esse "pesadelo de parentalidade" que é fazer as vontades todas aos fedelhos... De alguma forma, é um gesto de cinema colocar um ator com peso dramático num papel que as regras corretas do casting poderiam pedir um Ed Helms ou um Will Ferrell...