La Marisoul no Tivoli, em Lisboa.
La Marisoul no Tivoli, em Lisboa.

“O bolero é algo muito, muito parte do que é a alma mexicana”

Para celebrar em Lisboa o Dia Nacional e 160 anos de relações mexicano-portuguesas, a embaixada do México idealizou um concerto que juntou Carminho e Marisol Hernández (La Marisoul), do La Santa Cecilia, vencedor do Grammy de Melhor álbum de Rock Latino. O público no Tivoli rendeu-se ao encontro do fado com o bolero.
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Qual a importância dos boleros na cultura mexicana?
Bom, eu acredito que os boleros são uma parte muito importante da cultura mexicana, da identidade mexicana, porque é dessa parte sentimental que vêm os versos, e a melodia, e a poesia, e também a forma de demonstrar o amor. No México é muito comum fazer serenatas, ou era costume fazer serenatas. Então alguém ia procurar um trio que cantava boleros - que geralmente era um grupo com um requinto, um violão e maracas, ou então com três violões - e levava-o para a sua festa ou para fazer uma serenata para a amada. O bolero é algo muito, muito parte do que é a alma mexicana também porque houve grandes compositores de música bolero, como Consuelo Velázquez, que escreveu esse grande bolero chamado Amar y Vivir, que escreveu Bésame Mucho, e que é uma mulher de Jalisco, de Ciudad Guzmán, em Jalisco. Sei que o bolero pertence a vários países, mas o México também o abraçou muito, e acho que o interpretou muito bem.

E pode-se dizer que o bolero é uma música compartilhada por todo o México? É popular de norte a sul do país?
Sim, o bolero é popular em todo o México, mas também nos Estados Unidos. Tenho as minhas raízes no México, mas cresci em Los Angeles, Califórnia, e conheci Pepe Carlos, que interpreta no La Santa Cecília o requinto romântico, num mercado de Los Angeles chamado La Calle Olvera. Havia muitos músicos naquele lugar, vários trios que continuavam a tocar bolero, e para nós o bolero foi a nossa escola como músicos. A primeira coisa que cantei profissionalmente foi um bolero.

Quando fala dos boleros em Los Angeles, significa que para a comunidade mexicana esta música não conhece fronteiras?
O que há de bonito no bolero é que ele atravessa fronteiras. O bolero pertence a muitos, muitos lugares, não apenas ao México, mas também a Porto Rico, Cuba, América Central, América do Sul. Para muitos mexicanos e latino-americanos que vivem nos Estados Unidos, a música bolero também lhes pertence e é muito importante.

Existem outros géneros musicais que identificam o México ou o bolero é o mais forte?
A música mariachi, a música ranchera, também é muito mexicana, e foi algo que tocámos também no Tivoli. Tocámos uma música do maestro José Alfredo Jiménez, um dos grandes cantores e compositores do México, que escreveu ótimas canções rancheras. No concerto no Tivoli cantámos Un Mundo Raro, que é uma ranchera que José Alfredo Jiménez escreveu, mas nós tocamos no estilo bolero. E gostei muito quando Carminho foi linda a cantar Un Mundo Raro no estilo bolero.

A música é uma vertente muito importante da cultura mexicana. Quando olhamos para o país vemos uma mistura de povos indígenas e colonização espanhola, mas também de outras migrações. É uma cultura nacional que resulta de uma síntese?
Sim claro. É uma síntese que se cria através de uma história difícil, traumática, que ainda está a ser identificada, porque tem muito sofrimento, tem muita história que não é aceite, que não é contada, mas através da música, da cultura, estamos a tentar curar as feridas e unir todas as coisas que somos e que nos representam. É a tentativa que fazemos dentro de La Santa Cecilia [que integra ainda Pepe Carlos, Alex Bendaña e Miguel Ramirez], essa unificação de culturas, não só mexicana, mas pan-americana, e também global, para poder partilhar com o povo

Quando falamos de fado, que é a canção nacional portuguesa, há um nome muito forte, Amália Rodrigues. Há um nome na música mexicana que também se destaca de todos os outros quando se pensa numa voz que representa o México?
Juan Gabriel, com a sua voz e suas canções, foi um cantor e compositor que nos deu muita música, muita música mexicana, e que com a sua voz também representa muito para nós essa forma de compartilhar o sentimento, o dor, a alegria. Acho que Juan Gabriel para mim é a voz do México.

E há uma voz feminina emblemática também ?
Quanto às mulheres, há Lola Beltrán, Lucha Villa, Lucha Reyes. E uma mais nova, uma cantora que admiro muito pela sua forma de escrever música, pela sua forma de revolucionar a música tradicional com as suas letras, e pelo que ela diz nas letras, que é Vivir Quintana. É uma jovem de Coahuila que compõe canções que falam sobre coisas pesadas e difíceis que acontecem às mulheres no México e em muitas partes do mundo. Para mim, ela é uma das grandes vozes e grandes artistas do México.

Gosta de fado?
Sim, adorei este espectáculo em Lisboa com Carminho. Não sabia muito sobre fado. Não o conhecia bem, mas sinto que foi algo muito especial este encontro com Carminho e os seus grandes músicos, porque foi como ouvi-lo e apreciá-lo, e também de alguma forma como reconhecê-lo e ver que ali há algo entre o bolero e o fado. Há alguma coisa na forma de cantar da Carminho que sinto que também tenho essa forma de cantar, esse sentimento, essa forma de viver as canções. Foi muito especial . Acho mesmo que nunca tinha acontecido comigo sentir isso, reconhecer-me, dizer que tem alguma coisa nisso que está em mim, não sei.

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