Joaquim Calçada, ex-taxista nova-iorquino, figura emblemática de Alhandra, hoje reformado depois de ter regressado dos EUA e ter saboreado as passas do Algarve do desemprego na zona de Vila Franca de Xira. Cabelo à Elvis, pose de velha escola e figura de cinema. Do cinema e do real. Tudo o que vemos em No Táxi do Jack é real. O "real" possível do cruzamento entre o cinema documental e de ficção, como aliás acontece nos filmes desta cineasta, Susana Nobre, desta vez mais perto de um desejo narrativo e com vénias ao estilo de Aki Kaurismaki..Nesta viagem pelo passado e presente de Jack, o nosso Joaquim, são recriadas histórias dos anos em que transportava no seu táxi as mais variadas figuras, mas é sobretudo uma boleia por uma zona da grande Lisboa a contas com a ressaca de problemas sociais resultantes do fim de muitas fábricas. Um filme tão dolorosamente triste como divertido, uma experiência de um novo realismo português. O DN juntou a protagonista e o "ator" em Alhandra....Sei que o Joaquim foi meticuloso e cuidadoso com os textos que estavam no guião, mas como se conseguiu que ele fosse igual a si próprio? Susana Nobre (SN)- Sim, o Joaquim preparou-se imenso! Mas parti para este filme com uma base, um tratamento... Havia já um conjunto de sequências que queria filmar. A ideia inicial era haver umas cenas mais documentais, onde o Joaquim seria uma espécie de guia que nos levava a alguns locais e interagia com algumas pessoas da região. Tudo isso com um carácter bem improvisado. A par disso, tínhamos as cenas que eram para ser mais encenadas e controladas. O que aconteceu na montagem é que percebi que alguma dessa mistura não convivia... Ou seja, muito do que foi filmado não ficou no filme para que se ganhasse a unidade e o ritmo certos. Sendo um filme sobre e com o Joaquim tínhamos ali uns limites algo delicados. Ele, às vezes, se eu fizesse uma retificação levava as coisas um bocadinho de forma pessoal. Não sendo um ator, ele julgava que eu estava a dizer que não estava a fazer bem. Joaquim Calçada (JC)- Ai, estás a puxar por mim! Mas vejam, eu tenho 74 e ela tem 35, mas não é isso que está em causa... SN- Não tenho 35... JC- Mas ponham-se no meu lugar: estou ali com um texto de um data de páginas, faço a cena com uma 50, 100 repetições e está quase, mas a Susana ainda pensa meter mais umas 5 ou 6 palavras... Claro que eu dizia espera aí! Muitas vezes das 100 palavras que tinha de dizer era ainda obrigado a trocar por outras, isto depois de ter decorado! Ficava maluco..O cinema não é fácil... SN- O Joaquim tem toda a razão, isto foi uma aprendizagem. Se estamos a trabalhar nestes termos, muito dificilmente podemos mudar. JC- Também me falaram que o Nicolas Cage quando veio cá filmar também tinha de repetir muitas vezes as cenas. Muitas cenas eu repeti!.O seu cabelo à Elvis, o seu estilo... A América ainda ficou dentro de si. JC- Sim, tenho saudades daquilo. SN- Mas quando regressaste a Portugal que diferenças sentiste? JC- A grande diferença é que tudo aqui é parado. Eu senti isso porque era taxista, achava que os carros aqui estavam longe uns dos outros. Foi do 8 para o 80! Agora tenho uma vida calma, a ver se isto da pandemia passa: gosto de ir ali e acolá cantar o fado... SN- Falaste-me muito de seres um emigrante que não se imiscuiu tanto na comunidade portuguesa lá... JC- Quando cheguei lá a Newark o que me interessou foi Nova Iorque, não me interessava estar perto dos portugueses. Se ficasse demasiado integrado, nunca mais de lá saía e ficaria sempre com os salários mínimos..Não chegou a pensar levar o Joaquim para Nova Iorque para filmar um reencontro físico? SN- Não podia... JC- Eu em Nova Iorque? Não posso! Meti o pé na argola... Estou lá nos registos com dívidas de pensões de alimentos e etc... Era uma confusão..Quando era lá taxista apanhou alguma vez um português? JC- Apanhei uma vez um padre! Nessa altura, estava a divorciar-me e contei-lhe que tinha apanhado um par de cornos. Nem imagina a resposta malandra dele....Seja como for, No Táxi do Jack tem um fascínio pela região de Alhandra... JC- Desde a Azambuja até à Póvoa isto aqui antes era uma fábrica em cima da outra. Isto agora fechou tudo! SN- Descobre-se uma fotogenia que tem a ver com isso... O interessante desta região é que estamos muito perto da capital mas também não deixa de ser muito rural e industrial, com o Tejo e a linha de comboio ao lado..O humor do filme lembra também Aki Kaurismaki. Deve ser por uma certa secura, uma secura doce... SN- Sim, gosto imenso. Pensei no Aki mas não como uma referência direta. Neste filme quis fazer coisas que nunca tinha feito, como por exemplo os planos contra-picados sobre o Joaquim que são muito expressivos. Para os planos do carro em movimento inspirei-me mais no Martín Rejtman, em especial no Los Guantes Mágicos, que é também sobre um taxista. E filmagens com carros em movimento são sempre complicadas. Temos de pensar sempre na instalação da câmara no carro, ter em conta as questões de iluminação. JC- Ui, o que tive de esperar....dnot@dn.pt