Vieram a Lisboa pintar um mural numa casa da Rua da Judiaria, em Alfama, ali bem perto da Porta do Mar. Nitzan Mintz e Dede BandAid formam um casal de artistas urbanos, naturais de Telavive, a quem o 7 de Outubro de 2023 apanhou a meio do seu sonho de internacionalização, em Nova Iorque. Dizem que se sentiram impotentes perante a crueza dos factos e decidiram usar o seu meio de expressão para divulgar os rostos e as situações dos homens, mulheres e crianças capturados pelo Hamas no Festival de Re’im, sublinhando que o seu objetivo é humanitário e não político. Mas evitam quaisquer críticas à atuação do seu Governo ou aos militares..Como é que começou este vosso trabalho em torno dos reféns de 7 de Outubro? Nitzan: Estávamos em Nova Iorque, para participar num belíssimo programa de artes, que começou em setembro de 2023 e deveria ter durado três meses. E depois aconteceu o ataque de 7 de Outubro e, para nós, foi horrível não estarmos em Israel naquele momento, com as nossas famílias a pedirem, ao telefone, para não voltarmos. Depois, fomos ouvindo todas as coisas horríveis que aconteceram naquele dia e sentíamo-nos impotentes para fazer alguma coisa. Até que decidimos usar o nosso trabalho artístico para ajudar os reféns. Dede: Decidimos usar a nossa experiência em intervenções no espaço público para passar uma mensagem à população civil nos Estados Unidos. Lembrámo-nos das mensagens publicadas nas embalagens de leite para comunicar o desaparecimento de crianças, muito usadas naquele país, na década de 1980. Usámos o mesmo formato, mas, como não conseguimos chegar a acordo com as marcas de leite, imprimimos posters com as caras dos desaparecidos. Fomos para Manhattan, e para outros grandes bairros, afixá-los e pedimos às pessoas que nos ajudassem a fazê-lo, mas não obtivemos grande adesão..Como é que classificariam as reações das pessoas? N - Houve muita indiferença, que é, aliás, uma atitude comum numa cidade como Nova Iorque. Mas sentimo-nos muito sozinhos. Algumas das pessoas que interagiram connosco foram mesmo muito cruéis, perguntando porque nos incomodávamos, se os reféns já estavam todos condenados. .Sentem que essa atitude era apenas indiferença ou tinha uma motivação política? N - Era sobretudo política..Porquê? N - Porque algumas pessoas quase mostravam contentamento por aquilo que acontecera..Diziam coisas cruéis com um meio sorriso. D - E alguns não queriam mesmo saber. O Médio Oriente fica longe das suas vidas e do seu mundo. .Sentem que a situação dos reféns foi politizada muito depressa, como se aquelas pessoas fossem apenas factos políticos? D - Duas semanas depois da afixação dos posters, já os raptos se tinham tornado apenas um facto político, percecionado de formas extremadas por duas fações. N - Para nós, esta não era uma campanha política. Queríamos que fosse uma campanha humanitária, que estas pessoas fossem libertadas imediatamente, só isso. A política sobrepôs-se aos nossos objetivos. Quando os nova-iorquinos destruíam os posters não viam os rostos ali estampados. Não queriam saber se era um bebé, um velho ou uma pessoa numa cadeira de rodas. .Entretanto, não voltaram a Telavive? D - Vamos em visita, sim..Não sentem que tenham condições para permanecer lá? N - Era o nosso sonho viver como artistas em Nova Iorque e gostaríamos de lhe dar continuidade..Falem-me do vosso trabalho anterior a 7 de Outubro. Já tinha uma componente de intervenção forte? Digamos que era politizável? N - Trabalhávamos temas sociais, sobretudo. Como adolescentes, nas ruas de Telavive, fazíamos muito trabalho à volta de temas como a gentrificação da nossa cidade. Primeiro, tínhamos as pessoas que lá viviam, depois vieram os artistas, os cafés, mas depois vieram os investidores que compraram propriedades e empurraram os habitantes dos bairros para as periferias. É o mesmo processo em todo o lado. D - Também tratamos o tema dos traumas de guerra, daí o meu nome artístico ser Band Aid. Fui oficial das IDF (sigla inglesa para as Forças de Defesa de Israel) durante quatro anos (os três obrigatórios e mais um como voluntário) e quando de lá saí comecei a desenhar estes pensos rápidos por todo o lado. Quando as pessoas me começaram a perguntar porquê é que eu senti que estava a exorcizar o meu trauma como militar. N - Há muitos temas que convergem no nosso trabalho. Gosto muito de falar da história da minha família que foi uma das que ajudou a construir Telavive, onde chegaram em 1704, ainda sob o domínio do Império Otomano. Depois vieram os britânicos. Nessa altura, os muçulmanos ainda não se intitulavam palestinianos, vinham de vários lugares, como acontecia com os judeus. .E qual era a relação entre esses muçulmanos e os judeus? N - Todos tinham medo dos Otomanos, que eram muito cruéis com os outros muçulmanos. Com os judeus eram mais permissivos. Mas todos, judeus e muçulmanos, nos dávamos bem..Como é que veem o desenlace desta situação? N - É terrível, todos os dias, quando acordo, vou ver as notícias, na esperança de que a guerra tenha terminado..E a atuação dos políticos no meio disto tudo? D - Não sei, não os conheço. Mas sei que é difícil tomar decisões, sobretudo para os militares que estão no terreno, com uma missão física e psicologicamente muito desgastante. Estamos muito solidários com o nosso Exército.